Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 9: Fôlego em Meio ao Caos (Parte 2)

Após um longo dia tentando trazer organização e um pouco de senso de normalidade para os moradores de Port Strong, Himiko convocou uma reunião para debater com os emissários sobre o que se seguiria. 

Naquele final de tarde Himiko, Margery, Blecor, Lia, Luther e Jasmim se reuniram na sala da que havia se tornado a mansão da família Kami, aquele era o primeiro momento desde o incidente em que eles estavam reunidos e por conta disso o desconforto era notável, apesar disso Himiko não demonstrava problemas em falar ao contrário dos demais, por conta disso foi quem deu início a conversa dizendo:

— Quero começar explicando o motivo da ausência da nova comandante de polícia. Como medida emergencial, nós duas concordamos em mandar os policiais que não tinham ferimentos graves ficarem de vigia na fronteira da cidade junto de alguns voluntários. Então ela não pode estar aqui, pois está organizando tudo.

— Reparamos a movimentação dos policiais, foi uma atitude prudente da senhora. Um ataque dos caçadores chegará assim que notarem o que aconteceu — disse Lia refletindo sobre as possibilidades de quando o ataque chegaria — Existem chances deles se darem conta ao verem os policiais nas fronteiras quando forem atacar usuários de magia.

Jasmim discretamente analisava Blecor que estava sentado ao lado de Margery.

“Chega a ser ridículo pensar que ele estava do lado de Himiko esse tempo todo, mas isso me faz pensar em algo importante que precisa ser feito quanto antes”, pensou Jasmim.

— Não acho que deveríamos ficar sentados esperando o próximo ataque dos caçadores, no mínimo deveríamos obter a localização deles. Alguém deveria interrogar os Damaris e a assistente para conseguir alguma informação sobre onde o acampamento deles se encontra, já que a assistente foi até eles para negociar — disse Jasmim.

— Vou mandar… — disse Himiko.

— Eu poderia ir! Desculpe, senhora Kami — disse Blecor enquanto Himiko falava, interrompendo ela.

— Eu não acho que seja prudente você ir. Ele não vai querer falar com um traidor, uma conversa com ele não vai chegar a lugar nenhum se for com você. A única coisa que vai ouvir são ofensas e mais ofensas — disse Himiko.

— Muito pelo contrário, senhora Kami! Como eu trabalhei por anos para eles, os conheço a tempo o suficiente para poder dizer que mesmo que eles não falem o que sabem, podem me dar algumas pistas com suas reações. Afinal de contas, um mordomo precisa ser bom em ler seu chefe para prestar um bom serviço — falou Blecor.

Himiko olhou para Margery que com sua expressão deixou claro concordar com o que Blecor havia dito.

— Desculpe, mas como podem confiar em um traidor?! Ou talvez aqui seja comum vocês agirem de forma nebulosa? — disse Luther com desdém encarando Himiko — Temos pouco tempo a perder, então seria melhor que outra pessoa fosse, alguém de confiança.

“Não confunda o fato de estarmos cooperando pelo bem da cidade com aceitação pelo que você fez ontem, posso entender em parte o que fez e por isso ajudei, mas eu não gosto quando tentam me manipular com meias verdades”, pensou Luther.

Fingindo não entender o motivo pelo qual Luther havia dito aquelas palavras, Margery falou:

— Como assim?! Ele se arriscou para podermos revelar ao povo o plano do antigo governador! Além de que como você mesmo disse não temos tempo a perder e essa é chance válida, mandamos ele e se não for satisfatório o resultado mandamos outra pessoa!

— Contanto que nos chamem para quando ele reportar o que foi dito não vejo problemas, assim poupamos tempo — disse Luther. 

“Eu sei que deveria me esforçar para manter a calma, entretanto ela nem ao menos ficou para ajudar os feridos. Pensei que tivesse visto algo semelhante nela, mas não somos nada parecidos, não me agrada nem um pouco como ela está agindo. Sem mostrar nenhuma preocupação com as repercussões de suas ações”, pensou Luther.

Sentada ao lado de Luther no sofá, Jasmim pousou gentilmente a mão em seu braço para acalmar ele. Mesmo que sua raiva estivesse contida, ela o conhecia tempo o suficiente para ter uma ideia do que se passava na cabeça de Luther.

“Agora não é o momento, Luther”, pensou Jasmim.

— Eu sei que deveria ter perguntado isso antes, mas por acaso vocês se lembram onde foi o local que vocês foram atacados? Isso ao menos poderia nos dar uma ideia de onde o acampamento deles poderia estar e por qual direção eles podem vir nos atacar — falou Himiko se mantendo focada no assunto.

— Não acho que isso ajudaria, eles devem ter mudado de localização assim como fizemos naquela noite e Caçadores de Elite são formidáveis, todos naquele grupo podem não ser dos melhores, mas os experientes não deixariam um ataque tão óbvio ser feito. Temos que nos preparar para uma ação bem arquitetada — disse Lia.

— Nós faremos o seguinte: Blecor você vai com alguns guardas até as celas na delegacia. Tente conseguir algo útil de Dariss, caso as informações obtidas não sejam satisfatórias, os emissários terão permissão de prosseguir como acharem melhor — falou Himiko fitando Luther — Vamos nos concentrar em preparar uma boa defesa nas fronteiras da cidade, no mínimo quando eles chegarem não vão passar despercebidos.

— Mas, senhorita Kami e os… — disse Margery.

Himiko olhou no mesmo momento que Margery começou a falar e a assistente abaixou a cabeça arrependida. A desconfiança dos Emissários de Vento foi alimentada e Jasmim falou:

— Por favor, deixe ela terminar o que ia dizer. Não está preparando outra surpresa, está?

O semblante calmo de Jasmim mudou para um intimidador, dando calafrios a todos os presentes e repreendendo a assistente com o olhar, Himiko disse:

— Ela queria falar sobre alguns policiais que estavam aliados a Dariss e sumiram durante o incidente. Foram poucos, por isso não queria dar atenção a esse detalhe.

— Se a polícia estiver toda ocupada podemos ajudar com a busca — falou Jasmim.

— Não acho que seja necessário, eles podem estar descontentes, mas não vão agir com um ataque iminente, não quando isso pode colocar as famílias deles em risco. Além de que a cidade não é grande o suficiente para eles conseguirem se manter escondidos por muito tempo. Vamos focar no urgente, o resto terá que esperar.

A kitsune suspirou sabendo que Himiko estava correta, todavia ter mais inimigos andando pela cidade era algo que deixava Jasmim ainda mais inquieta. A sensação que não só ela tinha, mas também dos outros emissários, era a de que estavam encurralados.

— Melhor eu logo para delegacia, uma informação relevante sobre os caçadores pode ser a salvação para nossa cidade — disse Blecor se levantando.

— Vou chamar dois policiais para acompanhar você até a cela — disse Margery acompanhando Blecor para o lado de fora.

— Emissários, vou chamar vocês novamente assim que Blecor retornar, descansem, pois, vocês são o único recurso que temos para assegurar a sobrevivência dessa cidade quando a batalha acontecer contra os caçadores. Será essencial que vocês estejam em seu máximo — disse Himiko.

— Quando a hora chegar, estaremos prontos — disse Jasmim.

Jasmim e Lia se levantaram para sair, Luther permaneceu sentado para esclarecer as coisas com Himiko, porém Lia o puxou para fora e para evitar uma cena constrangedora ele apenas a acompanhou sem mostrar nenhuma resistência.

Assim que eles chegaram no hall de entrada da mansão, Luther disse:

— Lia, não tinha necessidade você ter feito aquilo, eu queria apenas conversar com ela! 

— Agora não, Luther, você está irritado e cansado. Isso não ia dar certo! — disse Lia enfatizando a última parte.

— Talvez, mas não acho que devíamos ficar quietos depois dela ter nos usado para aquela maldita rebelião! — falou Luther involuntariamente, elevando a voz. 

Ao perceber o que havia sido grosseiro com Lia, o emissário se calou constrangido.

— Eu vou procurar os outros para informar do que foi dito aqui, vou deixar o resto com você Jasmim — Lia virou as costas para Luther e saiu da mansão.

Sem perder tempo, Jasmim seguiu o pedido de sua amiga e puxou Luther pelo braço com um destino perfeito em mente para acalmar ele. O jovem novamente se viu obrigado a apenas a acompanhar arrependido de ter gritado com Lia.

Ao chegarem no jardim dos fundos da mansão, os dois se sentaram em um dos bancos. Jasmim exibiu um sorriso tímido e colocou a mão sobre a cabeça de Luther. Ele, sabendo bem o que significava, se viu rindo e se perguntando sobre quantas mais vezes ela conseguiria fazê-lo falar, fazendo algo tão simples.

— Desculpe, eu sei que deveria ser um líder firme no meio disso tudo, afinal um soldado não pode se deixar levar pouco. O problema é que tiramos um tempo do clã para descansar, as coisas estavam ficando obscuras em nossas missões, mas no fim acabei arrastando vocês para isso: carregar corpos de civis e se envolver na bagunça de nobres — disse Luther.

— Não tinha como saber que a situação iria escalar dessa forma, Luther. Ninguém culpa você por nada disso. O foco é salvar essas pessoas e só isso. Como você disse somos soldados, nos afastar do clã não vai mudar isso. Podemos não estar seguindo as missões deles, mas continuamos sendo quem somos — falou Jasmim.

— Eu queria que tivéssemos algumas aventuras comuns durante esse ano, como as que meu pai me contava quando eu era pequeno. Apenas explorar o país, conhecer alguns lugares e fazer um pouco de dinheiro — falou Luther.

Olhando para o lado oposto de Jasmim, Luther imaginou seu pai, olhando para ele com o sorriso aconchegante que Luther se lembrava.

— Eu queria ter isso, queria ser mais parecido com meu pai e deixar ele orgulhoso — disse Luther.

Jasmim suspirou aborrecida com Luther e virou o rosto dele, fazendo com que os dois ficassem cara a cara. Ela segurou o rosto dele com suas duas mãos, o encarou olho a olho e disse:

— Pare com isso! Se ele estivesse aqui estaria orgulhoso de você! Tem várias pessoas ao seu redor que se importam muito com você, então pare com isso. Pare de se menosprezar, você é ótimo Luther!

— Eu sei que vocês se importam comigo, Jas. É só que… — disse Luther.

— Não! — disse Jasmim interrompendo Luther. 

A emissária riu da cara engraçada que Luther tinha por ela estar apertando seu rosto e disse:

— Que fofo, você parece um peixe!

— Eu estou tentando falar sério aqui! — falou Luther.

— Não com essa voz, hahahaha!

Luther se deu conta de que estava com voz estranha por conta de Jasmim estar apertando seu rosto e se soltou se segurando para não rir. Jasmim encostou a cabeça no ombro de Luther e disse em tom nostálgico:

— Esse ano fizemos muitas coisas divertidas, Luther! Você se lembra das fontes termais nas montanhas de Harnora?! Tivemos que arrastar o Jinn e a Kira para podermos ir embora, eles não queriam ir embora de jeito nenhum. Ficamos lá até mais tempo do que o planejado depois que o dono da hospedagem nos deixou ficar por quanto tempo fosse necessário por matarmos aqueles golens.

— Sim, sem falar do dinheiro que aquele homem nos deu! Pensei que tínhamos matado alguma besta colossal! Tentei devolver metade, mas ele recusou! Ele era tão gentil quanto teimoso, hahahahaha — disse Luther.

— Viu! Nos divertimos também, acho que as aventuras que tivemos durante esse ano podem não ter sido todas boas, mas foi longe de ser algo ruim. Se orgulhe disso, Luther! O problema é só que mesmo em paz, o mundo em que vivemos não é sempre tão belo quanto gostaríamos. Isso é algo que temos que entender, não é exclusivo para soldados.

Luther refletiu sobre o último ano que teve repleto de altos e baixos, assim como o seu tempo no Clã do Vento. Ele compreendia que Jasmim entendia muito bem sobre o quão difícil a realidade poderia ser assim como ele e Jinn sabiam. Ainda assim, ele não conseguia afastar o pensamento de que seu pai conseguiria fazer melhor, de contemplar as coisas com mais leveza.

“Será que algum dia eu vou conseguir me tornar um grande aventureiro como o senhor ou tudo que eu sou é um bom soldado?”, pensou Luther.

Mesmo com aquele questionamento pairando em sua mente, ele se sentia melhor após a sua conversa com Jasmim.

— Obrigado, Jasmim — disse Luther.

Com um belo sorriso que fez com que Luther também sorrisse, Jasmim disse:

— Não precisa me agradecer, somos uma família, eu sempre vou estar aqui para você!

— Mesmo assim, obrigado. Ficou feliz de que você esteja aqui! — disse Luther.

Luther olhou para céu noturno e sentindo o ambiente leve do jardim, relaxou aproveitando o breve momento de paz com Jasmim. Um momento que Luther percebeu precisar mais do que ter debatido com Himiko. A impressão que ambos os emissários tiveram naquele momento foi de que o tempo parou para eles poderem respirar.

Repetindo o que ele já havia feito diversas vezes, ele colocou a mão sobre a cabeça de Jasmim para assegurar que ela soubesse que ele estava melhor, enquanto imaginava seu pai sorrindo para ele e dizendo:

— Não desista, Luther, você ainda vai conseguir se tornar um grande homem! Filho meu é forte e teimoso demais para desanimar!

“Obrigado, pai!”, pensou Luther se mantendo em silêncio aproveitando aquele momento ao lado de Jasmim enquanto ambos observavam o céu.



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