Volume 1: O Caminhar
Capítulo 4: Confirmações
De onde estava, Jargal ergueu uma mão. Não precisou dizer muito; seus gestos eram suficientes para dobrar qualquer vontade.
— Tragam os preparativos.
As palavras foram ditas sem emoção, mas carregavam um peso que esmagou o peito de Icarus. Ele sentiu os joelhos enfraquecerem, embora permanecesse de pé, sustentado por um orgulho teimoso e desesperado. A palavra de Krista, momentos antes, ainda latejava em sua mente: "humana."
Antes que pudesse processar seus pensamentos, dois acólitos emergiram das sombras, carregando um recipiente de cristal ornamentado e uma adaga cerimonial. O líquido prateado dentro do recipiente pulsava com vida própria, refletindo as chamas trêmulas das tochas.
Krista, com um tom quase maternal, explicou:
— É a única maneira de confirmar sua linhagem.
Icarus deu um passo hesitante à frente, sua voz finalmente rompendo o silêncio:
— Confirmar? Isso não é necessário! Meu pai é Hécate Karlai! Vocês já sabem disso!
Seraphine inclinou-se levemente, seus olhos âmbar brilhando com diversão cruel:
— Sabemos, sim. Mas precisamos de algo mais sólido do que palavras.
Icarus virou-se para Plastissax, buscando compreensão:
— Meu sangue é puro! Isso é uma humilhação desnecessária!
Jargal permaneceu inexpressivo, seu olhar fixo além de Icarus:
— Se não há o que temer, não há por que hesitar.
As palavras atingiram Icarus como um golpe seco. Ele sentiu o estômago revirar, e o olhar de Krista, carregado de pena, só tornava tudo mais insuportável. Não havia escapatória.
Os acólitos aproximaram-se, a adaga brilhando sob a luz trêmula:
— Estenda sua mão esquerda.
Por um instante, Icarus permaneceu imóvel, seus olhos fixos na lâmina. Com relutância, ergueu a mão trêmula, a palma aberta. O corte foi rápido, mas a dor fez com que cerrasse os olhos. Sentiu o calor do sangue escorrendo antes que uma única gota fosse colhida e depositada no recipiente cristalino.
O silêncio que se seguiu era absoluto.
"É só um protocolo. Apenas um teste. Vai provar o que já sei: sou um Karlai. É impossível que minha mãe fosse humana... impossível. Meu pai nunca teria permitido isso. E ainda assim... Por que eles me olham assim?"
Ele observou a gota de sangue tocar o líquido prateado. Por um momento, nada aconteceu. O alívio começou a preenchê-lo, e ele quase suspirou.
Então, o líquido mudou.
Ondulações profundas espalharam-se, e cores emergiram em espirais hipnóticas: roxos escuros e dourados intensos misturavam-se como fumaça dançante. As cores pulsavam, crescendo em intensidade, até estabilizarem-se em um violeta profundo que vibrava com vida própria.
O violeta explodiu, como uma ferida aberta revelando algo terrível. O som do salão desapareceu, e tudo ao redor tornou-se distante. As figuras dos Konsules eram vultos indistintos, e as vozes pareciam abafadas. Icarus tentou falar, protestar, mas as palavras ficaram presas em sua garganta como espinhos.
Naquele instante, algo dentro dele quebrou.
Krista levou uma mão à boca, seus olhos cheios de pesar. Plastissax permaneceu imóvel, esfregando a ponta de sua bengala, esta que estava firmemente apoiada no chão. Seraphine, no entanto, inclinou-se para frente, um sorriso curvando seus lábios enquanto saboreava a cena:
— Interessante...
A palavra escapou dos lábios de Plastissax em um tom tão baixo que parecia destinado apenas a Icarus:
— Híbrido.
A palavra ressoou como um trovão na mente de Icarus. Ele recuou instintivamente, balançando a cabeça em negação:
— Não... Não pode ser. Isso é um erro!
Krista tentou intervir, sua voz gentil:
— Icarus, entenda—
Ele gritou, a dor e o desespero transbordando em sua voz, reverberando pelo salão como o grito de um animal ferido:
— Não! Isso está errado! Meu pai é um Messor! Minha linhagem é pura!
Os Konsules permaneceram imóveis, seus olhos observando com frieza. Jargal, com um movimento sutil, se inclinou levemente para frente. Sua voz, cortante e impessoal, trouxe consigo o peso de um veredicto final:
— O teste de essência não mente, Icarus Karlai.
O mundo ao redor de Icarus parecia desmoronar. A palavra "híbrido" ecoava em sua mente repetidamente, cada repetição um golpe mais pesado, como o bater incessante de um martelo. Ele levou a mão à cabeça, lutando para processar o impossível:
— Meu pai nunca mencionou isso... Isso não faz sentido...
Krista deu um passo à frente, sua voz suave, mas imbuída de uma compaixão que parecia se despedaçar ao tentar alcançar Icarus:
— Seu pai escondeu a verdade para protegê-lo. Mas segredos como esse não podem durar para sempre.
Seraphine soltou uma risada baixa, seu tom sarcástico e cortante, como vidro:
— Proteger? Parece que ele fez um trabalho patético.
Icarus virou-se bruscamente para ela, seus olhos verdes brilhando com desespero.
Plastissax, com uma calma imponente, deu um passo à frente. Sua presença dominou o salão de imediato. A bengala ressoou no chão com um som seco.
— Icarus, o fato de sua existência ter sido mantida em segredo por tanto tempo é uma prova da astúcia e do poder de Hécate. Mas a verdade tem um preço. Sempre tem.
O tom de Plastissax era forte, e suas palavras pareciam cortar qualquer resistência que Icarus ainda pudesse ter. As pernas de Icarus cederam, e ele caiu de joelhos no chão frio do tribunal, a dureza da pedra sendo um lembrete de sua vulnerabilidade.
O salão permaneceu imóvel. Os Konsules não fizeram menção de intervir; os guardas, imóveis como estátuas. Até mesmo Krista, sempre cheia de compaixão, parecia incapaz de agir.
Plastissax parou diante de Icarus, curvando-se ligeiramente. Seus olhos vermelhos, profundos, fixaram-se nele como um predador observando sua presa. Sem hesitação, o Segundo Messor ergueu a mão e desferiu um tapa seco no rosto de Icarus.
O som reverberou pelo salão, cortando o silêncio de maneira brutal. Não era apenas um golpe físico; era uma declaração, uma sentença sem palavras.
Icarus virou o rosto com o impacto, sentindo o calor e a ardência espalharem-se por sua pele. Ele levou a mão ao rosto, os dedos tremendo ao tocar a área dormente. A humilhação e a dor eram palpáveis, mas o peso maior vinha das palavras de Plastissax, que seguiram logo depois:
— Você pode ser um híbrido, mas ainda carrega o sangue Karlai. Levante-se. Um Karlai não se ajoelha diante de nada além da morte.
Aquelas palavras pegaram Icarus. Ele respirou fundo, tentando reunir os fragmentos quebrados de sua mente. Lentamente, ergueu-se, as pernas ainda trêmulas, mas firmes. Seus olhos verdes encontraram os de Plastissax, agora cheios de algo novo: um vazio frio, endurecido pelo peso da revelação.
Plastissax recuou um passo, analisando-o com cuidado. Por fim, inclinou levemente a cabeça, como se desse uma aprovação silenciosa.
— É assim que um Karlai deve se portar.
Jargal, que havia permanecido em silêncio até então, soltou um suspiro pesado, quebrando o clima tenso do momento. Ele olhou para os outros Konsules, com uma expressão séria.
— Não podemos ignorar o que o teste revelou. Icarus é um híbrido, mas também é filho de Hécate Karlai. Devemos decidir o que fazer.
Seraphine, impaciente, bateu os dedos na mesa.
— As leis são claras. Híbridos não podem existir entre nós. Devemos eliminá-lo antes que a notícia se espalhe.
Krista, no entanto, deu um passo à frente.
— Ele é apenas um garoto. Leal ao império. Além disso, eliminar o filho de Hécate pode provocar uma revolta entre aqueles que o apoiam.
Plastissax observou a cena por um instante antes de falar. Sua voz, tão fria quanto gelo, ressoou pelo salão:
— Talvez haja uma solução intermediária. Devemos mantê-lo sob custódia até que possamos avaliar melhor a situação. Isso nos dará tempo e evitará decisões precipitadas.
Jargal assentiu lentamente, como se ponderasse cada palavra de Plastissax antes de responder:
— Concordo. Icarus será mantido nas masmorras até que possamos chegar a uma decisão definitiva ou até que Hécate retorne.
As palavras mal haviam sido ditas quando dois guardas entraram no salão. Seus passos foram ficando cada vez mais altos. Sem hesitar, eles avançaram em direção a Icarus. O metal gelado das algemas mordeu sua pele enquanto os guardas as prendiam em seus pulsos, e o peso do ferro parecia arrastar consigo qualquer resquício de dignidade que ele ainda possuía.
O coração de Icarus disparou. Seus olhos percorreram o salão desesperadamente até encontrarem os de Krista. Havia algo em seu olhar que quase parecia piedade, mas era uma piedade impotente, incapaz de oferecer qualquer consolo.
Os guardas começaram a arrastá-lo para fora. O corredor que os esperava devorava a luz do tribunal. O ar ali era pesado, saturado pelo cheiro de mofo e medo. Cada tropeço era seguido por um puxão brusco ou um empurrão dos guardas, que o tratavam com brutalidade e descaso.
Descendo uma escada em espiral, o ambiente se tornava ainda mais sufocante. O frio era mais intenso, e o som rítmico de água gotejando ressoava nas paredes.
Um corredor mais amplo se abriu, iluminado por tochas vacilantes que projetavam sombras irregulares.
Do direito, uma das celas chamou a atenção de Icarus. Um único prisioneiro estava encostado na parede úmida, os cabelos desgrenhados cobrindo parte de seu rosto. No entanto, sua postura era estranhamente tranquila, como se estivesse em paz com sua prisão.
Quando ergueu a cabeça, seus olhos encontraram os de Icarus. Havia algo inquietante neles — uma mistura de reconhecimento e uma emoção indefinida que Icarus não conseguiu compreender antes de ser puxado abruptamente pelos guardas.
— Vamos, não temos o dia todo — grunhiu um dos guardas, apertando o braço de Icarus com mais força.
Finalmente, chegaram a uma cela isolada, escondida no final do corredor. As barras de ferro, cobertas de ferrugem e arranhadas por tentativas desesperadas de fuga, pareciam tão desoladas quanto o ambiente ao redor. Um dos guardas retirou um molho de chaves, e o som metálico preencheu o silêncio enquanto ele destrancava a porta com um ranger prolongado.
— Bem-vindo ao seu novo lar — disse o outro guarda, com um sorriso carregado de desprezo.
Antes que pudesse reagir, Icarus foi empurrado com força para dentro. Ele tropeçou, escorregando em algo viscoso, e caiu de joelhos. Suas palmas ralaram contra a pedra áspera, a dor irradiando pelos braços enquanto a frieza do chão parecia subir por seu corpo.
— Aproveite a estadia — acrescentou um dos guardas, cuspindo próximo a ele antes de trancar a cela com um estalo seco.
Icarus permaneceu no chão por vários minutos, incapaz de se mover. O peso da revelação sobre sua linhagem, a incerteza sobre o futuro e o medo pelo destino de seu pai o consumiam. Cada pensamento era como um espinho, perfurando-o sem piedade.
Finalmente, deixou-se escorregar até o chão, encostando-se na parede gelada. Abraçou os joelhos, como se pudesse encontrar algum resquício de conforto naquele gesto infantil.
O cansaço o venceu. Mesmo com as lágrimas ainda frescas em seu rosto, seus olhos se fecharam lentamente. O sono veio como um refúgio breve e imperfeito, uma pausa em meio à tormenta que era sua nova realidade.