Volume 1: O Caminhar

Capítulo 2: A Convocação

Assim que Smael avançou, o ar pareceu se solidificar. Icarus sentiu um peso esmagador sobre os ombros, como se uma mão invisível o empurrasse ao chão. Sua respiração tornou-se difícil, e um zumbido abafado preencheu seus ouvidos. Smael arregalou os olhos, reconhecendo imediatamente aquela presença inconfundível.  

No silêncio sufocante do cômodo, apenas o ruído de passos lentos se aproximando e a batida rítmica de uma bengala no chão ressoavam. Cada ruído ressoava como um sino, intensificando o ambiente tenso. Antes que Icarus conseguisse entender completamente, os Assassinos do Crepúsculo e seu irmão estavam ajoelhados, inclinados em direção aos passos.   

Icarus tentou se mover, mas seu corpo parecia preso ao chão, como se a presença daquele senhor drenasse o ar ao redor. Seus músculos só obedeceram o suficiente para que ele virasse ligeiramente a cabeça. A figura passou ao seu lado, e o tempo desacelerou à medida que ele atravessava seu campo de visão.  

Cada detalhe daquele homem ficou gravado em sua memória: o fulgor frio dos olhos escondidos atrás do capuz, o suave zumbido das insígnias metálicas, a maneira como o tecido do seu manto escuro deslizava com uma delicadeza extraordinária. O mundo circundante foi absorvido por um silêncio sufocante, e Icarus sentiu o coração bater mais lentamente; o tempo se curvava diante do Messor.   

Plastissax era um homem de estatura baixa, mas sua presença era imponente. Cabelos grisalhos, cuidadosamente penteados, emolduravam um rosto de traços marcantes, e seus olhos vermelhos penetrantes pareciam enxergar a alma de quem os encarava. Vestia um manto negro ornamentado com fios prateados e apoiava-se levemente em uma bengala esculpida em ébano, embora todos soubessem que não precisava dela.  

Ele passou por Smael, que estava ajoelhado, olhando para baixo, sem dizer uma palavra, dirigindo-se diretamente aos assassinos. A cada passo, a pressão no ambiente aumentava.  

— Quem é o capitão deste esquadrão? — perguntou, sua voz cortante ecoando na sala.  

Um dos assassinos levantou a cabeça, preparando-se para responder. No entanto, antes que pudesse emitir uma única palavra, sua cabeça foi separada do corpo por um golpe impiedoso. O movimento foi tão rápido que o corpo permaneceu ajoelhado por alguns instantes antes de tombar. Um jato de sangue irrompeu, manchando o chão e as vestes dos que estavam próximos. Os demais assassinos não se moveram, imóveis como estátuas. Icarus ficou perplexo; não havia visto absolutamente nada.  

A sala mergulhou em um silêncio sufocante. Cada toque da bengala contra o chão ecoava como um golpe seco, rasgando o silêncio como o estalar de um chicote.  

Plastissax voltou-se para Smael, um leve sorriso curvando seus lábios.  

— Smael, peço desculpas pela abordagem dos meus subordinados — disse, sua voz suave, quase amigável, mas com um olhar predador que não deixava dúvidas sobre sua ameaça. — Pedi que trouxessem seu irmão ao palácio de forma respeitosa.  

Smael, ainda sob a pressão invisível que Plastissax emanava, endireitou-se lentamente.  

— Não há do que se desculpar, Messor Plastissax, mas não me desculparei pelos meus atos. Qualquer um que levante a mão contra um Karlai deve morrer.  

Os olhos vermelhos de Plastissax brilharam com algo que Smael não conseguiu identificar — curiosidade, talvez, ou mero entretenimento. Ele inclinou levemente a cabeça, como se avaliasse o jovem vampiro à sua frente.  

— Seu pai o treinou bem... — Plastissax disse, seus olhos agora repousando sobre Icarus.  

O jovem vampiro sentiu um calafrio percorrer sua espinha.  

— Entretanto, Smael, receio que suas convicções não mudem as ordens que me foram dadas. Icarus deve comparecer ao Tribunal da Noite.  

Icarus sentiu o coração acelerar, a mente inundada de perguntas. "O Tribunal da Noite? Mas esse tribunal só é convocado para os maiores crimes contra a coroa. Por que me convocariam?"  

Darius cerrou ainda mais os punhos, tensão evidente em seu semblante.  

Smael olhou para o irmão com pesar, como se reconhecesse que não poderia fazer nada, mesmo que quisesse.  

— Senhor, permite-me ao menos escoltar meu irmão até lá? — pediu Smael, tentando manter a compostura apesar da angústia interna.  

Plastissax ficou em silêncio por um longo momento, os dedos traçando padrões invisíveis na superfície da bengala de ébano. O ar na sala parecia tornar-se ainda mais denso. Então, um sorriso fino se formou em seus lábios.  

— Muito bem, Smael — Plastissax inclinou a cabeça levemente, como se concedesse uma permissão rara. — Considero meu trabalho aqui concluído, por ora. Nos veremos no Tribunal.  

Ele deu um passo para trás, mas não desapareceu imediatamente. Em vez disso, seus olhos continuaram a fitar os dois irmãos, como se saboreasse o medo que pairava no ar. E então, com um último toque da bengala no chão, a figura de Plastissax começou a desvanecer, como neblina dissipando-se lentamente sob um vento frio. Os assassinos que o acompanhavam seguiram o mesmo destino, dissolvendo-se como sombras que se esvaem ao primeiro toque da luz.  

A pressão que sufocava o ambiente começou a se dissipar, mas o peso do que havia sido dito permaneceu.  

Darius aproximou-se silenciosamente, colocando a mão no ombro de Icarus e esboçando um leve sorriso reconfortante.  

— Está tudo bem, mestre. Se tivesse feito algo realmente grave, Plastissax não o deixaria sair vivo.  

— Você tem razão, Darius. Talvez haja uma chance de esclarecer tudo.  

"Talvez seja apenas um mal-entendido."  

Smael voltou-se para Darius, a expressão séria.  

— Darius, vá imediatamente e envie uma carta a nosso pai, explicando a situação.  

— Sim, Mestre Smael. — Ele inclinou-se levemente antes de sair em direção ao escritório.  

Assim que ficaram a sós, Smael aproximou-se de Icarus e, num gesto raro, envolveu-o em um abraço firme. Icarus sentiu a força e o calor de seu irmão, algo que não experimentava há muito tempo. Depois de alguns momentos, Smael recuou, mantendo as mãos nos ombros de seu irmão mais novo.  

— Icarus, ouça com atenção. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para trazê-lo de volta para casa. Fique tranquilo; seu irmão mais velho vai protegê-lo, custe o que custar.  

Os olhos de Icarus encontraram os de Smael, e ele pôde ver a sinceridade e preocupação neles.  

— Obrigado, Smael.  

— Vamos. Não devemos mantê-los esperando.  

A carruagem da família Karlai aguardava na entrada da mansão. Era luxuosa, feita de madeira escura com detalhes em prata que brilhavam à luz suave das tochas da noite. Nas laterais, o brasão da família — um dragão negro enroscado em uma rosa vermelha — destacava-se, imponente. O cocheiro, um ser de expressão séria, não disse uma palavra quando Smael e Icarus subiram no veículo.  

Enquanto a carruagem avançava pelas ruas sinuosas de Nocturna, Icarus observava a cidade através da janela. A arquitetura gótica predominava, com edifícios altos e esguios, adornados com vitrais coloridos.  

As lanternas, de luz suave e trêmula, derramavam um brilho pálido sobre as ruas, tingindo as sombras de azul e prata, como se a noite tivesse roubado a cor do mundo. Havia uma beleza ali, sim, mas também algo de sombrio, algo que o fazia se sentir pequeno, como se estivesse apenas de passagem em um lugar que sempre foi feito de sombras e sangue.  

Os habitantes — vampiros de diferentes tipos — movimentavam-se pelas calçadas, vestindo trajes elegantes. Carroças carregadas com mercadorias exóticas cruzavam os caminhos, e músicos de rua tocavam melodias melancólicas em esquinas movimentadas.  

— A cidade está mais agitada do que o normal — comentou Icarus, sua voz soando um pouco mais baixa do que ele pretendia. Estava claro que tentava se distrair da iminente ameaça, mas seu olhar fixo na janela o traía.  

Smael, sentado à sua frente, olhou para o exterior também, franzindo levemente a testa.  

— Muitos estão procurando refúgio para a capital, longe das fronteiras, longe da guerra... — Ele fez uma pausa, sua voz carregada de algo indefinido, talvez suspeita. — Além disso, tenho ouvido rumores de atividades além da Muralha Negra.  

— Atividades além da Muralha? Pensei que os Protetores mantinham tudo sob controle.  

— As coisas estão mudando. Há inquietação em todos os povos. Mas não se preocupe com isso agora.  

A carruagem atravessou a ponte sobre o rio Sombro, cujas águas escuras refletiam as luzes da cidade como um espelho quebrado. O palácio começou a surgir no horizonte, sua silhueta imponente contra o céu noturno.  

O Palácio Sombrio erguia-se como um monólito de outra era. Suas torres espirais não apenas alcançavam o céu, mas o desafiavam, como se tentassem arrancar os próprios segredos das estrelas. Passarelas delicadas entrelaçavam-se entre as torres como fios de seda, tão finas que parecia que o próprio vento as poderia desfazer, e ainda assim, eram inquebráveis.  

As paredes, feitas de obsidiana negra e polida, brilhavam como um espelho escuro. Não refletiam a luz das estrelas; em vez disso, pareciam roubar sua fraca luminosidade, envolvidas em uma aura fria e distante, como se o palácio guardasse a própria noite dentro de si.  

Ao descer da carruagem, Icarus sentiu o peso do lugar. Dois guardas em armaduras prateadas estavam posicionados diante de duas grandes portas de aço negro. No centro das duas portas, esculpido com precisão, estava o brasão do Império: um dragão negro de asas abertas, envolvido em uma lua cheia prateada.  

Ao verem Smael, os guardas ajoelharam-se respeitosamente.  

— Messor Smael, pedimos desculpas, mas temos ordens para permitir apenas a entrada de Icarus Karlai — disse um dos guardas, mantendo a cabeça baixa.  

Smael cerrou os dentes, claramente contrariado. Voltou-se para Icarus, colocando uma mão firme em seu ombro.  

— Não posso ir além daqui. Lembre-se do que disse. Seja forte e confie em mim.  

Icarus assentiu, tentando esconder o nervosismo que crescia dentro de si.  

As portas se abriram lentamente, revelando um corredor longo e pouco iluminado. Icarus respirou fundo e entrou, sentindo as portas se fecharem atrás de si com um som surdo.  

No interior, Icarus deparou-se com um homem de postura altiva. Seus cabelos negros, bem alinhados, emolduravam um rosto sério, e os olhos vermelhos brilhavam sob a luz das tochas. Ele vestia uma armadura prateada que reluzia com intrincados detalhes gravados e uma capa, que exibia o brasão do império.  

— Seja bem-vindo, Icarus Karlai. Sou Nortumbrius, capitão da guarda imperial. Vou guiá-lo até o tribunal.  

Ao seu lado, um homem de cabelos castanhos e olhos vermelhos, em uma armadura de couro escuro, inclinou a cabeça.  

— Saudações, Icarus. Sou Rash, tenente de Nortumbrius.  

— Agradeço por me acompanharem.  

Percorrendo os corredores estreitos, o silêncio das paredes de pedra parecia esmagar qualquer som, como se o palácio quisesse devorar o intruso. 

Ao pararem diante de uma grande porta de madeira escura, Nortumbrius se voltou lentamente para Icarus, os olhos duros como pedra.  

— Escute. — Sua voz era baixa, gelada. — Tente qualquer coisa... e não sobrará nada de você para enterrar. — Entendeu?  

O silêncio entre os dois era denso, e as palavras cruas de Nortumbrius pareciam cortar o ar como uma lâmina.  

— Entendi sim, senhor.  

Virando de costas bruscamente, Nortumbrius caminhou até as portas, deixando o frio de suas palavras ecoar nos pensamentos de Icarus.  

Assim que Nortumbrius se afastou, Rash, em silêncio, colocou a mão no ombro de Icarus. O toque foi firme, mas reconfortante, em total contraste com a brutalidade que acabara de presenciar.  

— Fique calmo. — A voz de Rash era surpreendentemente amigável, quase fora de lugar, o que só aumentava a confusão de Icarus.   

Sem mais explicações, Nortumbrius empurrou as portas pesadas, que se abriram com um rangido profundo, uma corrente de ar frio passando por eles.  

Icarus entrou, hesitante. O salão à frente era vasto, mergulhado em sombras, com chamas dançando nas paredes e figuras ocultas nos assentos elevados. A porta se fechou com um estrondo.  

De repente, uma voz poderosa reverberou das sombras:  

— Que comece o julgamento. 

 



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