Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 6: Mudança de Planos

“Finalmente essa longa jornada está chegando ao fim. As coisas não serão fáceis, depois disso, mas enquanto eu mantiver a mente disciplinada e não perder o objetivo de vista vou conseguir lidar com o que vier”, pensou Himiko enquanto olhava para o céu pela janela do seu escritório.

Era final de tarde e após ter se separado do grupo de Luther, Himiko passou o resto do dia cuidando de seus afazeres e outros assuntos de extrema importância. Com parte do trabalho concluída, a nobre aproveitava a vista de sua casa para o mar, apreciando o pôr do sol enquanto se preparava para o que se seguiria.

Embora a nobre tivesse herdado a determinação de seus pais, ela tirava um tempo para si a fim de se manter afiada para tudo o que ela precisava fazer sem se sobrecarregar.

Sua assistente, Margery, entrou na sala para acender as velas do enorme escritório. Essa função normalmente ficava com a empregada, mas como as duas cresceram juntas e Margery tinha grande admiração por sua amiga, fazia de tudo para Himiko. Apesar de que Himiko protestasse afirmando que Margery fazia muito mais do que o necessário.

Margery tinha cabelo preto que destacava bastante sua pele clara e usava óculos quadrados que faziam ela se parecer com uma jovem professora.

— Senhora Kami, ele chegou! — disse Margery.

— Ótimo! Pode deixá-lo, não temos tempo a perder — disse Himiko.

A assistente deixou o escritório por um momento e depois retornou com o convidado, que em trajes civis aparentava ser bem mais jovem do que em uniforme. Ainda assim ele estava bem-vestido e assim que se sentou retirou sua boina e lenço deixando seu rosto visível.

— Senhorita Kami, temo lhe dizer que a senhora estava certa sobre o governador. Ele realmente está fazendo o que a senhora havia dito — disse Blecor.

— Não era difícil de imaginar que ele estava agindo desta forma, Blecor. Afinal de contas, para muitos: a necessidade de muitos súpera a de poucos — disse Himiko.

— Mas deliberadamente deixar os caçadores eliminarem os usuários de magia da cidade, só para não sofrer um ataque direto é muito frieza — falou Margery.

— Ele se sentiu encurralado, a verdade é que mesmo com alguns membros competentes, não temos um número significativo para cobrir a falta de experiência de nossos policiais. O governador, não, o Dariss devia ter escutado minha sugestão e de tempos em tempos ter mandado alguns membros para receberem um treinamento melhor em uma das cidades grandes mais próximas. 

Margery mesmo conseguindo entender de forma lógica a forma do governador pensar, achava assim como Himiko que ele era o tipo de pessoa que buscava o caminho menos trabalhoso. Algo que, embora positivo se usado com inteligência, poderia ser extremamente perigoso.

— A senhora acredita que eles vão nos ajudar com o que estão prestes a fazer? Agora que sabemos que o acordo só contempla quem não tem magia? — falou Margery.

— Acredito que sim, como eu disse o objetivo não mudou, iremos proteger a cidade dos caçadores. Só vamos ter que tirar o governador do caminho antes. Estou apenas aproveitando a oportunidade para resolver dois problemas de uma vez só — falou Himiko.

Blecor sacudia sua perna inquieto. Mesmo traindo seus antigos patrões por um bom motivo, sua mente ainda pensava em todas as possibilidades do que aconteceria esta noite, temendo o pior.

— Não seria melhor esperar mais um pouco antes de fazer um movimento tão drástico? Como o governador tem um acordo, ainda temos mais tempo…— disse Blecor.

— Tempo para que Blecor?! Tempo para deixar mais pessoas "desaparecerem''? Isso é um segredo, mas a filha da Lauren é usuária de magia, e se ela sumir porque não agimos rápido o suficiente e depois encontrar o corpo dela pela floresta? Isto é se encontrarmos! O que pretende dizer para a Lauren? — falou Himiko interrompendo Blecor.

— Pelos deuses, a Nádia? Quando ela começou a manifestar as… 

— Isso não importa! Eu vou agir hoje, passei o dia inteiro preparando tudo, os cidadãos do nosso lado e em breve eles vão se juntar na praça. Lauren mandou sua filha mostrar a cidade para os emissários e mantê-los distraídos. No final desta noite eu serei a nova governadora de Port Strong! Isto já está decidido!

 Os olhos de Himiko se encontraram com o retrato de sua família que ficava em sua mesa. 

Seu pai estava com a mão sobre o ombro de sua irmã e sua mãe com a mão em seu ombro. Ela tinha o mesmo cabelo verde e traços finos de sua mãe, enquanto sua irmã tinha o cabelo castanho escuro de seu pai que parecia quase ser preto. 

Todos estavam sérios usando trajes formais, mas ela se lembrava muito bem do quanto tempo levou para eles conseguirem ficar sérios. O fotógrafo que veio de longe a pedido de seu pai até disfarçou bem o incômodo e sua mãe reclamou bastante depois, mas mesmo assim aquele foi um dia agradável e uma bela lembrança.

“Eu prometo que vou deixá-los orgulhosos, custe o que custar!”, pensou Himiko.

Margery por conhecer bem a sua amiga, sabia muito bem que a determinação dela, assim como seus motivos para tirar o governador do poder, eram fortes demais para que o receio de terceiros a afetasse.

— Agora que o sol se pôs logo vamos ter todos os aliados reunidos na praça e alguns curiosos também. Quem vai levar os emissários até a praça? — disse Margery. 

— Eu irei pessoalmente buscá-los. Leve Blecor para contar sobre o acordo de Dariss, a Lauren vai ajudá-los. As pessoas já não estavam felizes com a falta de atitude dele de qualquer forma. Isso só será o estopim para fazer com que queriam destruí-lo — falou Himiko.

— Como a senhora quiser — disse Margery se levantando para se retirar.

Margery seguiu com Blecor para a praça da cidade e Himiko foi atrás do grupo de emissários para enfim realizar o seu plano. Apesar de estar ciente de todos os riscos do que estava fazendo, ela não conseguiu evitar o sorriso em seu rosto.

“Estou quase lá”, pensou Himiko.

Nas dorcas Nádia voltava com os emissários para o bar, àquela altura, todos já haviam partido para a praça, então não havia problema algum para Nádia. Além de que após um bom tempo de caminhada, todos queriam descansar as pernas um pouco.

Nádia era bem parecida com a sua mãe quando o assunto era gentileza, embora ela não possuísse os músculos de sua mãe e ombros largos, era alta e possuía os mesmos olhos lilás de Lauren.

— Se divertiram? Eu posso amanhã mostrar uma trilha ótima que tem na floresta, minha mãe costumava a usar o tempo todo, quando ela queria um tempo sozinha — disse Nádia.

— Foi uma tarde muito agradável, Nádia! Port Strong é um lugar encantador! — falou Jasmim.

— Mesmo com tudo acontecendo, não perdemos o sorriso, sabe. Acreditava que isso era coisa da minha mãe, mas sempre vejo todos, ou pelo menos a maioria, se esforçando muito para continuar, mesmo tudo parecendo que vai piorar — disse Nádia.

— Acho isso ótimo, mas todos precisamos de um tempo para “baixar a guarda” — falou Jinn.

Nádia riu enquanto refletia sobre as palavras de Jinn.

— Talvez. A verdade é que todos estão apenas tentando manter a cidade viva da forma que podem. Esperando o momento de perigo passar para finalmente poderem “baixar a guarda” e enfim descansar — disse Nádia.

— Desculpe interromper, mas eu pensei que essa hora as pessoas viriam para cá. O bar não abre hoje? — falou Castiel.

— Abre sim, normalmente esse horário aqui fica cheio, mas… — Nádia se interrompeu ao perceber que soltou quase uma informação que não deveria — … mas minha mãe decidiu que hoje iremos começar mais tarde.

Castiel por estar aborrecido não notou o tempo que Nádia levou para completar o que tinha para falar, entretanto, os demais haviam percebido e depois que averiguaram o ambiente constataram que a amiga de Nádia também não estava lá. As velas estavam acesas iluminando o lugar e tudo estava bem-arrumado, mas eles eram os únicos ali.

Lia decidiu perguntar à garçonete se tinha alguma coisa acontecendo, porém, antes que ela começasse a falar, a porta do bar se abriu. Nádia ficou feliz ao ver que se tratava de Himiko que sorriu agradecida a Nádia por manter os emissários ocupados. Restando apenas uma coisa para Himiko fazer, que era levar eles para a praça.

— Aqui estão vocês! Queria pedir um favor a vocês emissários! — disse Himiko.

— O que gostaria, senhora Kami? — falou Jasmim.

— Está prestes a ter uma assembleia na praça da cidade para falarmos sobre a questão dos caçadores, agora que vocês trouxeram informações mais concretas, eu gostaria que vocês estivessem lá. Isso seria um problema?

— Não vejo motivos para recusar a oferta. Vamos aproveitar para mantê-los em segurança caso aconteça algum problema — disse Luther, dando ênfase à segunda frase.

— Ótimo! Vamos todos, então! — disse Himiko.

Contente, Himiko envolveu o seu braço no de Luther e o puxou, ele mesmo ficando sem jeito com a atitude da nobre apenas fingiu normalidade. 

Castiel notou que Jasmim estava falando algo para Kira e Lia, mas ele não conseguia ouvir o que era. Jinn conversava normalmente com Nádia enquanto caminhavam. 

“Acho que estou sobrando aqui”, pensou Castiel.

Ao chegarem na praça, eles se deparam com a população gritando ferozmente contra o governador que se encontrava atrás do portão da entrada de sua mansão. Os policiais estavam divididos em dois grupos: o grupo aliado a Himiko estava protegendo a multidão, enquanto o outro grupo protegia o governador.

As vozes da multidão estavam tão altas que Jinn teve que elevar a sua voz para conseguir ser ouvido.

— Pelos deuses, o que está acontecendo?! — disse Jinn.

— Eu preciso chegar até a minha mãe! — disse Nádia correndo para o meio da multidão em busca de Lauren.

— Himiko, o que está acontecendo aqui?! — falou Luther.

— Não sei exatamente, vou precisar chegar até a minha assistente para me atualizar! Luther se importa de continuar me acompanhando? — disse Himiko.

Luther olhou para Jasmim, que assentiu para ele e disse:

— Tudo bem, vou abrir o caminho para você.

Quando Luther saiu do campo de visão com Himiko, Jasmim foi até Castiel que estava confuso com a situação toda.

— Castiel, fique em alerta, nosso objetivo é manter as pessoas daqui em segurança. Fique perto da gente, entendeu? — disse Jasmim

— Tudo bem, você acredita que ela realmente não sabe o que está acontecendo? — disse Jasmim.

— Não, eu acredito que ela sabe, mas não importa, viemos aqui para manter as pessoas seguras. O resto, nós vamos ver após o resultado do seja o que for que esteja acontecendo de fato aqui. Agora vamos andando, eles devem ter ido para frente da multidão. Vamos nos misturar para não chamar atenção dos policiais protegendo a mansão, a última coisa que precisamos é ser o motivo para mais alarde.

Após dar as instruções, Jasmim seguiu para o meio da multidão e os outros fizeram o mesmo se misturando no tumulto. O intuito de Jasmim não era apenas que eles não chamassem atenção dos policiais, mas era também para que eles estivessem prontos para agir cobrindo uma área maior.

Na frente da multidão, Himiko chegou com dificuldade até Margery e disse:

— Qual é a situação aqui, Margery?!

— A população se rebelou quando ouviram de Blecor sobre o acordo! — disse Margery.

— Que acordo?! — falou Luther.

— O governador fez um acordo com o Poltergeist para que eles apenas matassem usuários de magia e deixasse o resto da cidade em parte, caso ele fizesse isso o Governador prometeu que não iria interferir nas “atividades” deles!

O governador assim quando pôs seus olhos em Himiko ficou enfurecido e gritou para ela: 

— Himiko! Você finalmente perdeu a cabeça!

— Cala a boca, traidor! — falou uma pessoa da multidão.

Himiko olhou para o Governador e caminhou até a barreira que os policiais estavam fazendo. A nobre encarou o Governador sem conseguir conter a expressão de satisfação em seu rosto.

— Você falhou Dariss! — falou Himiko. 

A nobre em seguida se voltou para a multidão e disse: 

— Este homem não serve para ser governador de vocês! Ele prefere ficar sentado como um covarde em sua casa, atrás de seus muros enquanto o sangue das pessoas que vocês amam é derramado! Margery já deve ter dito, mas as pessoas que chegaram recentemente lutaram frente a frente com esses assassinos e vieram aqui para nos ajudar e sabem o que este homem queria fazer? Mandá-los embora!

Vaias começaram a vir da multidão e alguns jogaram algumas pedras na direção dos policiais que se protegiam com os braços tentando manter a barreira.

— Himiko, nós não podemos lutar! Não contra eles! Eu apenas escolhi controlar o número de mortes! — disse o governador.

O comandante da polícia gritava para seus companheiros para tentar manter a multidão contida dizendo:

— Mantenham a formação! Não os deixem passar!

Lauren após acalmar a sua filha foi para ao lado de Himiko. Nádia tentou ir atrás dela, mas Margery a segurou. Aquele era um momento importante para Himiko e ela precisava do apoio de Lauren mais do que nunca para que seu plano fosse bem-sucedido.

— Está claro que quem deveria governar esta cidade é a Senhorita Kami! Esta cidade foi construída por elfos e nós somos guerreiros, lutamos mesmo quando as chances não estão ao nosso favor, sem mostrar covardia! — disse Lauren.

“Então era isso que você queria”, pensou Luther 

A multidão gritava em resposta às palavras de Lauren:

— Himiko! Himiko! Himiko!

O governador assistiu à população gritar completamente aterrorizado por ver que poucos eram os que estavam ao seu lado, e entendiam o que ele estava tentando fazer. As pessoas começaram a fazer mais pressão para passar a barreira à medida que gritavam e Dariss podia ver nos olhos de Himiko o que ela queria.

“Eu não vou desistir, Kami! Eu não vou desistir! Você não vai ter a satisfação de me fazer abandonar minha posição!”, pensou Dariss.

Dariss se viu encurralado e precisando fazer algo para tentar virar a mesa ou ao menos fazer com que as pessoas recuassem antes que invadissem a mansão.

Himiko sem se importar com todo o tumulto, esperava pelo governador desistir, certa de que não havia outra escolha para ele.

Porém, aconteceu algo que mudou completamente o rumo da noite: o som de uma pistola de pólvora sendo disparada e os gritos que vieram logo em seguida da ponta direita da barreira de policiais protegendo a mansão.

No mesmo instante que se ouviu o som do disparo, o tumulto piorou e as pessoas começaram a atacar os policiais que faziam a barreira. Por consequência, Himiko distraída com o todo o alvoroço, não notou quando Dariss puxou sua pistola de pólvora para atirar contra ela.

— Permissão para atirar! — falou Dariss para os policiais ao disparar.

Sem qualquer hesitação, Lauren se jogou na frente de Himiko, atingida em seu lugar no abdômen e salvando a vida de Himiko.

Quando Lauren foi atingida, todos que estavam próximos e viram o ocorrido pararam por um momento, incluindo os policiais do lado de Dariss e o comandante.

— Lauren! Lauren! Lauren! — falou Himiko enquanto as lágrimas escorriam de seu rosto.

— Desculpe… criança, mas… você não podia morrer aqui… — disse Lauren antes de falecer.

Desesperada com que havia presenciado, Nádia correu em direção a sua mãe que se encontrava nos braços de Himiko gritando:

— Mãe!

— Eu disse para atirar, droga! — disse o Governador.

Desta vez os policiais mesmo com um peso gigantesco em seus corações se preparam para disparar e os civis começaram a correr para sair do alcance enquanto os policiais do lado de Himiko se preparavam para o embate.

“Não, não, não. Isso não foi o que planejei! Não era para você morrer. Ele ia desistir!", pensou Himiko enquanto chorava junto de Nádia.”

Luther e Jasmim, usando os passos de vento, correram até às duas e gritaram em uníssono:

Arte Elemental: Escudo de vento!

O escudo impediu que os disparos atingissem seus alvos. Jasmim pegou Nádia que tentou ficar ao lado do corpo de sua mãe e a levou para longe à força e Luther pegou Himiko no colo e também a levou para longe enquanto o confronto entre os dois lados começava.

Assim que Luther colocou Himiko no chão, ele partiu novamente para a luta junto dos emissários.

Uma garotinha acompanhada do seu pai se aproximou de Himiko preocupado. O pai, que era médico da cidade, segurava uma bolsa com alguns itens médicos.

— Senhorita Kami, a senhora está bem? — disse o médico.

— Estou sim, obrigado pela sua preocupação — falou Himiko secando o seu rosto.

O homem então seguiu para ajudar outras pessoas que estavam feridas e percebendo que o corpo de Lauren havia ficado para trás, Himiko sentiu as lágrimas voltarem.

“No fim eu finalmente consegui o que eu queria. Maldita seja você Himiko!” pensou Himiko enquanto ouvia os sons da luta, “Porque ela tinha que morrer? Por quê?”.



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