Volume 1: O Caminhar
Capítulo 5: Laços de Sangue
Icarus acordou com um jato de água gelada atingindo seu rosto. Ofegante, abriu os olhos rapidamente, o coração disparado. A escuridão da cela era quebrada apenas pela luz fraca que entrava pela pequena abertura no alto da parede. Sentado no chão frio e úmido, sentiu a água escorrer por seu rosto e roupas, aumentando a sensação de frio que já o envolvia.
— Hora de acordar, garoto — zombou um dos guardas, segurando um balde vazio através das grades. Seu sorriso era malicioso, as presas amareladas brilhando à luz das tochas.
Icarus piscou, tentando clarear a visão turva. Seu corpo estava dolorido, os músculos rígidos após horas naquele chão de pedra.
O guarda rindo jogou um pedaço de pão duro pelo espaço entre as barras, que caiu ao lado de Icarus, espalhando migalhas no chão sujo.
— Aqui está sua refeição. Aproveite, é tudo o que vai receber hoje.
Antes que Icarus pudesse responder, o guarda olhou para o lado, ainda rindo, mas seu riso morreu instantaneamente ao ver quem se aproximava. Seus olhos se arregalaram, e ele imediatamente caiu de joelhos.
— Messor Smael!
Imediatamente, um silêncio profundo tomou conta do corredor. Os prisioneiros nas celas próximas recuaram para as sombras, temerosos de atrair atenção indesejada.
O chute de Smael atingiu o guarda com a força de um martelo de ferro, a cabeça do homem ricocheteando na parede como uma bola de couro. O som que ecoou pelo corredor foi o de ossos quebrando — um estalo seco que fez os prisioneiros nas celas próximas recuarem para a escuridão como baratas fugindo da luz.
— Traga-me uma cadeira — ordenou Smael, sua voz tão fria e afiada quanto a lâmina em sua cintura.
O segundo guarda hesitou, os olhos fixos no colega desmaiado que sangrava em uma poça no chão. Mas o olhar de Smael era o tipo de coisa que poderia fazer um homem corajoso preferir correr em direção a um precipício do que desobedecer.
— S-Sim, senhor! — gaguejou, correndo pelo corredor em busca de uma cadeira.
Icarus observava a cena com olhos arregalados, incapaz de acreditar no que via. Seu coração estava dividido entre a esperança e o medo.
"Por quê? Por que você veio?"
O guarda retornou rapidamente, trazendo uma cadeira de madeira simples. Colocou-a na frente da cela, recuando imediatamente. Smael indicou com um gesto que ele deveria sair.
— Todos vocês, fora daqui — disse Smael, sem desviar o olhar de Icarus.
O guarda hesitou ao ver seu colega ainda no chão, mas o olhar penetrante de Smael o fez obedecer sem questionar. Ajudou o companheiro a se levantar, apoiando-o enquanto se retiravam apressadamente, sumindo na escuridão do corredor.
Smael sentou-se na cadeira diante da cela. Ele cruzou os braços, os olhos fixos em Icarus, examinando-o em silêncio.
Icarus, sentado no chão frio, ergueu o olhar. Havia uma chama vacilante em seus olhos — dor, confusão e um resquício desesperado de esperança que o próprio garoto parecia odiar por sentir.
— Smael... — Sua voz, quebrada.
Smael inclinou-se um pouco para frente, a voz baixa, quase um sussurro que cortava o silêncio.
— Demorei para vir. Eu sei. As coisas têm sido... complicadas.
Icarus encarou-o, direto. Ele precisava de respostas, e o tempo para rodeios já havia passado.
— Você sabia?
O silêncio de Smael foi uma resposta tão clara quanto um grito. Ele suspirou profundamente e assentiu.
— Sim.
O chão parecia ter se aberto sob os pés de Icarus. Ele sentiu o ar pesar nos pulmões.
— Então por que me esconderam isso? Por que mentiram para mim?
Smael não respondeu de imediato. Ele descruzou os braços, deslizando uma mão pelas barras da cela, como se buscasse estabilidade. Quando finalmente falou, sua voz era sombria, carregada por algo muito próximo de culpa.
— Para te proteger. Menos você soubesse... menores as chances de eles descobrirem. Era a única maneira de mantê-lo vivo.
— Vivo? — A palavra saiu num tom de incredulidade. Icarus sentiu as lágrimas se formando, queimando como ácido. Ele se forçou a conter o choro, mas não o desespero em sua voz. — E agora? Proteger de quê? Por quê?
Smael segurou as grades, apertando-as com tanta força que seus nós dos dedos ficaram brancos. Seus olhos vermelhos brilharam com uma intensidade que beirava o selvagem.
— Você realmente não entende, entende? — Ele puxou o ar, como se estivesse tentando controlar a própria ira. — Não é só sangue, Icarus. É um fardo. É uma maldição. Misturar nosso sangue com o de humanos é uma das maiores afrontas que nossa espécie pode imaginar.
O coração de Icarus apertou-se. Ele queria se levantar, enfrentá-lo, mas o peso das palavras de Smael o manteve paralisado.
— Mas... por quê? Por que é tão terrível? Não é apenas... sangue?
Smael soltou uma risada seca, desprovida de qualquer humor. Ele olhou para baixo por um instante, como se estivesse debatendo se deveria dizer a verdade. Quando voltou a encarar Icarus, havia algo de cruel em sua expressão, como se ele precisasse ser implacável para ser compreendido.
— Não, Ikki. Não é apenas sangue. É sujeira. É como envenenar um rio limpo com lama. Não importa quanto você tente limpar, nunca será o mesmo. Misturar nossa linhagem com humanos é a maior traição que alguém pode cometer contra o que somos.
Icarus piscou, tentando absorver as palavras. Cada uma parecia mais pesada que a anterior, esmagando-o.
— Isso é o que eles pensam? — Ele perguntou, a voz trêmula. — Isso é o que você pensa?
Smael desviou o olhar, mas apenas por um instante. Quando voltou a encarar o irmão, seus olhos estavam cheios de algo que Icarus não conseguiu decifrar completamente.
— Eu penso que você é meu irmão. Mas isso não importa, Ikki. Não para eles. O Império nos ensina desde o nascimento que o sangue vampírico é puro, que é o que nos torna superiores. E você... — Ele hesitou, mas continuou, a voz mais baixa. — Você é a prova de que até nós podemos ser corrompidos.
As palavras cortaram fundo. Icarus sentiu o peito apertar, como se tivesse levado um soco direto no coração.
— Corrompido? Você acha que eu sou... corrompido?
Smael suspirou e se ajoelhou diante da cela, ficando à altura dos olhos do irmão. Ele segurou as barras entre eles, apertando-as como se precisasse daquele contato para manter-se firme.
— Não, Ikki. Não para mim. Mas para eles, você é. Eles te veem como uma mancha na história dos vampiros. Uma fraqueza viva. É isso que eles acreditam. É isso que os consome.
Icarus sentiu as lágrimas finalmente escaparem, deslizando por suas bochechas.
— Por que o pai fez isso, então? Ele sabia, não sabia? Sabia o que isso significaria para mim... para nós.
Smael desviou o olhar, sua expressão endurecendo. Ele se levantou lentamente, virando as costas para Icarus por um momento antes de voltar a encará-lo.
— Porque nosso pai amava sua mãe. Amava o suficiente para ignorar as leis, para desafiar o Império. Ele sempre foi um homem que acreditava que poderia dobrar o mundo à sua vontade. — Smael fez uma pausa, e a dor em seu rosto parecia quase insuportável. — Mas amor, Ikki... Amor é fraqueza. E fraqueza não tem lugar entre vampiros. Não no Império.
As palavras pairaram no ar, pesadas e implacáveis.
— Pai está... ele não pode estar aqui para me proteger porque... ele desapareceu.
Icarus arregalou os olhos.
— O quê?
Smael finalmente soltou o peso que parecia estar carregando em silêncio.
— Pai desapareceu em uma missão nas fronteiras. Ninguém sabe o que aconteceu. Sem ele aqui, o Conselho decidiu agir.
A revelação atingiu Icarus como um golpe. Ele balançou a cabeça, tentando processar o que havia acabado de ouvir.
— Eles esperaram até ele sumir... — Ele murmurou, mais para si mesmo do que para Smael. — Eles esperaram para me destruir quando eu estivesse sozinho.
— Sim — Smael disse, sua voz sombria. — Porque, sem ele, não há ninguém que eles temam o suficiente para parar.
Smael deu um passo para trás, ajeitando a capa.
— Preciso ir. Quanto mais rápido agir, melhor.
Icarus assentiu, embora a insegurança ainda o consumisse.
Smael deu uma última olhada em Icarus, mostrando clara empatia pelo irmão mais novo, praticamente condenado à morte. Então, virou-se e começou a se afastar.
No corredor, Smael começou a subir a escada em espiral que levava ao nível superior, sua cabeça pulsava de dor com a possível execução de seu irmão. A luz das tochas projetava sombras longas nas paredes de pedra. De repente, ele avistou Rash descendo.
Os olhos de Smael estreitaram-se. Sem hesitar, avançou e pressionou Rash contra a parede, uma mão segurando firmemente sua garganta.
— O que está fazendo aqui?
Rash manteve a calma, apesar da posição desconfortável.
— Vim ver Icarus.
Smael aproximou o rosto, a voz baixa e ameaçadora.
— Se ousar machucar ou insultar ele...
Rash levantou as mãos em sinal de rendição.
— Solte-me, Smael. Estamos do mesmo lado. Também quero ajudá-lo. Devo isso ao pai de vocês.
Smael estudou o rosto de Rash por um momento antes de soltá-lo. Deu um passo atrás, mas manteve a postura alerta.
— E por que deveria acreditar em você?
Rash ajeitou o uniforme, massageando levemente o pescoço.
— Porque tenho uma dívida com Hécate.
Smael manteve o olhar fixo nele por mais alguns segundos antes de assentir lentamente.
— Muito bem. Mas estou de olho em você.
Sem mais palavras, Smael continuou subindo as escadas, desaparecendo na escuridão.
Rash respirou fundo, recompondo-se antes de descer até a cela de Icarus. Ao chegar, encontrou o jovem sentado no chão, a cabeça abaixada, os cabelos caindo sobre o rosto.
— Icarus — chamou Rash, encostando-se às grades.
Icarus não respondeu de imediato. Havia uma aura de resignação ao seu redor.
— Você tem dois caminhos à sua frente, o fácil e o difícil.
Antes de continuar, Rash olhou discretamente ao redor, certificando-se de que não havia ninguém por perto. Quando teve certeza de que estavam sozinhos, e nenhum prisioneiro o encarando, com um movimento suave, ele deslizou uma adaga através das barras. A lâmina caiu ao lado de Icarus, refletindo a luz fraca.
Icarus olhou para a adaga no chão como se fosse uma cobra, pronta para atacar. Ele ergueu o olhar para Rash, que estava encostado nas barras como se estivesse à vontade em um salão de festas.
— Hécate salvou minha vida. — A voz de Rash era um murmúrio, quase perdido no eco da cela. — Eu era um jovem quebrado, sem nada além de um punhado de sonhos despedaçados. Ele me deu uma segunda chance... E agora, estou aqui tentando pagar isso. — Ele olhou para Icarus com um brilho frio nos olhos. — Mas não se engane, garoto. Gratidão só dura enquanto é conveniente. Lembre-se disso.
Sem mais explicações, Rash caminhou pelo corredor, seus passos ecoando até desaparecer.