Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 1: Os Emissários de Vento

 


Ano 3815, Era da Unificação.

 

— Por quanto mais tempo você vai ficar afiando sua espada, Jasmim? — disse Luther.

O homem de dezoito anos se vestia com um sobretudo azul, camisa creme e o tinha seu cabelo castanho perfeitamente arrumado, todavia a sua vestimenta passava mais a ideia de ser um aventureiro do que um Emissário do vento. Isso se dava ao fato de não estar usando os mantos característicos de seu Clã, mas aquela havia sido uma liberdade que ele mesmo se deu por estar de férias.

Por se destacar dos seus demais companheiros devido a sua roupa e boa aparência, ele costumava atrair olhares curiosos, embora ele se mantivesse modesto quanto a isso.

O impaciente emissário encarou a mulher de cabelo comprido roxo e ela em resposta fez uma careta para provocá-lo e disse:

— Tanto tempo quanto você passa arrumando seu cabelo.

Jasmim usava um manto roxo, conhecido como: hanfu, estampado com flores e seu braço direito estava coberto por bandagens.

O emissário apenas riu de Jasmim, aos olhos dele a aparência híbrida de humana e raposa dela, característica da raça kitsune, somada ao seu rosto delicado, apenas a deixava ainda mais fofa quando fazia uma de suas caretas.

Apesar de que apenas iriam fazer uma breve patrulha nos arredores do acampamento, Luther ajeitava seu sobretudo como se ele estivesse prestes a encontrar com alguém importante.

Mas, na verdade, ele estava apenas preocupado com o que poderia estar se escondendo na floresta ao redor deles. Por conta de sua experiência, ele não se deixava enganar com noites tranquilas e paisagens bonitas.

Jasmim ao terminar de afiar a lâmina de sua espada a guardou na bainha e se levantou da pedra em que estava sentada.

— Para sua sorte eu já estava terminando. Vamos tentar não demorar muito, eu quero me juntar aos outros ao redor da fogueira — disse Jasmim para Luther enquanto olhava para seus outros três companheiros arrumando o acampamento — Esse frio desta noite está me dando muita preguiça!

Enquanto os dois conversavam, um de seus companheiros se aproximou deles, a emissária estava curiosa com o fato de eles estarem demorando tanto para ir. 

Assim como Jasmim, a mulher também trajava um hanfu, mas este era branco e ela matinha seu cabelo ruivo preso. A maioria das pessoas que a conheciam a descreviam como uma pessoa carismática e fácil de se aproximar, o que fazia com que ela conseguisse se relacionar facilmente com os outros. 

Ela, no entanto, não concordava com isso, não se considerando uma pessoa carismática, mesmo seus amigos apontando boas evidências do contrário.

A emissária deu um longo gole em seu chá, esperando os dois terminarem de falar e quando lhe foi dada uma abertura, ela disse:

— Por que estão demorando tanto aqui?! Melhor irem logo! E por favor, tomem cuidado pelo caminho. A noite está tranquila, mas os assassinos que estamos procurando podem estar nas proximidades. 

— Fique tranquila Kira, eu não vou deixar o Luther se meter em problemas — disse Jasmim.

— E-eu?! Jasmim, você falando assim parece que eu sou um irresponsável. Aliás, da última vez, foi você que arrumou briga com aquele grupo de mercenários na última cidade que estivemos — disse Luther.

— Bem… eu…

— Eu? Eu? — Luther cruzou seus braços, convencido de que uma resposta boa não viria.

Kira gargalhou se divertindo com a cena enquanto isso Jasmim fingiu estar perplexa com a situação e disse:

— Em… Em minha defesa, eles estavam extorquindo as pessoas de lá!

— Mesmo assim, poderíamos apenas ter denunciado eles! — falou Luther.

— E dar tempo para eles sumirem?! — falou Jasmim franzindo a testa — A culpa é sua! Acho que depois de todos esses anos, seu heroísmo acabou nos infectando! Não concorda, Kira?

— Desculpe, mas ela tem razão, Luther. Apesar de que você tenha tido ajuda da Sira em nos influenciar — disse Kira enquanto ria — Mas o fato é que estamos indo atrás de assassinos porque você quer ajudar as pessoas da cidade que estamos a caminho. Embora fosse muito mais fácil ter denunciado para os templários. Eles resolvem esse tipo de coisa.

— Não tem como eu apenas ignorar o que aquele homem disse no bar. Se eu posso fazer alguma coisa para ajudar, eu…

Cruzando seus braços, as duas mulheres encararam Luther. A expressão que as duas tinham no rosto foi o suficiente para que ele se interrompesse e as duas sorriram satisfeitas com o resultado.

— Tudo bem, vocês têm um ponto — disse Luther.

— Por fim, nosso destemido líder se entrega! — disse Jasmim.

Luther riu enquanto olhava para a Jasmim o acertando de leve com sua cauda. Kira sempre se divertia assistindo os dois, para ela os dois estão em uma sintonia diferente. 

Todos do grupo eram bem próximos, mas ainda assim, os dois sempre pareciam estar muito mais à vontade um com ou outro. Apenas outras duas pessoas que Kira conhecia faziam Luther agir mais como o jovem adulto que ele era e uma conexão tão forte quanto Jasmim tinha com ele.

Apesar de que Luther estava longe de ser considerado uma pessoa densa por Kira.

— E pensar que estamos supostamente de férias — falou Kira — Acho que passamos tanto tempo lutando pelo nosso clã que não conseguimos ficar parados.

— Você está bem, Kira? — falou Jasmim notando o olhar cabisbaixo de sua amiga.

— Depois que terminamos aqui, eu prometo que vamos para alguma cidade apenas a passeio. Eu sei que nos afastamos um pouco do clã para esquecer… aquela última missão. Desculpe… — falou Luther.

— Luther, não precisa se desculpar! Todos sabemos que esse é o seu jeito de se distrair e o Jinn também é assim — Kira sorriu para não trazer memórias desconfortáveis de volta. — Só espero que quando a Sira chegar, você se lembre de cumprir com o que disse.

— Duvido muito. No clã do vento, esses dois sempre incentivaram um ao outro com suas ideias malucas. Eles sempre vão atrás de outro problema para resolver — disse Jasmim — Até por isso, se não fosse por nós, esses dois iam ser evitados por todos os outros guerreiros do clã ou talvez todos os membros.

Hahahaha, realmente os outros sempre tentavam evitar fazer as missões conosco! — disse Luther sorrindo cheio de orgulho.

— Você sabe que isso não é algo bom, não é? — disse Jasmim o encarando perplexa.

— Vou me juntar a Lia e o Jinn, é melhor vocês irem andando logo para retornar antes que o chá da Lia esfrie. — Kira empurrou seus dois amigos para seguirem a trilha. — Se demorarem iremos atrás de vocês!

— Tudo bem, vamos andando Jasmim — falou Luther adotando uma postura séria.

Jasmim e Luther deixaram o acampamento e seguiram floresta adentro, por estarem em uma região próxima ao mar, eles tremiam cada vez que a brisa vinda da direção do mar passava por eles.

O lado positivo disso, era que o desconforto auxiliava a manter os dois emissários em alerta enquanto buscavam por qualquer sinal de inimigos ou alguma criatura selvagem vagando pela mata, ou escondidos em alguma das árvores que chegavam a até cem metros de altura. 

— Luther, estou sentindo um cheiro estranho vindo do leste! — falou Jasmim.

— Pessoas?! — falou Luther.

— Não sei dizer, o odor está um pouco confuso. Ainda está um tanto distante, então podemos apenas ignorar se você quiser e voltar para o acampamento.

— Melhor termos certeza de que não são as pessoas que estamos procurando. Não quero acordar com uma arma no pescoço outra vez. 

Jasmim checou os arredores após escutar um som suspeito e disse:

— É, você tem razão. Luther fique perto.

— Estava prestes a dizer o mesmo para você — disse Luther.

Embora Luther não tivesse os sensos apurados de um kitsune, ele notou que, após terem caminhado por um tempo, não haviam encontrado com nenhum animal. Fato que em regiões próximas a cidades maiores era normal, todavia como a cidade portuária que estavam indo era menor em comparação a outras e ainda distante de onde estavam, a ausência de animais acabava sinalizando que algo poderia estar errado.

A sensação que o emissário teve naquele momento foi como se estivesse andando em um beco escuro, ouvindo seu subconsciente dizendo que a chance de algo ruim acontecer era acima da média.

“Estamos nos afastando demais do acampamento, acho que seria melhor se eu voltasse com a Jasmim”, pensou Luther com sua mão se aproximando do cabo de sua espada.

— Luther! — gritou Jasmim ao ver uma mulher atirando uma flecha na direção do emissário.

Sem tempo suficiente para dizer o encantamento, Luther canalizou sua magia e a utilizou para manipular o vento ao seu redor para se movimentar rapidamente a fim de evitar a flecha. 

Essa era uma habilidade comum dos usuários de magia de vento, conhecida como passos do vento. Todavia, usar magia sem encantamento tinha um custo elevado para um usuário de magia. Por conta disso, era algo feito com cautela por emissários. Embora encantamentos denunciassem o que seu conjurador faria, tinha um custo menor e na maioria dos causos maior efetividade.

Após um breve intervalo da primeira flecha, vieram outras.

“Como eu não senti a aproximação deles?”, pensou Jasmim olhando perplexa para as outras pessoas que estavam surgindo e atirando em sua direção, “Não é fácil esconder seu cheiro de uma kitsune!”.

Removendo sua espada da bainha, Luther bloqueou as flechas que vinham em sua direção e Jasmim fez o mesmo usando os passos de vento para aumentar sua velocidade.

— São Caçadores de Elite, evite continuar usando os passos de vento! — disse Jasmim.

Jasmim, ao ouvir as palavras de Luther, notou os trajes que os atiradores estavam utilizando.

Todos eles vestiam roupas com cores escuras e rústicas com peles de criaturas mágicas. Mas o que confirmava a identidade de seus agressores era o pingente de basilisco com chifres como de uma cabra que detectava assinatura mágica. Essa criatura era conhecida como Akuq: um dos mais implacáveis predadores.

Entendendo quem eram seus inimigos, Jasmim conseguiu encontrar sentido no fato de terem conseguido camuflar o seu odor tão bem e se aproximado sem serem detectados.

Os Caçadores de Elite eram uma organização originalmente criada por pessoas sem magia com a intenção de lutar com ameaças mágicas e manter a balança do poder equilibrada em uma época em que os seres mágicos pareciam reinar supremos no mundo. 

Em seu auge os caçadores foram vistos como grandes guerreiros. Infelizmente, com o tempo a organização acabou perdendo seu rumo. Muitos abandonaram seu posto de defensores para agressores. 

Mas independente de terem se afastado de suas origens, os Caçadores de Elite ainda eram inimigos formidáveis e os mais experientes da ordem conseguiam acabar com os poderosos usuários de magia como se fossem apenas um civil comum. 

Jasmim e Luther se vendo cercados, ficaram um contra as costas do outro para obter um bom campo de visão de seus inimigos. As rotas de fuga naquele momento não eram boas e mesmo que conseguissem se retirar de onde estavam, era óbvio que seus inimigos iriam atrás deles. 

— Vamos ter que forçá-los a recuar! — disse Jasmim.

— Bem, somos dois contra de… doze. Acho que podemos fazer isso acontecer — disse Luther.

— Não vão tentar fugir?! — disse um dos caçadores.

— Desculpe decepcioná-los, mas não estamos interessados em correr! — disse Luther.

— Uma pena, isso tornaria as coisas mais divertidas! — disse outro caçador.

Após o caçador ter dito aquilo cheio de desdém, os outros caçadores avançaram contra os dois emissários.

Embora não fossem restritos a isso, Emissários de Vento costumam focar em fluidez e velocidade em seu treinamento. Com isso eles se tornavam excepcionais em esquiva, porém à custa de uma maior força bruta.

Luther e Jasmim conseguiram lidar bem com a primeira onda de ataques, mostrando uma forte defesa.

Infelizmente eles não conseguiram contra-atacar tão bem, já que os inimigos utilizavam armas variadas como machados, espadas e adagas, dificultando para os dois manterem uma abordagem fixa para o combate. 

Ainda havia o problema de que mesmo que fossem mais rápidos do que a maioria dos caçadores, o tempo de reação que eles tinham era muito pequeno para um contra-ataque mais potente.

Os emissários giravam enquanto mantinham a formação, Luther conseguiu arrancar o braço de um dos caçadores, porém outro o atingiu com uma adaga em seu braço esquerdo que por sorte não era o que ele utilizava para lutar com sua espada.

— Luther, vamos ter que ceder e usar magia! — disse Jasmim.

Jasmim utilizou os passos de vento para aumentar sua velocidade e arrancou os dedos do caçador que acertou Luther.

— Tudo bem, vamos acabar logo com eles, os outros já devem estar ficando preocupados com a nossa demora — disse Luther.

Embora os dois emissários estivessem muito ocupados para ver, um dos caçadores sorriu satisfeito ao ver que finalmente seus oponentes estavam utilizando magia e pensando alto, ele disse:

— No fim, eles são previsíveis quanto ele disse que seriam! Esses emissários nunca deveriam ter se aproximado desse lugar!

O caçador avançou com os seus companheiros, ciente de que tudo ele precisava fazer para que o plano deles funcionasse, era continuar pressionando até que os emissários ficassem esgotados.



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