Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 8: Fôlego em Meio ao Caos (Parte 1)

Jasmim olhava para o céu enquanto o pássaro mensageiro levava sua mensagem para a sua amiga Sira. Na mensagem, Jasmim relatou de forma resumida tudo que havia ocorrido desde que chegaram a Port Strong, porém manteve Castiel de fora. Ele um caso delicado que a kitsune ainda queria mais tempo para pensar em uma forma apropriada de falar a sua amiga, por conta disso preferiu esperar até que ela chegasse à cidade.

O cansaço que Jasmim tinha era grande, todo o esforço que ela fez com o demais para cuidar dos feridos havia se estendido por toda a noite e o cochilo que ela tirou não fora o suficiente para se recuperar.

Kira se esforçava ao máximo para ajudar, todavia era Lia que tinha maior conhecimento em cuidados médicos.

Lia cedeu grande parte das ervas medicinais que possuía para ajudar as pessoas que tinham ferimentos mais graves e ela e o médico da cidade nem mesmo chegaram a dormir.

O resultado de todo o esforço que estava tendo era positivo, já que era metade da manhã e haviam restado poucas pessoas que precisavam da atenção do médico, as demais pessoas foram encaminhadas para seus lares. Ainda assim, tiveram alguns cidadãos que optaram por ir aos seus trabalhos.

Em um dos bancos da praça, Castiel estava sentando descansando um pouco após ter ajudado a levar os corpos dos que morreram durante a rebelião, colocando os corpos em uma fileira que haviam organizado para os preparar para serem enterrados. 

O homem se encontrava desconfortável com o fato de ter carregado os corpos e não ter ficado tão incomodado ou triste quanto pensava que ficaria. Ele também não conseguia tirar de sua mente o quão fácil foi atacar todas as pessoas que atacou na noite anterior, chegando a até se divertir com a ação.

“Isso não é bom… Que tipo de pessoa eu sou? Que vida eu levava para nada do que aconteceu ser verdadeiramente significativo para mim. O pior de tudo é que eu queria que a luta tivesse durado mais… não acho que isso seja uma coisa boa”, pensou Castiel.

Tomado pelos seus pensamentos, Castiel não notou a aproximação de Jasmim, que sentou ao seu lado e disse:

— Kira me contou sobre seu desempenho ontem. De acordo com ela, você é “perigosamente genial” com suas espadas.

Ao escutá-la falando, Castiel se deu conta da presença da emissária. Ele voltou sua atenção para Jasmim e disse:

— Não foi nada de mais. Os outros estavam muito melhores, eu não consigo nem mesmo usar minha magia.

O desconforto de Castiel era visível para Jasmim. 

Ela estava preocupada com o que aconteceria quando o seu clã e os outros clãs elementais descobrissem sobre a existência dele. As habilidades dele com espada pelo que Kira descreveu a emissária somado ao poder mágico que ela havia presenciado durante a luta contra Dimitri mostravam o quão grande era o potencial de Castiel. Jasmim sabia que isso unido a outras questões faria com que sua descoberta balançasse as estruturas do mundo.

“Se a runa de Castiel fosse realmente de fogo, ele não teria problema algum, mas não há dúvidas de que esse não é o caso. Ninguém vai querer acreditar que ele é humano, nem eu mesma acredito em tal coisa. O medo do que ele pode representar será maior que qualquer coisa. As pessoas sempre temem o que não podem entender. Precisamos proteger ele. Vou fazer o que puder para fazer ele ser capaz de se proteger sozinho também”, pensou Jasmim. 

— Castiel, durante a luta você conseguiu se lembrar de algo sobre suas habilidades? — falou Jasmim.

— Não, eu apenas peguei as minhas espadas e… e… tudo fluiu naturalmente. Eu não sei explicar as técnicas que usei, eu só agi — falou Castiel.

Jasmim se levantou e com um pequeno gesto com seus dedos fez com que algumas folhas flutuassem à volta de Castiel.

— Embora nem todas as pessoas sejam usuários de magia, a magia é algo que está em tudo que existe. Nós, antes de qualquer título, somos usuários de magia e com isso podemos manipular a magia ao nosso redor. O que eu estou usando agora não é magia de vento e sim telecinese, um dos dons que um usuário de magia pode manifestar se tiver sorte.

Castiel escutava atentamente a Jasmim que continuou sua explicação:

— Magia é algo que faz parte de quem somos e com treinamento adequado o uso dela é tão natural quanto respirar. Que tal tentar segurar as folhas para mim? Não sou tão boa com telecinese, então não acho que posso manter isso por tanto tempo, vamos testar se você tem telecinese.

Seguindo a sugestão de Jasmim, ele estendeu suas mãos mudando o fluxo das folhas, mesmo não conseguindo fazer elas se moverem de forma estável, ele conseguiu as manter no ar e riu se divertindo e disse:

Hahahaha, eu consegui! — Por conta da animação de Castiel, as folhas voaram de forma ainda mais caótica até se dispersarem no ar. — Droga! Desculpe Jasmim…

— Não se preocupe, você foi muito bem! Onde eu queria chegar é que caso precise usar suas habilidades, não tenha medo, seja apenas cauteloso. O elemento que manipulamos graças a nossas runas são parte de quem somos, você não tem medo da sua perna, certo? — Castiel negou com a cabeça rindo e Jasmim continuou — Vamos ajudá-lo da forma que pudermos a se lembrar das coisas e poder usar suas habilidades com segurança, mas se algo acontecer, não tenha medo de usar o que tem dentro de você. Apenas não force a sua mente, está bem?

“Parece que ela sabia exatamente como eu estava me sentindo,” pensou Castiel, enquanto o mar de medos e anseios na mente dele davam uma trégua.

— Obrigado, Jasmim — disse Castiel.

— Não fiz nada de mais, Castiel. Assim que isso tudo acabar vou tentar te ajudar a lembrar como usar suas habilidades de forma satisfatória. Dentro do possível, é claro.

— Eu estou ansioso por isso — disse Castiel olhando para as folhas no chão.

 

 

Na antiga mansão dos Damaris, Himiko estava sentada na sala lendo algumas folhas com a lista das pessoas que haviam perecido durante a rebelião e sobre alguns dos policiais do lado de Dariss que sumiram durante a rebelião.

As fotos da família já haviam sido retiradas das paredes e as empregadas faziam o seu melhor para poder tirar as manchas de sangue do chão e deixar o local limpo novamente.

Margery ao retornar para a sala percebeu que Himiko ainda não havia tocado no café da manhã que ela havia preparado.

— Senhorita Kami, por favor, como um pouco — disse Margery.

— Não tenho tempo para isso Margery, todos estão se esforçando muito e obviamente não posso ficar para trás — disse Himiko, enquanto fazia algumas anotações — Chame a subcomandante Carla, temos que mandar os policiais para ficar de guarda nas fronteiras da cidade. Não podemos perder tempo com a possibilidade dos caçadores atacarem a qualquer momento.

— Himiko…

Surpreendida, a nobre parou o que estava fazendo e encarou Margery, fazia muito tempo desde a última vez que sua assistente a chamara pelo nome.

— A senhora não vai ver a Nádia? — falou Margery cuidadosamente.

— Não, agora não é o momento para isso, Margery — disse Himiko.

— Está arrependida de ter feito a rebelião?

Himiko deixou sua caneta cair e xingou a si mesma. Margery pensando que Himiko não a responderia, foi até a bandeja com o café da manhã para levar de volta à cozinha, mas a nobre foi em sua direção e pegou um pedaço de pão da bandeja.

— Eu não me arrependi do que fiz. Eu teria feito de novo. Remover a família Damaris do poder era algo inevitável e não tinha uma forma de fazer isso acontecer que não trouxesse conflito. Eu aprecio a sua preocupação comigo, mas agora a cidade precisa de uma líder forte ou não vamos conseguir sobreviver aos caçadores depois do que aconteceu. Eu só queria que Lauren estivesse aqui para me ver vencer — disse Himiko.

— Senhorita Kami… — disse Margery.

— Não se preocupe comigo, eu não vou chorar e nem fraquejar. Eu vou continuar seguindo, afinal de contas agora eu sou a governadora de Port Strong. Agora que a família Kami voltou a ser a principal, não posso decepcionar a minha família, não quando eles estão me olhando, Margery.

Margery curvou a sua cabeça envergonhada por puxar assuntos delicados em um momento inconveniente.

“Onde eu estava com a cabeça, falar sobre essas coisas agora só vai atrapalhar a senhorita Kami, meu trabalho é ajudá-la a se manter forte e não o contrário", pensou a assistente.

— Desculpe, senhorita Kami, eu não devia ter dito nada! — disse Margery.

Tsk, pare de ser boba, você continua agindo como uma empregada quando é minha assistente. Levante a cabeça e não se envergonhe por me questionar, é por isso que a mantenho por perto — disse Himiko sem o menor sinal de incômodo com o que lhe foi dito — Eu vou ver Nádia quanto tudo terminar. Agora preciso continuar concentrada no inimigo que está diante de nós. Por favor, chame a Carla, temos muito o que fazer. Poderemos descansar quando tudo acabar.

Margery se retirou da sala com um sorriso no rosto.

“Ela é tão focada, ela de fato é a líder que essa cidade precisava, principalmente nesse momento de crise. Tio e tia Kami, sua filha se tornou uma mulher extraordinária! Não tenho dúvidas que vão sobreviver a esse momento!”, pensou Himiko.

 

 

Voltando para o bar onde estava hospedado, Jinn refletia sobre o quão inspirado estava em ver as pessoas da cidade se esforçando para ajudar umas às outras enquanto refletia sobre o amargor de ter que carregar os corpos das pessoas que morreram na noite anterior.

O porto tinha uma movimentação considerável, com os pescadores trabalhando tentando fazer o seu melhor para manter a cidade funcionando.

Jinn abriu a porta dupla do bar ansiando por duas coisas, a primeira coisa que o homem buscava não se encontrava à sua vista, mas podia sentir o cheiro de boa comida que era a segunda coisa que ele buscava. No bar só se encontrava a que havia se tornado a única garçonete do lugar, Bogna, já que Nádia havia se tornado a nova gerente, mesmo que ainda não fosse oficial. 

A mulher exibiu um sorriso triste para Jinn tentando o seu melhor para receber ele bem, mas há apenas algumas horas da morte Lauren, era uma tarefa difícil para Bogna.

— Como estão as coisas lá fora, senhor? — disse Bogna.

— Pode me chamar de Jinn. Estão melhorando, estão todos se esforçando para organizar a praça e trazer algum senso de normalidade — disse Jinn buscando apenas coisas positivas para dizer.

— Normalidade? Acredito que isso vai levar um tempo… — disse Bogna refletindo, logo em seguida se retirando de seus pensamentos para atender Jinn — Você também veio para comer?

— Também?

— É, um de seus companheiros veio aqui comer, ele estava bem mal-humorado, embora tenha me tratado bem.

Jinn lembrou de como Luther estava furioso depois da rebelião. Ele chegou a pensar que Luther iria atrás de Himiko para tirar satisfações, porém até aquele momento ele não fizera tal coisa a pedido de Jasmim.

“Depois eu tenho que tentar falar com o Luther”, pensou o emissário.

— Vou querer comer também, mas onde está a Nádia? — disse Jinn.

Bogna que estava a caminho da cozinha, parou bruscamente antes de atravessar a porta e sem olhar para Jinn disse:

— Ela foi tirar um tempo para ela. Não acredito que você vai ver ela aqui hoje.

— Você poderia me dizer para onde ela foi? — disse Jinn.

— Por que você quer saber?

— Não acho que vai fazer bem para ela ficar sozinha agora, só isso.

Bogna considerou as palavras de Jinn por alguns segundos e depois entrou na cozinha. Em pouco tempo, ela retornou com comida suficiente duas pessoas para que Jinn levasse para Nádia que de acordo com Bogna não havia comido nada desde cedo e o informou onde poderia encontrar a sua amiga mesmo que ela acreditasse que a ida dele não seria de grande ajuda para ela.

Jinn seguiu todo o caminho da trilha lembrando do rosto de Nádia quando a luta acabou e ela pode chegar até o corpo de sua mãe. Levou quase a madrugada inteira para Nádia deixar o corpo de Lauren ser levado junto aos demais falecidos para o preparamento para o enterro. 

Himiko avisou para todos que assim que a ameaça dos caçadores acabasse, teria um funeral para todos que se foram, mas os corpos seriam enterrados antes disso por motivos óbvios.

Quando Jinn chegou ao final da trilha se deparou com a elfa usando roupas leves e com os seus pés descalços dentro do riacho, embora de início o barulho do riacho tivesse disfarçado, não demorou muito para que Jinn ouvisse o som do choro de Nádia.

Como Nádia estava de costas para ele e não parecia ter escutado Jinn, ele se aproximou com cuidado e anunciou sua presença para não assustá-la dizendo:

— Essa é realmente uma bela trilha, Nádia! Você tinha razão!

Nádia, reconhecendo a voz de Jinn enxugou as lágrimas de seu rosto, embora o seu rosto estivesse tão vermelho que sua tentativa de esconder o que estava fazendo era inútil.

— Como você me…?! Foi Bogna? — disse Nádia.

— Sim. — Jinn se sentou ao lado de Nádia mostrando a cesta com comida que Bogna entregou a ele. — Ela estava bem preocupada como você, me contou que você ainda não comeu nada. Sendo sincero é melhor se apressar porque se deixar eu vou acabar com tudo isso sozinho de tanta fome que eu estou.

Nádia em misto de confusão e curiosidade pegou uma fruta para comer, ficou tão absorvida em seu luto que só naquele momento notou que sua barriga implorava desesperadamente por comida. Ela disfarçadamente olhou para Jinn que comia casualmente como se tivesse apenas encontrado com ela para um piquenique.

Após um tempo pensando em qual das perguntas em sua mente faria primeiro, Nádia disse:

— Por que você está aqui?

— Quando eu era mais jovem, mas não tão bonito quanto sou agora, eu perdi uma pessoa muito importante para mim. Minha avó era a única família que eu tinha e morreu em uma missão como um grande soldado do nosso clã. Ficaram semanas falando sobre o quão incrível foi sua vida e também seus momentos finais e cansado disso tudo eu me isolei, passei semanas inteiras trancado em casa. Sem sair da cama ou comer — disse Jinn.

— Eu não vou fazer…

— Em algum momento entre a terceira e quarta semana o Luther veio, não tinha nem ao menos forças para reclamar. Ele apenas arrumou a casa reclamando do cheiro e trouxe algo para comermos juntos. Não falamos nada naquele dia e ele foi embora depois de algumas horas. Ele repetiu isso por uma semana até que os outros foram aparecendo também e foi aí que entendi o que ele queria me dizer. O porquê deles estarem insistindo tanto em ir me ver, mesmo que eu não falasse uma palavra com eles. Acredito que foi nesse momento em que viramos amigos de verdade, ou pelo menos para mim.

Jinn que falava olhando para o céu, voltou sua atenção para Nádia e continuou dizendo: 

— Não precisa dizer nada se não quiser, podemos ficar em silêncio por quanto tempo for necessário. Afinal não nos conhecemos há muito tempo, mas eu vou ficar aqui, está bem?

Nádia deixou cair a fruta em sua mão, enquanto as lágrimas voltaram a cair de seu rosto.

— Eu queria que a minha mãe estivesse aqui! — Nádia tirou o peso que queimava em seu peito sem medo de soar infantil e abraçou Jinn — Não é justo, não é justo, não é justo!

Jinn abraçou Nádia ainda mais forte e apenas escutou Nádia chorar.



Comentários