Volume 1: O Caminhar
Capítulo 12: Sob o Véu da Noite
A ponta da flecha estava a um fio de distância do rosto de Liam, tremendo sob a luz das tochas. Gabi mantinha o arco tenso, os olhos negros fixos nele como se pudesse cravar sua alma no chão. Seus cachos escuros emolduravam um rosto severo, cada cicatriz fina nas suas maçãs do rosto contando histórias de batalhas que ela nunca mencionava. Uma marca de queimadura subia pelo seu pescoço, desaparecendo sob a gola alta — lembrança do último encontro com os Cães de Plastissax.
— Até que enfim resolveram aparecer — disse ela, o tom afiado como uma lâmina. Mesmo baixando o arco, seus músculos continuaram rígidos, como cordas prontas para estalar. — Subam logo. Os Cães estão por toda parte esta noite.
Liam foi o primeiro a subir, o olhar de desafio jamais deixando Gabi. Havia uma história entre eles, algo além da mera rivalidade — um rancor antigo que Icarus podia sentir, denso como névoa venenosa. Lucan seguiu, lançando um olhar significativo para a arqueira, algo entre gratidão e cautela. Por fim, Icarus subiu, sentindo o olhar perfurante de Gabi na nuca, avaliando cada movimento seu como um predador avaliaria uma presa desconhecida.
Quando todos chegaram ao topo, o espaço que os recebia era um salão amplo e sombrio. O cheiro de pedra antiga e incenso há muito queimado impregnava o ar. Estátuas decapitadas se alinhavam contra as paredes, testemunhas silenciosas de alguma purga antiga. Um friso desbotado acima das colunas retratava cenas de caçada — vampiros perseguindo o que pareciam ser humanos. A imagem fez o estômago de Icarus revirar, especialmente ao notar a semelhança entre os humanos retratados e os três que o acompanhavam.
Gabi moveu-se com agilidade estudada, rodeando o grupo até ficar posicionada entre eles e a única saída visível, os dedos nunca afastados demais da aljava em suas costas.
— E esse moleque? — Ela inclinou o queixo na direção de Icarus, sem disfarçar o ceticismo. Seus olhos o dissecavam, procurando por fraquezas, e algo mais — reconhecimento. — Tem um ar familiar.
Liam deu de ombros, um sorriso irônico brincando nos lábios.
— Por que não pergunta ao nosso querido "capitão"? — provocou, lançando um olhar para Lucan. — Parece que ele tem uma queda por causas perdidas ultimamente.
Lucan suspirou como se estivesse cansado de repetir a mesma história, mas havia algo calculado em seu cansaço, como se cada gesto fosse medido para um efeito específico.
— Vai, garoto. Se apresente.
Icarus deu um passo hesitante à frente, o rosto ainda latejando do soco que levara de Liam horas antes. Gabi o observava com a cautela de quem já enfrentou vampiros poderosos e sobreviveu para contar a história.
— Eu... sou Icarus — disse, forçando-se a manter a voz firme, mesmo sentindo o peso do olhar dela. A meia verdade pairou no ar como veneno.
— Icarus quem? — pressionou Gabi, a voz fria como uma lâmina. Ela descruzou os braços, a mão direita deslizando casualmente para o punhal em sua cintura. — Não tenho paciência para jogos nesta noite.
Icarus engoliu em seco. Contra a pouca luz, a expressão de Gabi era dura como pedra, seus olhos escuros refletindo uma desconfiança cultivada ao longo de anos enfrentando a aristocracia vampírica.
— Icarus Karlai.
Por um breve momento, os olhos de Gabi se arregalaram antes de se estreitarem em pura incredulidade. Uma tensão elétrica percorreu seu corpo, como um predador prestes a atacar. Ela virou-se para Lucan, parecendo quase divertida, mas havia uma fúria primitiva sob aquele divertimento.
— Filho do Messor Hécate? É sério? Esse é o maldito que você trouxe com você? — Sua risada seca ecoou pelo salão, cortante como vidro quebrado. — Não sei se você é louco ou só burro, Lucan. Esse garoto é uma sentença de morte ambulante.
Ela circundou Icarus como uma ave de rapina, avaliando-o sob nova luz. Havia algo em seu olhar que falava de um conhecimento íntimo e doloroso dos Karlai - o tipo de conhecimento que só poderia vir de conflitos sangrentos.
— Foi ele quem matou meu irmão em Sombriath? — perguntou ela, a voz surpreendentemente calma, quase casual, direcionada a Lucan, mas seus olhos não deixaram o rosto de Icarus. — Os Karlai têm um histórico de sangue humano derramado na minha família.
Icarus sentiu a garganta secar.
"Do que ela está falando?"
Lucan deu um passo à frente, colocando-se sutilmente entre Gabi e Icarus.
— Não foi ele, Gabi. Foi Smael. E você sabe disso. — A voz de Lucan carregava um aviso velado. — Esse garoto nem sabia o que era até poucos dias atrás.
Gabi parou, a expressão impenetrável, antes de dar de ombros com estudada indiferença.
— Ele é útil. Salvou minha pele. E, até onde sei, ainda estamos respirando, não? — Lucan continuou, o tom leve mal disfarçando o peso de suas palavras.
Gabi passou as mãos pelo rosto como se estivesse tentando limpar uma mancha invisível, as cicatrizes em seus dedos brilhando brevemente sob a luz fraca — marcas de tortura, Icarus percebeu com um calafrio. Ferimentos provavelmente infligidos por vampiros como seu pai.
— Ótimo. Mais um peso morto pra carregar. — Ela hesitou, então acrescentou, quase para si mesma: — Como se não bastasse Lyria ter desaparecido.
Ela se virou, pegou algo que estava encostado em uma mesa no canto — uma espada longa, envolta em tiras de couro gastas pelo tempo e uso. O cabo era ornamentado, mas não com os típicos emblemas imperiais. Era algo mais antigo, mais primitivo. Com um movimento brusco, jogou a espada para Lucan, que a pegou no ar.
— Toma. — Gabi deu um passo à frente, os olhos faiscando de irritação. — Essa é a última vez que eu carrego essa maldita espada por aí. Parece amaldiçoada. Três Cães me encontraram em Narathia ontem. Senti que estavam farejando essa coisa, não a mim.
Icarus notou a espada na mão de Lucan. Era uma lâmina longa, com um símbolo entalhado no cabo: a cabeça de um gavião, intricadamente esculpida, os olhos incrustados com pedras vermelhas que pareciam observá-lo. Por um instante fugaz, ele teve a impressão de que as pedras pulsaram, como um coração batendo.
Lucan a segurou por um instante, admirando a lâmina com reverência velada, como quem reencontra um velho amigo perigoso. Uma cicatriz fina em seu pulso brilhou breve e intensamente ao toque da arma — uma reação que ele rapidamente escondeu puxando a manga para baixo.
— Você é a melhor, Gabi. Sempre foi. — Ele fez uma pausa, o rosto subitamente ficando sério, os olhos perscrutando o semblante dela. — Mas temos um problema. Aqueles assassinos... chegaram rápido demais ao nosso acampamento no túnel.
O ambiente esfriou. Gabi estreitou os olhos, a postura mudando imperceptivelmente para uma de alerta máximo, como um animal que fareja o perigo.
— Como assim? — Ela cruzou os braços, o corpo tenso como um arco pronto para disparar.
— Eles nos acharam depressa demais. — Lucan passou a espada pelo cinto, seus dedos acariciando brevemente as pedras vermelhas no cabo. O gesto não passou despercebido por Gabi, cujos olhos se estreitaram ainda mais. — Isso significa que eles podem ter pego Lyria... — ele a encarou, buscando qualquer reação — ou temos um traidor na Ordem. Alguém que vazou o mapa.
Por um momento, ninguém respirou. Icarus sentiu o coração martelar em seu peito, enquanto os olhos de Gabi escureceram com uma fúria apenas humana, mas não menos perigosa por isso.
— Está me acusando, Lucan? — A voz dela era um sussurro ameaçador, cada sílaba carregada com a promessa velada de violência.
— Estou apenas apontando o óbvio. — Lucan ergueu as mãos, um gesto de falsa rendição que não alcançou seus olhos vigilantes. — Se eles têm o mapa, e você estava carregando uma cópia... bom, alguém está ferrando com a gente.
Liam, que até então observava o confronto com um sorriso divertido, como um carniceiro assistindo a dois predadores se dilacerando, deu um passo à frente. Sua cicatriz parecia mais pronunciada sob a luz irregular, tornando sua expressão assimétrica e perturbadora.
— Ou talvez um de vocês dois tenha sido... persuadidos a falar. — Ele lançou um olhar cheio de desdém para ambos, a mão acariciando distraidamente uma cicatriz no pescoço. — Messor Plastissax não é conhecido por sua paciência, mas ele sabe ser... persuasivo. Alguns dizem que ele pode desmontar sua mente, peça por peça, até você não saber mais onde a verdade termina e a mentira começa.
Algo sombrio cruzou o olhar de Liam, um eco de dor antiga que ele rapidamente suprimiu.
Gabi fechou a distância entre ela e Liam em um piscar de olhos, o rosto a centímetros do dele. Icarus pôde ver a pulsação acelerada na têmpora dela, o único sinal externo da raiva controlada.
— Se quer me acusar, faça isso olhando nos meus olhos, Liam. Porque eu juro por tudo o que restou da minha honra que nunca trairia nossa Ordem. — Sua voz tremeu levemente, não de medo, mas de fúria contida. — Lyria é mais importante para mim do que você jamais poderia entender. Eu morreria antes de fazer qualquer coisa que a colocasse em perigo.
Havia um peso naquelas palavras que fez Icarus se perguntar qual era a verdadeira relação entre Gabi e a irmã de Lucan.
Ela então virou-se para Lucan, jogando um último olhar gélido.
— E você, Lucan, da próxima vez que insinuar que eu poderia trair você... espero que esteja pronto para terminar essa conversa com sangue. Não seria a primeira vez.
Lucan apenas deu de ombros, um meio sorriso em seus lábios, mas sua mão pousou casualmente sobre o cabo da espada recém-adquirida.
— Certo, certo...
Um silêncio pesado caiu sobre o grupo, cortado apenas pelo som distante de água pingando em algum lugar nas sombras. Icarus observou os três, cada um carregando segredos como armas prontas para serem desembainhadas no momento certo. Ele nunca se sentira tão deslocado e vulnerável.
O grupo avançou por um corredor estreito e abafado, o ar carregado com o cheiro de mofo e pedra antiga. O som de seus passos ecoava pelas paredes úmidas, como se o próprio templo estivesse respirando ao redor deles. Lucan liderava, a espada agora visível em seu cinto, as pedras vermelhas ocasionalmente emitindo um brilho fugaz, quase imperceptível. Liam seguia logo atrás, os olhos constantemente vasculhando as sombras, os ombros tensos como os de um guerreiro esperando uma emboscada a qualquer momento. Gabi ficara para trás com Icarus, sua presença ao mesmo tempo protetora e ameaçadora.
— Você realmente não sabe nada, não é? — murmurou ela, baixo o suficiente para que apenas Icarus ouvisse.
— Sobre o quê? — perguntou ele, sentindo-se como uma criança perdida em um jogo de adultos.
Gabi estudou seu rosto por um longo momento antes de responder.
— Sobre seu pai. Sobre o que ele realmente era. — Um brilho de algo próximo à pena cruzou brevemente seu olhar. — Ele não era apenas um Messor, garoto. Ele era muito mais. E muito pior para aqueles como nós.
Antes que Icarus pudesse perguntar mais, eles chegaram a um santuário em ruínas. O espaço se abriu de repente, revelando um teto abobadado adornado com uma pintura desbotada de um céu estrelado. As estrelas, outrora brilhantes, agora eram apenas manchas pálidas em meio às rachaduras que corriam como teias pelo gesso. Um grande símbolo circular dominava o centro da abóbada – um olho atravessado por uma espada.
Gabi fez uma pausa, as mãos ainda firmes em seu arco, os olhos atentos a qualquer movimento nas sombras. Lucan observava os arredores com uma expressão séria, enquanto Liam se mantinha um passo à frente, sempre pronto para sacar sua lâmina.
Icarus caminhava mais devagar, absorvendo a atmosfera opressiva do lugar. Ele passou por bancos de pedra quebrados, sentindo a umidade gelada subir pelas solas de suas botas. No centro do salão, um palanque de pedra desgastada abrigava três estátuas imponentes — figuras encapuzadas que lembravam aquelas vistas no Tribunal da Noite. Atrás delas, um grande brasão da família imperial estava pendurado em um pano esfarrapado, suas cores há muito desbotadas. Abaixo do brasão, quase imperceptível no tecido puído, estava uma inscrição em tinta vermelha que parecia ter sido adicionada depois: "Os deuses morrem quando não há mais ninguém para temê-los."
Ele parou por um momento, os olhos fixos nos vitrais quebrados que deixavam entrar apenas uma luz fraca e trêmula. Cenas de caça estavam representadas no vidro colorido – humanos sendo perseguidos por criaturas encapuzadas cujos olhos brilhavam em rubi.
— Onde estamos? — perguntou Icarus, sua voz quase um sussurro, como se temesse despertar os espíritos adormecidos daquele lugar.
Lucan continuou caminhando em direção ao centro, os olhos varrendo os detalhes do templo como se estivesse procurando algo que só ele podia ver. Sua mão repousava no cabo da espada, e Icarus notou que as pedras vermelhas pulsavam mais intensamente agora, em sincronia com os batimentos do coração de Lucan.
— Este é o Templo das Sombras — disse Lucan, parando ao lado do palanque. Havia uma familiaridade em seus movimentos, como se ele já tivesse estado ali muitas vezes antes. — Antigamente, o caminho que usamos é um caminho secreto que liga o Palácio Imperial até aqui. Era uma rota de fuga... nos tempos em que os Imperadores ainda temiam pela própria vida. Agora, é apenas um túmulo esquecido de uma fé esquecida.
Lucan passou a mão pela borda do palanque, seus dedos traçando símbolos invisíveis na pedra.
— Antes do Império, antes mesmo dos Messores, os vampiros eram apenas sobreviventes de uma maldição que não compreendiam. Este lugar... — ele fez um gesto abrangente para o salão — ...foi construído não para adoração, mas para contenção. Os primeiros vampiros acreditavam que poderiam reverter o que haviam se tornado.
Icarus ainda estava absorvendo o peso da história. Ele passou os dedos por uma parede coberta de musgo, sentindo a textura áspera sob a pele.
— Ouvi histórias sobre lugares assim... — Ele olhou para Lucan, hesitante. — Meu pai me contou sobre os antigos templos onde nossos ancestrais adoravam o Deus da Noite. Diziam que ele roubou o sol de Noctus para fortalecer os vampiros.
Lucan soltou uma risada baixa e cínica, o som ecoando como um grito abafado nas pedras.
— A versão bonitinha para as crianças dormirem à noite — ele murmurou, os lábios torcendo-se em um sorriso amargo. — Na realidade, a noite eterna não foi um presente divino, mas uma maldição. Uma punição pelo orgulho. Seus ancestrais, Icarus, não eram deuses encarnados como gostam de pensar. Eram apenas humanos que cometeram erros terríveis. Humanos como nós.
Lucan deu um passo em direção a Icarus, algo em seus olhos que parecia quase... pessoal.
— É por isso que seu sangue é tão importante. É por isso que o Império teme tanto aqueles como você. Híbridos são um lembrete do que realmente somos. Do que todos os vampiros começaram como.
Icarus sentiu um arrepio percorrer sua espinha. As implicações eram vertiginosas demais para assimilar. Se o que Lucan dizia era verdade...
Gabi, que estivera examinando os vitrais, de repente ficou imóvel, como um animal que fareja o perigo. Sua postura mudou imperceptivelmente, os músculos tensionando sob a roupa de couro.
— Lucan — ela chamou, a voz mais baixa que um sussurro.
Icarus estava prestes a fazer outra pergunta, mas algo chamou sua atenção. Um movimento rápido, à beira de sua visão periférica. O tempo desacelerou. Um corvo atravessou o salão, suas asas negras cortando o ar como lâminas. Os olhos da ave, frios e predatórios, fixaram-se nele por um instante que pareceu uma eternidade. Mas não eram simplesmente olhos de um corvo — havia uma inteligência neles, um propósito. O coração de Icarus pulou no peito, um pânico primal tomando conta de seu ser.
— Corram! — gritou Icarus, sua voz rasgando o silêncio como um trovão.
Gabi e Liam giraram instintivamente, os corpos rígidos, prontos para reagir. Das sombras ao redor do templo, três figuras encapuzadas emergiram, deslizando pelo chão de pedra como serpentes à espreita. As lâminas em suas mãos brilharam à fraca luz que atravessava os vitrais quebrados, prometendo mortes rápidas e silenciosas.
Os encapuzados avançavam como espectros, seus corpos envoltos pela escuridão, tornando-os quase indistinguíveis das sombras ao redor. Seus olhos vermelhos brilhavam na escuridão, vazios de toda emoção exceto fome. Icarus sentiu o ar ao seu redor rarear, como se o próprio templo sugasse cada fôlego de seus pulmões. Uma das figuras girou uma corrente com lâminas nas extremidades, o ruído cortando o ar com um silvo sinistro.
— Afastem-se! — gritou Lucan, sua voz fria e imperturbável. Ele sacou a espada em um movimento fluido, a lâmina cortando o ar com precisão mortal. — Plastissax se cansou de brincar... ele mandou sua elite.
Ao pronunciar aquele nome, o próprio ambiente pareceu reagir, o ar ficando mais denso, mais frio. Gabi murmurou uma maldição, sacando duas adagas de suas costas, os olhos fixos na figura mais próxima.
Do fundo do templo, uma terceira figura avançou. Cada passo ressoa como o martelar de ferro quente sobre uma bigorna, reverberando com peso e intenção brutal. Sob a luz instável das tochas, ele emerge: ombros largos demais, como se desafiassem o espaço ao seu redor, e um rosto marcado por cicatrizes que cruzam a pele como rachaduras em pedra antiga. Uma máscara metálica cobre metade de sua face, entalhada com símbolos arcaicos que parecem pulsar com vida própria.
Seus olhos âmbar ardem com sede de sangue, olhos de vampiro — selvagens e irredutíveis. O ar ao redor se torna denso, como se o próprio ambiente reconhecesse sua presença: não como alguém em carne e osso, mas como uma força elemental, um avatar da destruição.
— Sempre tão rápido, Lucan... — disse o vampiro, sua voz rangendo como pedras se esmagando, cada palavra carregada com décadas de ódio refinado. — Não mudou nada, ainda com aquele faro apurado. E ainda se escondendo atrás dos outros. Um humano brincando com forças além da sua compreensão.
Lucan manteve os olhos fixos no inimigo, o corpo relaxado, como se estivesse prestes a dançar com um parceiro há muito esperado. Com um movimento calmo, quase reverente, ele ajustou o aperto na espada, as pedras vermelhas no cabo agora pulsando visivelmente, um ritmo que não correspondia a nenhum batimento cardíaco humano.
— Narrus — disse Lucan, o nome soando como uma maldição antiga. — Pensei que Plastissax teria encontrado algum uso melhor para você após nosso último encontro. Ou aquela cicatriz no seu pescoço ainda dói quando você engole?
Houve um instante de silêncio antes de Lucan assumir uma postura que Icarus nunca havia visto — nem mesmo nos treinamentos dos Messores no palácio. Era uma stance antiga, quase ritualística. Ele não apenas segurava a espada — ele se tornava uma extensão dela. Sem aviso, ele desenhou um arco no ar, um traço tão preciso e fluido que parecia parte de uma coreografia esquecida. Icarus ficou hipnotizado por um momento; era como assistir a um maestro antes de uma grande sinfonia.
E então ele olhou para o rosto de Lucan. Todo aquele cinismo habitual, a leveza nos olhos, tinham desaparecido. O que restava era um semblante rígido, o rosto de um homem que conhecia a morte como um velho amigo, mas que ainda assim estava disposto a desafiá-la mais uma vez. E havia algo mais — uma fúria contida que parecia alimentar cada movimento.
— Icarus, hora de aprender — Lucan brincou, sem desviar os olhos do oponente, mas havia uma seriedade subjacente em suas palavras que Icarus não podia ignorar. — Gabi, Liam, cuidem dos outros dois. Eu seguro esse desgraçado.
Narrus sorriu, os lábios se retorcendo em volta das cicatrizes, revelando presas pontiagudas que reluziam na penumbra. Com um gesto rápido, ele rasgou parte de sua túnica, revelando um peito marcado por cicatrizes profundas e entrecruzadas — cada uma delas com o mesmo padrão do símbolo no teto: o olho atravessado pela espada. Seus olhos âmbar brilharam com ferocidade, a respiração pesada, como um animal acuado e pronto para atacar.
Icarus sentiu um arrepio percorrer sua espinha. A presença do assassino vampiro era sufocante. Era um guerreiro feito de ossos, músculos e instinto, alguém que conhecia o sangue e a morte de perto. Alguém que havia mergulhado no abismo e retornado com pedaços do inferno presos em sua alma.
— Lucan, sua hora chegou.
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