Volume 1
Capítulo 13: O Peso das Marcas
O templo parecia respirar. Cada chama tremulante projetava sombras que dançavam sobre colunas quebradas, como se o próprio edifício insistisse em participar da luta. Vitrais partidos filtravam a luz das tochas em faixas avermelhadas que riscavam o chão, como feridas abertas nas pedras. O cheiro de sangue fresco misturava‑se ao mofo antigo; ferrugem na língua, medo nos pulmões.
Lucan ergueu a espada de rubis, as gemas pulsando em vermelho vivo — um coração de guerra batendo entre seus dedos. — Certo, turma… — o sorriso dele era uma lâmina — estamos oficialmente encrencados.
Liam avançou meio passo, espada curta erguida, tentando esconder o tremor nas mãos. — Eles não metem tanto medo assim—
O estalo de dedos de Narrus cortou a frase. O vampiro sumiu num borrão e reapareceu diante de Liam. Um aperto na gola, um giro impossível, e o rapaz voou contra a porta principal. Houve um booom abafado: a madeira ancestral explodiu em lascas, uma rajada de vento frio invadiu o templo, levando pó e pétalas chamuscadas das velas. Liam desapareceu na noite além do arco, arrastando um rastro de madeira estilhaçada e sangue.
Por um meio batimento tudo ficou imóvel. O tilintar solitário de uma dobradiça retorcida ecoou no salão — cling… cling… — antes que Gabi encontrasse a voz.
— Liam! — o grito dela vibrou nas abóbadas, devolvido em ecos sofridos.
Lucan nem se virou. — Olho vivo, Gabi!
Tarde demais. O segundo vampiro — magro, o rosto cruzado por cicatrizes cerimoniais feitas à lâmina — avançou dois passos, cravou o joelho no abdômen da arqueira e, num movimento contínuo, acertou‑lhe um chute no peito. Houve o estalo nitidamente orgânico de costelas partindo; Gabi rolou entre estandartes imperiais rasgados, tossindo sangue em arabescos escuros sobre o mármore.
Icarus congelou. De novo espectador, de novo inútil. O híbrido sentiu o sangue ferver, uma raiva mais quente que o medo. O coração dele disparava tão alto que abafava até o rugido das chamas.
O terceiro atacante, máscara de meia‑face, aproximou‑se, passos felinos. — Carregar o nome Karlai deveria ser honra — a voz ecoou metálica sob a máscara. — Você o transformou em vergonha.
As palavras não o feriram; acenderam‑no. Icarus deu um passo à frente. O mármore rachou sob a sola, um estalo fino que repercutiu como trovão nos ouvidos dele. — Acha que escolhi isto? — a voz saíra grave, estranha até para ele. — Eu escolheria um lar, não uma masmorra. Mas já que sou sentença… vou cumpri‑la em pé.
O mascarado recuou meio passo, surpresa evidente no olhar felino atrás da meia máscara.
Lucan manteve o foco em Narrus e sorriu. — Isso, garoto… Mostre as presas.
Narrus voltou num arco veloz, calcanhar buscando o queixo de Lucan. O humano girou o punho, cruzando a espada em guarda invertida; as runas sugaram o impacto, cuspindo faíscas azuis que riscaram o ar. A força do golpe, contudo, deslocou o ombro direito de Lucan com um estalo seco. Uma dor branca estourou atrás dos olhos dele. — Preciso treinar esse bloqueio… — sibilou, prendendo o grito entre os dentes.
Ele respirou fundo — o ar cheirava a pedra queimada —, girou o quadril e soltou um chute no plexo do vampiro. Narrus voou três metros, atravessando uma fileira de bancos carcomidos e colidindo com uma coluna que ruiu em poeira antiga.
O vampiro ergueu‑se sorrindo, o lábio rasgado. — A Ordem escolheu bem seu campeão.
— Nome, por favor — respondeu Lucan, arquejando. — Vocês assassinos são todos iguais.
— Seraphine manda lembranças — rosnou Narrus, cuspindo sangue negro. — E quer a dívida de sangue paga.
A menção ao nome gelou o olhar de Lucan. A mão ferida apertou o cabo; as runas viraram rubis vivos, tremulando como brasas.
Icarus notou, pela primeira vez, uma cicatriz em forma de rosa no pulso de Lucan — espinhos pareciam afundar‑lhe a carne. O nome Seraphine feria mais que lâminas, e a cicatriz pulsou em resposta, derramando uma gota vermelha.
Do outro lado, Gabi tentava erguer‑se, punhal na mão trêmula. O vampiro mascarado avançou. — Nem mais um passo — ela avisou, cuspindo sangue, um brilho obstinado no olhar.
Icarus moveu‑se. O mundo abrandou; cada batida do coração virou um estrondo. Ele cruzou o salão num instante, posicionando‑se entre Gabi e o inimigo. — Ela não luta sozinha.
O mascarado arqueou as sobrancelhas. — O híbrido tem coragem.
Ele ergueu a lâmina, mas um zíper cortou o ar. Uma flecha cravou‑se no braço do vampiro. Liam surgiu na entrada destruída, arco na mão esquerda, a direita pendendo num ângulo grotesco. — A próxima vai no coração — rosnou, sangue escorrendo da testa.
Gabi soltou um riso rouco que virou tosse. — Bem‑vindo de volta.
Icarus sentiu o peito expandir. Não mais espectador.
Lucan passou a mão esquerda sobre a lâmina, misturando seu sangue às runas. — Veritas — murmurou.
Narrus avançou num borrão, o braço estendido como uma lança viva, mirando o pescoço de Lucan. O espadachim mal teve tempo de reagir. Girou o tronco com dificuldade, o ombro deslocado rangendo em protesto. A garra do vampiro roçou sua bochecha, abrindo um talho profundo — a dor era fogo líquido se espalhando pela carne.
Com um rugido, Lucan usou o próprio impulso do desvio para completar um giro. A mão direita soltou a empunhadura da Veritas e, num movimento seco, puxou a adaga presa à parte interna de sua armadura. Ele a empunhou em arco descendente e cravou com precisão brutal no pescoço do Narrus.
O vampiro soltou um grito animalesco. Sangue negro jorrou em arco, tingindo o chão e a túnica de Lucan. Narrus caiu de joelhos com um baque pesado.
— Isto… não termina… aqui. Seraphine… virá…
Lucan respirou pesado. — Eu sei. — Cambaleou, o braço direito tremendo, a articulação fora de lugar.
Gabi, respirando com dificuldade, e Liam, que mantinha o arco apesar da dor evidente, avançaram juntos sobre o mascarado. Flecha e punhal rasgaram o ar; o vampiro recuou, ferido, depois dissolveu‑se na sombra, deixando apenas uma poça escura e o odor acre de carne queimada.
O silêncio que se seguiu era qualquer coisa menos paz. Era um silêncio vivo, arfante, carregado do cheiro da sobrevivência. As chamas tremulavam mais baixas, como se cansadas de iluminar tanta brutalidade.
Lucan mordeu o lábio, encaixou o ombro deslocado com um estalo abafado e apoiou a espada no chão; as runas rubras foram lentamente apagando‑se. — Não foi mau para teu primeiro combate real, Icarus. Mas da próxima vez, bate também.
O híbrido sorriu — não um sorriso inteiro, mas o começo de um. — Da próxima vez, não fico parado. Prometo.
Lucan ergueu uma sobrancelha. — Então vai precisar de arma decente e treino a sério. Conversaremos.
Gabi escorregou até uma coluna, a mão trêmula pressionando as costelas quebradas. Cada respiração dela soava como vidro arranhado. Liam guardou a flecha restante e, finalmente, deixou o arco cair; apoiou‑se na parede, o ombro esquerdo batendo ritmado, mas vivo.
Icarus aproximou‑se de Gabi, ajoelhando‑se. — Aguenta — murmurou. — Vamos tirar você daqui.
Ela tentou rir, mas apenas tossiu. — Se eu morrer, mando minha parte da dívida pra você, híbrido.
— Não vou te dar esse trabalho — respondeu ele, segurando‑lhe a mão.
Um estalo distante lembrou‑os de que o templo não estava salvo; o teto gemeu, e faixas de poeira caíram em cascata. O terceiro vampiro podia voltar, e reforços de Narrus talvez já estivessem a caminho.
— Temos minutos, não horas — alertou Lucan, olhando a escuridão. — Peguem tudo que conseguirem carregar. O subterrâneo ao norte ainda deve estar livre.
Liam fez um gesto para Icarus. — Ei, garoto… — Apontou o arco com o queixo. — Sem você, ela estaria morta.
Icarus sentiu as bochechas aquecerem — não de vergonha, mas de algo parecido com orgulho. — Foi instinto.
— Instinto salva vidas — devolveu Liam.
Enquanto Gabi enfaixava o próprio tórax com um pedaço de estandarte rasgado, Lucan deu dois passos até a coluna quebrada onde Narrus jazia. O vampiro ainda se contorcia, o sussurro da morte nos lábios. Lucan ergueu a espada, mas hesitou. Os olhos de Narrus encontraram‑no, cheios de medo genuíno — raridade em vampiros.
— Ela… vai… caçar… — repetiu, a voz um sopro.
— Que venha — respondeu Lucan num tom quase gentil, e cravou a lâmina no coração do inimigo. O corpo tremeu, depois ficou imóvel; o cheiro de ferro queimado espalhou‑se.
Ele puxou Veritas, limpou‑a na túnica do morto e afastou‑se.
O grupo reuniu‑se sob a rosácea quebrada. Lá fora, a noite de Noctus permanecia eterna, mas ali dentro, pela primeira vez, as sombras pareciam menos ousadas, retraindo‑se para os cantos como animais acuados.
— Rota de fuga? — quis saber Gabi, voz rouca.
— Túneis rumo ao norte — disse Lucan. — Passamos por criptas, depois chegamos aos antigos corredores de serviço. Se não tiverem desmoronado, levam direto à fenda do penhasco.
Liam assobiou baixinho. — A fenda… oitenta metros de queda.
— E nenhuma patrulha ousa chegar perto — completou Lucan. — Prefiro a queda ao cadafalso.
Ele voltou‑se para Icarus. — Ainda quer fugir comigo, Karlai? O pior começa agora.
Icarus inspirou devagar. O ar já não cheirava só a ferrugem; havia algo novo, quase doce — talvez esperança.
— Não estou fugindo — corrigiu. — Estou indo adiante.
Um sorriso cansado apareceu no rosto de Lucan. — Boa resposta. Vamos.
Recolheram tochas, rasgaram cortinas para improvisar talas no braço de Liam, e se encaminharam para a escadaria lateral. Cada passo rangia, mas nenhum deles olhou para trás.
O caminho à frente continuava perigoso — talvez impossível —, mas Icarus já não corria apenas para longe do Império.
Ele começava a correr em direção a algo.
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