Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 14: Peso do Legado

Deitado em cima de uma das mesas do escritório da delegacia, Blecor gritava de dor enquanto Koloman jogava uísque em sua ferida, após ter oferecido um pouco ao homem para que conseguisse suportar a dor. 

Koloman olhou para o rosto pálido de Blecor que estava quase perdendo a consciência, depois para sua ferida e disse:

— Ian, me ajuda a mantê-lo acordado!

— Me deixem descansar um pouco… — disse Blecor com sua voz se esvaindo.

— Desculpe, mas eu não posso fazer isso — disse Koloman.

Seguindo o pedido de Koloman, deu alguns tapas na cara de Blecor enquanto falava com ele para que se mantivesse acordado.

— Kirk, vá atrás do médico imediatamente! Sei que vocês são experientes com primeiros socorros, mas vão precisar de ajuda profissional! — disse Himiko assim que se aproximou de Blecor.

No mesmo momento que a ordem foi dada, Kirk se retirou da delegacia para ir em busca do médico da cidade. A elfa colocou a mão sob o ombro de Blecor tentando confortá-lo, ele tentou sorrir para tranquilizar Himiko, mas seu esforço não conseguiu alcançar o objetivo desejado.

— Cuidem bem dele, eu vou precisar sair para resolver algumas coisas. Quando terminarem aqui me procurem que mando alguém te levar até a suas famílias — falou Himiko.

— Tudo bem, não precisa se preocupar, ele vai ficar bem. Eu acho... — falou Koloman.

“Que reconfortante ouvir isso…”, pensou Himiko. 

Vendo que Luther estava parado perto da saída, Himiko percebeu que ele estava aguardando ela para ir embora. Por um instante ela acreditou que ainda fosse por sua segurança, mas logo se deu conta que tinha algo que ele queria falar com ela ou pelo menos era a impressão que ele passava.

Após confortar Blecor uma última vez, Himiko deixou o escritório, confiando que os policiais fariam tudo certo para que suas famílias continuassem em segurança. Luther a acompanhou. Assim que eles colocaram os pés para fora da delegacia, o emissário disse:

— Eu entendo que você está em uma posição difícil com tudo que está acontecendo, mas usar as crianças de refém? Você acha mesmo que eu vou fingir que não ver esse tipo de coisa?

Himiko continuou a caminhar sem dizer palavra alguma, obrigando Luther a seguir ela.

— Você não quer me responder ou não sabe o que responder? Eu estou tentando ser paciente e compreensivo aqui, mas você não está me ajudando em nada com isso — falou Luther.

Quando estavam a uma distância segura da delegacia, as pernas da nobre ficaram trêmulas, porém ela continuou caminhando com uma expressão neutra. No entanto, isto não passou despercebido por Luther que disse:

— Você está bem?

— Estou sim, não precisa se preocupar comigo, você pode ir. Conversamos sobre isso depois, eu… preciso resolver algumas coisas… — disse Himiko.

A nobre se separou do emissário e seguiu em direção a um beco e encostou sua mão na parede para se apoiar com as mãos também tremendo. 

Luther estranhando a situação, foi atrás dela e correu para a segurar ao ver que ela estava quase caindo no chão com a respiração acelerada como se tivesse acabado de levar um susto. 

— As famílias… elas… elas… — Himiko tentava controlar sua respiração para que pudesse falar com clareza.

— O que tem as famílias? — falou Luther enquanto segurava a nobre.

— Eu coloquei elas em um lugar separado por segurança, mas nunca dei ordem alguma para os matar se algo acontecesse comigo.

“Mas ela parecia estar tão segura na cela, ela está mentindo para mim para eu continuar do lado dela? Ela é realmente boa assim em blefar?”, pensou Luther sem conseguir dizer nada em resposta a Himiko que continuou a falar com seus olhos lacrimejando.

— Eu estou cansada, Luther, muito cansada. Foi equivocado de ir conscientemente para uma armadilha sem ter nada útil para lutar. Fui ingênua de acreditar que eles não fariam nada até que o problema com os caçadores tivesse acabado. Eu só usei você para me proteger.

— Você não está usando as famílias deles de refém? — falou Luther.

— Não, eu não estou. Se eles tivessem me matado, nada teria acontecido com eles. A única que ia perder tudo era eu mesma. Eu não estava no controle de nada.

Por conta do cansaço e sentindo como se tivesse acabado de se salvar de afogamento, Himiko começou a chorar.

“Eu preciso ser forte, não era para ele estar me vendo desse jeito”, penso Himiko.

Luther se manteve em silêncio segurando Himiko enquanto ela chorava, sem mais sinais de julgamento em seus olhos. Quando a elfa finalmente se acalmou, conseguindo parar com as lágrimas, ela disse:

— Desculpe, eu devia ter contado a vocês o que eu estava planejando fazer ao invés de ter manipulado a situação para vocês cooperarem comigo. Eu apenas supus que vocês não iriam querer fazer parte disso e eu realmente precisava que isso desse certo. 

— Gostaria de dizer que se você tivesse dito a verdade desde o começo, teria cooperado com o seu plano, mas eu tentaria uma forma melhor de tirar o ex-governador do poder sem envolver a população — disse Luther.

— Eles precisavam fazer parte disso para sentirem que foi escolha deles, eu não podia impor a eles o que queria, precisava que eles estivessem de verdade ao meu lado. O que eu não contava era que o… que o… tumulto piorasse e virasse a briga que foi entre os dois lados. Eu só queria intimidar o Dariss, para ele desistir. Eu não queria que Lauren… Talvez o Dariss esteja certo e eu só piorei as coisas…

A elfa voltou a ficar ofegante, Luther esperou pacientemente até que ela se recuperasse para falar.

— A alternativa dele não era boa, deixar os caçadores matarem os usuários de magia da cidade enquanto toma um chá é desprezível — falou Luther colocando a mão sob a cicatriz acima de seu olho.

— Eu só queria fazer a coisa certa, pela minha cidade e pelo legado da minha família e eu estou dando meu melhor, mas eu só sei usar os outros. Estou longe de ser a boa pessoa que meus pais foram — falou Himiko.

Após suspirar, Luther olhou para o céu refletindo sobre a sua própria história, “No final, eu e ela não somos tão diferentes assim”.

Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos, ambos perdidos em seus pensamentos, até que Luther falou:

— Meu pai era um aventureiro, mas não um qualquer, ele era um dos melhores. Por causa disso, ele vivia sendo chamado para fazer missões para a guilda de Eskos junto do seu grupo, eles se chamavam de “Os corvos da floresta”. 

Luther sorriu se lembrando dos membros do grupo de pai, grupo este que por muito tempo acreditou que faria parte.

— Todos na vila em que eu morava admiravam muito o meu pai, eles o viam como um herói e comigo não foi diferente. Eu queria ser como ele, ainda quero ser alguém que as pessoas admirem. Entretanto, grande parte do tempo eu sinto que não estou próximo de alcançar o legado que ele deixou para mim — falou Luther.

— Era? — falou Himiko, embora soubesse qual era a resposta pelo olhar triste do emissário.

— Eu acho que ele morreu, ele foi para uma missão e nunca mais voltou. Nem ele e nem ninguém do seu grupo. Meu pai não me abandonaria exceto caso algo muito ruim acontecesse, então eu tenho quase certeza de que ele está morto. Embora eu não faça ideia de como e por quê. Eu só estou tentando carregar a tocha.

— Sinto muito, eu sei muito bem como é perder os pais. Eu perdi os meus pais e minha irmã para uma doença, fui a única que conseguiu sobreviver e eu também estou tentando o melhor pela minha família, como a última Kami.

— No meu caso, a única coisa que perdi foi meu pai, minha mãe nunca esteve lá, também acredito que ela esteja morta. Meu pai a amava, isso eu tenho certeza, sempre que falava dela ele ficava triste, embora só dissesse coisas boas, a única coisa que eu tenho dela é um retrato velho dela. Eu mantenho comigo, porém evito olhar para ele.

“Você também fica com o olhar triste quando fala dela, embora tenha o sentimento de saudade misturado nele”, pensava Himiko, “Espera, ele já está me segurando um tempão, preciso… droga Himiko você não tem classe alguma?!”.

Com as bochechas coradas, Himiko se levantou rapidamente, ainda precisando se apoiar na parede para ficar de pé. Luther ficou confuso com a atitude dela, embora não tenha demonstrado dar muita importância.

— Sabe, meu pai sempre disse que eu iria me tornar algo melhor do que um aventureiro, principalmente por ser um usuário de magia, porém tudo que eu quero é ser inteligente como ele foi. Eu sempre me divertia com a destreza dele para sair de situações difíceis. Às vezes eu acho que estou lidando com um problema com inteligência, mas são situações como a que estamos me lembram o quão longe eu estou de verdadeiramente me considerar alguém esperto — falou Luther.

— E pensar que mesmo com o que está acontecendo aqui, as pessoas falam que o mundo está em paz. Chega a ser ridículo — falou Himiko dando uma risada debochada.

— Verdade…

— Você acha que vai ficar mais fácil com o tempo?

— Eu não sei, mas eu continuo tentando por difícil que pareça ser, afinal uma pessoa muito importante para mim me disse que só se deve desistir quando essa é a escolha mais sábia. Então eu não vou desistir!

Virando o rosto para que Luther não visse sua expressão, ela sorriu admirando a determinação do emissário. Depois, surpreendendo Luther, Himiko foi em sua direção e deu um abraço desajeitado nele.

“É bom conversar com alguém que entende como eu me sinto e não espera força como se eu fosse algum tipo de figura imbatível", pensou Himiko.

— O que você está fazendo? — falou Luther sem saber como reagir.

— Obrigado pelas palavras emissário, eu também vou continuar tentando dar o meu melhor.

Luther desviou seu rosto para esconder seu sorriso envergonhado de Himiko e percebendo que ela ainda estava tremendo e usando ele para ficar em pé, o emissário a pegou no colo.

— O que você está fazendo?! — falou Himiko.

— Você não pode andar desse jeito, ainda está muito agitada — falou Luther.

— É que eu continuo vendo em minha cabeça o Dariss atirando na Lauren. Eu quase vomitei  quando ele atirou também no Blecor e quando coloquei a minha testa contra a arma dele.

As mãos de Himiko voltaram a ficar trêmulas como antes.

— Tem certas coisas que são difíceis de esquecer, não tenha pressa, você está lidando com isso melhor do que muitos soldados que eu conheço. Agora se segura bem em mim que vou te levar para lá o mais rápido possível para ajudar na proteção das fronteiras. Arte Elemental: Passos de vento! — disse Luther.

Seguindo o pedido de Luther a elfa se segurou firme enquanto ele atravessava rapidamente as ruas da cidade para levar Himiko de volta a mansão.

— Obrigado, Luther — disse Himiko se aconchegando nos braços de Luther. 

Com um enorme alívio em seu peito, a nobre sentiu que a imagem de Lauren morrendo diante dos seus olhos perdendo espaço em sua mente, dando espaço para as boas lembranças que ela tinha dela.



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