Volume 1: O Caminhar

Capítulo 6: Fraquezas de um Rei

O salão do Conselho Imperial era vasto e opressivo, construído para intimidar. Colunas de mármore negro subiam até o teto abobadado, suas superfícies refletindo a luz fraca das tochas que ardiam em suportes de ferro. Tapeçarias pesadas, bordadas com cenas de antigas vitórias, cobriam as paredes como testemunhas silenciosas. No centro, uma mesa circular de ébano dominava o espaço, sua superfície lisa e polida absorvendo o brilho das chamas. O ambiente era frio, mas o ar parecia carregar o peso de cada decisão que ali fora tomada. 

Os cinco senadores estavam reunidos em seus tronos, cada um refletindo sua distinta influência. Morthem Valtoir, sempre astuto, com olhos que mediam cada movimento; Harol Draveth, magro e traiçoeiro, pronto para um golpe; Lysa Crelhar, de semblante prateado e impassível; Berion Vrald, corpulento e pragmático, tamborilando os dedos como quem trama; e Ilvara Thalzar, a mais jovem, venenosa em palavras e intenções. 

— Então está feito — murmurou Morthem, inclinando-se em direção a Harol, cuja expressão era de desdém tranquilo. — O guarda foi devidamente incentivado? 

Harol sorriu, os dentes pontudos brilhando à luz da tocha. 

— Como um cão com um osso novo. Não temos o que temer. O garoto vai definhar lá embaixo, longe de nossos olhos e, mais importante, das bocas das massas. 

Antes que Morthem pudesse responder, as portas do salão se abriram com uma força que fez o som ecoar como um trovão pelo espaço. O Imperador adentrou o recinto, sua capa negra rodopiando como um manto de escuridão viva. Plastissax o seguia, passos metódicos e o toque de sua bengala no chão. 

— Senadores — disse o Imperador, sua voz reverberando pelas paredes como o rugido de uma tempestade —, espero que este conselho tenha respostas melhores do que desculpas esfarrapadas. 

Os olhos de Morthem estreitaram-se, mas ele se levantou com sua típica compostura teatral, inclinando a cabeça em uma reverência superficial. 

— Majestade, que surpresa inesperada. Não tínhamos conhecimento de que esse... caso merecia seu valioso tempo. 

O Imperador avançou alguns passos, parando no centro da mesa circular. Seus olhos percorreram cada um dos senadores, mas foi em Morthem que ele se fixou. 

— Trivial? Vocês prenderam o filho de Hécate Karlai, o homem que construiu os alicerces deste Império, e o fizeram sem minha autorização. 

Lysa foi a primeira a intervir, sua voz fria como gelo: 

— Hécate construiu muito, Majestade, mas até os maiores alicerces podem apodrecer. Ele violou nossas leis mais fundamentais ao conceber aquele garoto. Devemos ignorar isso por causa de sua glória passada? 

— E o que você sugere? — retrucou o Imperador, cruzando os braços. — Que enterramos a lealdade junto com a decência? 

Berion, o corpulento, tamborilou os dedos na mesa antes de falar, sua voz grave cortando o ambiente como um machado: 

— Não se trata de lealdade, Majestade, mas de sobrevivência. O garoto é um híbrido. Uma afronta viva àquilo que nos faz fortes. A pureza de nosso sangue é nossa maior arma.  

O Imperador avançou mais um passo, as mãos apoiando-se sobre a mesa. 

— E desde quando um garoto é um risco fatal? 

Morthem finalmente falou, sua voz ressoando com o peso de gerações de autoridade. 

— Não é o garoto, Majestade. É o que ele simboliza. 

O silêncio que se seguiu era quase sufocante. 

— E o que exatamente ele simboliza, senador? — perguntou o Imperador, o tom gélido. 

Morthem levantou-se, apoiando as mãos atrás das costas em um gesto calculado. 

— Ele é uma afronta. Um híbrido. Uma mancha que não deve existir. Nós o toleramos até agora, porque sabíamos que tocar em um fio de cabelo dele seria o mesmo que declarar guerra contra Hécate Karlai. E guerra contra Hécate, Majestade, seria o fim do Império como o conhecemos. 

Os olhos do Imperador estreitaram-se, e sua voz tornou-se mais baixa, mas não menos cortante. 

— Vocês falam de Hécate como se ele fosse um inimigo. Ele dedicou séculos ao Império, enquanto vocês... 

Berion interrompeu, sua voz tão sólida quanto pedra. 

— Nós o respeitávamos, Majestade. Mas respeitávamos ainda mais o que ele representava: força e ordem. Ele era uma muralha contra os Vaikes e qualquer outro inimigo que ousasse cruzar nossas fronteiras. Enquanto ele estava aqui, sua presença era uma garantia de que não seríamos atacados. 

O Imperador respirou fundo, sua mandíbula cerrando. Ele olhou de soslaio para Plastissax, cujo rosto permanecia impassível. O Segundo Messor sempre fora difícil de decifrar, e, naquele momento, era impossível saber de que lado ele realmente estava. 

— Vocês toleraram até hoje. Por quê? — O Imperador perguntou, dirigindo-se a todos eles. 

Berion, sempre direto, respondeu sem hesitar. 

— Por causa de Hécate Karlai. 

As palavras de Berion eram tão diretas que cortaram o silêncio como uma lâmina. 

— Todos sabemos que Hécate era mais do que um aliado; ele era uma força da natureza. Ir contra ele seria suicídio. O Império precisa de estabilidade, não de conflitos internos. Enquanto ele estava aqui, protegemos Icarus não por compaixão, mas por pragmatismo. 

Morthem endireitou-se, cruzando as mãos sobre a mesa. 

— Majestade, com todo respeito, tomamos a decisão porque era a única decisão a ser tomada. Hécate sabia o que fazia quando quebrou as leis. Agora, o garoto paga o preço. Não podemos arriscar o futuro do Império por laços de amizade. 

O Imperador caminhou lentamente ao redor da mesa, cada passo ressoando como um julgamento. 

— Laços de amizade? Hécate não é apenas meu amigo. Ele é o homem que manteve este Império unido enquanto outros, como vocês, tentavam arrancar nacos dele. 

— E agora ele o enfraquece — interrompeu Lysa, a voz gelada. — Ele manchou o que há de mais sagrado em nós, e você está prestes a fazer o mesmo, Majestade, ao permitir que suas emoções interfiram no julgamento. 

O silêncio que se seguiu foi opressor. O Imperador parou, os olhos fixos em Lysa. 

— Minha emoção não interfere em meu julgamento, senadora. Minha empatia, talvez. Algo que alguns de vocês parecem ter perdido há muito tempo. 

Berion riu, um som grave que soava como pedras deslizando. 

— Empatia é para os humanos, Majestade. Nós somos vampiros.

Plastissax deu um passo à frente, mas o Imperador ergueu a mão novamente, impedindo-o. 

Morthem sorriu, seu tom quase vitorioso. 

— Majestade, é claro que você vê isso de maneira pessoal. Hécate é seu amigo, e entendemos isso. Mas o Império não é feito de amizades. É feito de ordem. 

— Ordem? — O Imperador virou-se para ele, sua voz subindo levemente. — Vocês chamam isso de ordem? Prender o filho de um dos maiores heróis do Império como um animal? Isso é ordem para vocês? 

Harol sorriu. 

— Isso é sobrevivência, Majestade. Algo que aprendemos a priorizar acima de tudo. 

Plastissax, que até aquele momento se mantivera na sombra do Imperador, finalmente deu um passo à frente. O som de sua bengala batendo contra o mármore ecoou pelo salão, chamando a atenção dos senadores. O ar parecia mudar em sua presença; havia algo nele que fazia até os mais confiantes hesitarem. 

— Vocês falam da ordem como se fossem seus arquitetos supremos — começou ele, a voz rouca, mas carregada de uma autoridade cortante. — Mas, me digam, que ordem é essa que se sustenta na fragilidade do medo? 

Morthem o encarou com um sorriso afiado, como se estivesse diante de uma fera enjaulada. 

— Medo, Plastissax, é uma ferramenta. E uma ferramenta muito eficiente. 

— E a força? — Plastissax inclinou a cabeça levemente, os olhos rubros perfurando Morthem como lâminas. — Hécate era força. Ele moldou este Império com sangue e aço enquanto vocês o adornavam com tapeçarias. Toleraram o garoto porque sabiam que desafiá-lo significava o caos. Sabiam que ele os despedaçaria antes de cair. 

Berion tamborilou os dedos na mesa, mas desta vez o som parecia mais tenso. 

— E agora Hécate se foi, Plastissax. O que você sugere? Que permitamos que a memória dele nos governe? Que deixemos uma exceção crescer como um câncer? 

Plastissax sorriu, um gesto mais perturbador do que tranquilizador. 

— Vocês são sábios o suficiente para reconhecer um erro e pragmáticos o bastante para esconder o corpo. Mas não se enganem. Chamar Icarus de exceção não muda o fato de que ele é uma consequência. Vocês falam de pureza como se fosse absoluta, mas há rachaduras em todas as muralhas. E sabem disso. 

Lysa inclinou-se ligeiramente para frente, como se suas palavras fossem tão afiadas quanto Plastissax era calculado. 

— Rachaduras podem ser consertadas, Plastissax. Desde que não hesitemos em esmagar aquilo que as provoca. 

Plastissax riu baixo, um som quase inaudível que gelou o ambiente. 

— Se esmagar fosse a solução para tudo, Lysa, o Império seria apenas pó. Vocês acham que resolveram algo ao trancafiá-lo? Não. Vocês apenas adiaram a tempestade. Mas quando ela vier... Não esperem que as paredes que vocês tanto reverenciam resistam. 

Harol cruzou os braços, a voz impregnada de ironia. 

— Sempre o poeta, Plastissax. Mas poetas têm o hábito de esquecer que os senhores do mundo não precisam rimar com a verdade. 

O Imperador, até então um observador, ergueu a mão, silenciando os murmúrios que começavam a crescer ao redor da mesa. 

— Plastissax, o que você sugere? — Sua voz era baixa, mas carregada de curiosidade genuína. 

Plastissax inclinou-se levemente em direção ao Imperador, a luz das tochas refletindo na bengala que segurava. 

— Eu sugiro... prudência, Majestade. E que não se iluda. Esses homens e mulheres não buscam ordem. Eles buscam controle. Icarus é apenas o começo. Ele é fraco aos olhos deles, mas não é o último. Eles temem que mais rachaduras apareçam, e então, não restará pedra sobre pedra. Mas quem constrói muros altos demais, Majestade, acaba esquecendo como sair deles. 

O silêncio que seguiu era mais denso do que nunca. Os olhos do Imperador se fixaram nos de Plastissax, mas ele não respondeu. Morthem quebrou o momento com um risinho contido. 

— Belas palavras, Plastissax. Mas nós não governamos com poesia. Governamos com aço. E aço não tem espaço para rachaduras ou exceções. 

Plastissax virou-se lentamente para Morthem, cada passo deliberado enquanto seu olhar rubro parecia devorar o senador. 

— E, no entanto, Morthem, quantas vezes o aço se dobrou na forja para se tornar o que é? Vocês falam de pureza como um conceito estático. Mas tudo, absolutamente tudo, é moldado pelo que o toca. Até mesmo você. 

O olhar gélido de Morthem não se quebrou, mas o desconforto era visível. Lysa pigarreou, retomando a discussão. 

— Estamos aqui para governar, Plastissax, não para debater filosofia. O garoto é uma aberração, e isso não é poesia. É fato. 

Plastissax virou-se de costas, voltando a seu lugar ao lado do Imperador, mas antes de silenciar-se, deixou escapar uma última frase, sua voz cortante como vidro. 

— Fatos mudam com o tempo. Mas a ignorância... essa é eterna. 

O Imperador olhou para as taças de sangue, o líquido rubro oscilando suavemente como um reflexo de sua turbulência interna. Hécate, o homem que deu tudo pelo Império, agora era uma lembrança manchada. Proteger o filho dele parecia um ato de honra, mas aqui, cercado por predadores que sentiam o cheiro da fraqueza, a honra era um luxo que ele talvez não pudesse pagar. Ele fechou os olhos por um momento, inspirando fundo. Quando falou novamente, sua voz era mais controlada. 

— Qual é o veredicto? 

Morthem trocou um olhar com os outros senadores antes de responder. 

— O garoto permanece nas masmorras. Para sempre. 

Plastissax apertou a bengala com força, mas o Imperador simplesmente assentiu. 

— Muito bem. Que assim seja. 

O Imperador olhou para as taças de sangue novamente. Em cada uma delas, ele via o reflexo de escolhas que não eram inteiramente suas. Ser Imperador significava governar com a força de um deus, mas também com as correntes de um escravo. Como ele poderia carregar o peso de Hécate e do Império ao mesmo tempo? 

Enquanto o Imperador saía do salão, sua capa arrastando-se pelo chão, Morthem ergueu sua taça. Não em um brinde declarado, mas com o leve sorriso de quem sabia que a batalha não precisava de sangue para ser vencida. 

"Hécate, você me deixou com um fardo que talvez eu não possa carregar." 

 



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