Volume 1
Capítulo 4: Chegada a Port Strong
Quer fossem as pessoas que circulavam de um lado para outro, os comerciantes que anunciavam seus produtos, as carroças sendo puxadas ou as construções elegantes com suas cores leves, Castiel contemplava tudo como uma criança animada com brinquedo novo.
"Verdade, isso é uma cidade pequena, parece tão aconchegante", pensou Castiel.
Kira assistia Castiel entretida com a sua reação, pois para ela que já visitou diversas cidades, principalmente no último ano, Port Strong era apenas uma cidade pequena comum sem nada excepcional.
Jasmim notou alguns olhares curiosos sobre eles enquanto caminhavam, mas não se incomodou, já que não havia como um grupo grande como o deles chegar armados na cidade sem ao menos chamar um pouco de atenção. Principalmente considerando o que estava se passando na cidade.
Luther observou alguns cartazes de pessoas desaparecidas e alguns memoriais feitos com fotos, flores e velas para os que partiram. A cidade estava bem movimentada e a manhã era bela, mas as suas feridas estavam ali.
Jasmim se aproximou de uma barraca onde havia um senhor de sessenta anos vendendo variados tipos de pães.
— Bom dia, senhor! Eu gostaria de saber onde eu poderia encontrar o governador da cidade? — disse Jasmim.
— Uma filha da floresta, que raridade de se ver nesta cidade, embora tenham uma natureza bestial, são um dos tipos de pessoas mais gentis que conheci quando era jovem. Talvez a bela jovem kitsune pudesse me ajudar cobrando alguma mercadoria — disse o vendedor.
— Lia, por favor…
Lia parou ao lado de Jasmim com uma expressão séria. O senhor, intimidado com a elfa, sorriu tentando aliviar a tensão.
"Talvez não tenha sido prudente da minha parte empurrar uma venda", pensou o vendedor.
Lia, após um minuto de silêncio, que aterrorizou completamente o senhor, que já havia imaginado ela o matando milhares de vezes, puxou uma pequena bolsa com algumas moedas e tirou uma moeda de prata para entregar ao vendedor.
“Com tanta coisa boa, foi difícil escolher o que comprar”, pensou Lia.
— Eu vou querer dois pães doces com calda de limão — disse Lia.
— Vou lhe dar mais dois pães de cortesia! — falou o senhor enquanto embalava o pedido às pressas.
— Obrigada?
Lia ficou confusa com a reação do vendedor já que não foi sua intenção intimidá-lo e Jinn e Luther tentaram esconder suas risadas.
— O senhor poderia nos dar a informação agora? — falou Jasmim gentilmente.
— Claro, claro! Os senhores podem encontrar o governador em sua mansão na praça principal da cidade, vocês só precisam seguir a rua quatro. Não tem como confundir, sua mansão fica na praça no final dessa rua.
— Muito obrigado pela ajuda, o senhor é muito gentil!
— Gostoso! — falou Lia no seu segundo pão.
— Fico feliz que eu tenha conseguido fazer algo do seu agrado, senhora — disse o vendedor ainda com medo de Lia.
Castiel se divertiu com a situação, para ele, Lia não era tão intimidadora quanto pareceu para ele na noite anterior, agora que ela não estava com sua lança apontada para ele. Na verdade, ela o fazia lembrar de alguém, mas ele não sabia quem.
Ele estava contente que todos do grupo haviam decidido o ajudar, porém, se questionava sobre por quanto tempo essa ajuda duraria. Ainda se lembrando do rosto que todos fizeram ao ver sua runa.
"Eu não devia ter mostrado. E se eu for trazer algum risco para eles? Por que eu não consigo me lembrar de nada? Será que sou perigoso? Eu acho que vou acabar trazendo problemas para todos eles!", pensou Castiel.
Enquanto caminhavam, Jinn ao reparar que Castiel estava ficando para trás e avisou Kira que voltou para buscá-lo.
— Você está bem, Castiel? — disse Kira ao se aproximar dele.
— Desculpe, eu me distrai… — disse Castiel.
Kira percebeu que a mão de Castiel estava sobre a fita vermelha que ela havia lhe entregado para cobrir o rasgo na sua manga e consequentemente sua runa.
— Castiel, você não precisa se preocupar. É só não deixar que ninguém veja. — disse Kira.
— Eu sei, as pessoas precisam pensar que sou um Emissário de Fogo — falou Castiel repetindo o que lhe foi dito antes que deixassem o acampamento.
— Olha, eu sei que isso deve estar sendo desconfortável para você, mas te garanto que assim que resolvermos o que temos para fazer aqui, nós vamos te ajudar. Você não está sozinho, entendeu?
— Obrigado, Kira.
— Não há de que. Agora para com esse olhar cabisbaixo e vamos andando.
A emissária puxou Castiel pela mão e seguiu para alcançar o grupo. Castiel se sentiu mais tranquilo com o sorriso caloroso de Kira, percebendo estar em boa companhia e que não precisava se preocupar com eles o abandonando.
Kira, olhou para trás outra vez, para se certificar se suas suspeitas estavam certas e constatou que eles de fato estavam sendo seguidos. Pelo uniforme que usavam, Kira soube que se tratava da polícia local. Ela continuou sorrindo fingindo não ter notado os policiais.
Jasmim fitou Kira e Castiel assim que se aproximaram ainda de mãos dadas.
— Está tudo bem? — disse Jasmim.
— O Castiel só estava distraído, então tive que voltar para buscá-lo — falou Kira soltando a mão de Castiel.
— Isso, foi culpa minha, me desculpem — disse Castiel.
— Não precisa se desculpar, está tudo bem — falou Jinn.
Lia, vendo que a rua estava vazia e apenas alguns moradores curiosos espiavam pela janela, foi para perto de Luther e falou:
— Isso está começando a parecer uma emboscada.
— Eu realmente espero que não. Mas vamos ficar em alerta — disse Luther. — Parece que temos mais companhia…
Diante deles, veio uma elfa de cabelo curto verde, vestido turquesa e sobretudo vinho em cima de seu cavalo e vieram mais dois policiais também a cavalo a acompanhando.
A elfa parou diante do grupo de emissários, um dos policiais desceu de seu cavalo e a ajudou a descer.
Luther se adiantou indo ao encontro da elfa, fez uma breve reverência e disse:
— Por fim, acabamos chamando a atenção da nobreza. Luther Levisay, ao seu dispor.
Himiko se surpreendeu com a atitude do emissário, pois acreditou que ao sentir acuado ele se comportaria de forma mais cautelosa e contida ou até mesmo agressiva, ao contrário do comportamento à vontade que ele estava demonstrando.
Ela sorriu e ofereceu a mão para Luther que a beijou.
— Temos um perfeito cavalheiro aqui. Sou Himiko Kami — disse a nobre.
— Eu gostaria de deixar claro que eu e meus amigos estamos apenas aqui para conversar com o governador, nosso objetivo não é causar problemas para a cidade, na verdade, estamos aqui para resolver o problema que estão tendo — disse Luther.
— Não se preocupe, emissário. Eu apenas vim acompanhá-los até a casa do governador.
Himiko começou a andar e os emissários a acompanharam. A maioria dos policiais ficou para trás, apenas permanecendo os dois que acompanhavam Himiko.
Luther apresentou todos os membros do grupo para Himiko que educadamente cumprimentou a todos enquanto andava lado a lado de Luther.
Castiel não sabia exatamente o motivo, mas tinha o pressentimento que precisava ser cauteloso com Himiko mesmo que o sorriso gentil dela e postura elegante dissessem o oposto. Ele pensou em dizer algo para Jinn ou Kira que estavam mais próximos, porém se conteve.
Jasmim, por outro lado, se perguntava se o governador havia mandado sua filha para os analisar.
— Senhora Kami, você é da família do governador? — disse Jasmim.
— Não, eu sou da família secundária — disse Himiko.
Castiel confuso com a resposta de Himiko olhou para Kira em busca de ajuda para se lembrar o que aquilo significava e Kira disse:
— Pense nisso como um sistema de ranking que os nobres têm para se “organizarem” de acordo com poder, influência e dinheiro. A família principal costuma comandar uma região. Por experiência própria te aconselho a não se preocupar com isso, esse é um meio complicado, do qual não é divertido fazer parte.
Castiel não conseguiu se lembrar se já teve ou não algum tipo de experiência com esse tipo de coisa. Pelo jeito que ele estava vestido, tinha certeza de que não era de uma origem humilde. Mesmo ainda sendo o começo do dia, a pilha de perguntas que Castiel tinha sobre si só aumentavam.
Ao chegarem perto do portão da mansão do governador, Himiko parou, colocou a mão sob o ombro de Luther e disse:
— Antes de entrarmos, não gaste saliva falando mais do que o necessário. As cartas já foram lançadas.
— Do que a senhora está falando?! — falou Luther.
— Relaxe Emissário, logo você vai entender.
A nobre apenas seguiu o caminho até o portão onde o mordomo os aguardava.
A mansão do governador tinha um terreno extenso cheio de árvores e flores selecionadas pela própria família, portanto as cores combinavam com os tons de marrons claro e branco da casa. Ao entrarem na casa, o Mordomo que se apresentou como Blecor solicitou que deixassem todas as bagagens e armas no hall de entrada.
O espaço interno era mais rústico, e haviam algumas armas decorando as paredes, assim como retratos de membros da família que de maioria era elfa. Como os elfos vinham de uma cultura que valorizava muito a força e a glória da batalha, era algo bem comum de se ver.
Eles continuaram caminhando até o jardim dos fundos, que deixou todos boquiabertos com a beleza do local, se parecendo mais com um santuário do que um jardim.
A empregada da casa ao ver os convidados chegando, pegou pela mão o casal de irmãos que brincavam com as borboletas, enquanto o governador e sua esposa continuavam sentados no banco próximo à fonte.
O governador tinha o corpo mais parecido com o de um elfo comum. Ele era alto e robusto, tinha ombros largos que ajudavam a passar a ideia de força. Além do seu cabelo ser escuro como a noite com algumas mechas grisalhas.
Já sua esposa, também uma elfa, tinha aparência mais delicada, comum ao que cresciam longe de sua terra natal, seus olhos eram azuis como o mar e o tom de alaranjado de seu cabelo era parecido com o das folhas das árvores.
Blecor fez uma breve reverência e introduziu os recém-chegados dizendo:
— Senhor e Senhora Damaris, aqui estão os emissários do qual fomos avisados que viriam. Eles estão também acompanhados da Senhorita Kami. Os representantes são Luther Levisay e Jasmim Takahashi.
“Avisados?!”, pensou Jinn.
— Sejam bem-vindos! — disse o governador.
— Blecor, traga algo para eles comerem — disse a senhora Damaris.
O mordomo se retirou do local, Jasmim tomou a iniciativa para tratar do motivo pelo qual eles foram até a casa do governador e disse:
— Gostaria de agradecer por estarem nos recebendo tão bem em sua casa!
A emissária fez uma breve reverência e todos fizeram o mesmo, exceto Himiko.
— Pedimos perdão por estar vindo logo cedo, com nossas armas e bagagens, mas após o ataque que sofremos ontem precisávamos agir com certo nível de urgência — disse Jasmim.
— Você fala muito bem emissária Takahashi, até ousaria dizer que há um pouco de nobreza em você — disse o governador.
— Muito perceptível da sua parte, senhor, eu venho de uma família nobre.
— Interessante, imagino o que o destino fez com você para parar aqui ao invés de estar cuidando das responsabilidades de alguém de sua posição. De qualquer forma, vamos ao assunto que vocês gostariam de tratar.
Himiko, que tinha se mantido em silêncio até aquele momento, sentada em um dos bancos com o braço cruzado, suspirou ao ouvir as palavras do governador e pensando alto disse:
— Finalmente…
A Senhorita Damaris repreendeu Himiko com o olhar, todavia ela apenas fingiu não notar. Luther desconfortável com o comentário do governador, falou:
— Gostaríamos de solicitar assistência para lidar com os caçadores na região. Nossa necessidade maior não é de pessoal, mas sim de informação da região para não acabarmos mortos por eles. Com alguns policiais já podemos dar fim aos caçadores que vem matando usuários de magia em sua cidade.
— Metade dos casos são apenas de desaparecimento, emissário, não vejo necessidade para tanto — disse o governador.
— Desculpe, mas não acredito que o senhor realmente pensa que só são desaparecimentos.
— Mesmo assim eu terei que negar o seu pedido.
Jinn cerrou os punhos irritado e Castiel pensou por um momento que ele fosse fazer algo, enquanto Kira olhou para Lia confusa com a declaração do governador. Lia encarava friamente o governador.
”Ele respondeu isso rápido demais, tem algo errado aqui!”, pensou Lia.
Himiko apenas revirou os olhos, entediada e Luther sem se dar por vencido, insistiu dizendo:
— Governador, pessoas estão morrendo na sua cidade. Eu posso lhe garantir que os caçadores não vão parar, diminuímos muito pouco o número deles ontem. Eles ainda podem causar um grande estrago aqui em Port Strong.
— Como você disse, emissário, esta é a minha cidade. Sei que vocês Emissários de Vento acreditam que o Clã Aerius domina o país, mas este é um assunto interno! — disse o governador.
O governador fez sinal com a mão para que a empregada de antes se aproximasse. Obedecendo à ordem, a elfa de cabelo vermelho caminhou até o governador.
— Ena foi hoje cedo para continuar com as negociações com os caçadores — falou a Senhora Damaris — Como puderam notar no caminho para cá as pessoas estão nas ruas sem medo algum, Port Strong está segura, emissários.
Luther encarou Himiko que sorriu para ele e por fim o emissário compreendeu o que a nobre quis dizer antes deles entrarem.
“Ele não nos recebeu para nos ouvir, ele apenas nos recebeu para jogar na nossa cara que não precisa de nossa ajuda e nos mandar embora”, pensou Luther.