Em Outro Universo Angolana

Autor(a): Tayuri


Volume 2

Capítulo 15: O Dia do Corte de Cabelo

Sons inaudíveis começaram a entrar nos ouvidos de Aiyden, soando como se estivessem distantes. Aiyden pensou em se mover, mas não passou de um pensamento. Seu corpo estava pesado, e os olhos não abriam mesmo que pudesse sentir a luz do ambiente. As lembranças passaram a invadir sua mente quando por fim os sons se tornaram audíveis. 

— Seus batimentos estão ficando mais fortes. A pressão também está melhorando.

— Vamos fazer uma segunda limpeza. Será ruim se tivermos deixado passar algo.

— Devo ir buscar a Aileen?

— Primeiro vamos dar-lhe a injeção e depois deixamos que ela o analise.

— Mas ele é impressionante. O coração não parou nem por um segundo, eu ouvi que era bastante forte. A taxa de sobrevivência é realmente alta?

Forte? Eles…me envenenaram? 

— A maioria sobreviveu. É apenas uma medida preventiva então não há uma grande intenção de matar. É quase como um teste. Mas não realmente. — Um bocejo. — Não é tão letal quanto alguns pensam, mas…talvez a sobrevivência dele tenha haver com o facto dele ter poderes, ou pode ser apenas por uma questão administrativa. 

— Administrativa? 

Aiyden abriu os olhos, os sons das máquinas se tornaram mais altos, e os olhos de Cherry Von encontraram os seus. Ela sempre o detestou, tanto quanto detestava Ian Moore.

— Ele pode ter sobrevivido porque o plano era que ele sobrevivesse. Em outras palavras, eles podem administrar de forma diferente para diferentes pessoas, dependendo se a intenção é eliminar ou exibir.

Cherry olhou para outra pessoa que não estava no campo de visão de Aiyden, o qual começou a sentir dor, uma dor vinda de algum lugar e que rapidamente se alastrou por todo seu corpo o fazendo por fim sentir alguma coisa. O corpo ainda estava pesado, a boca amarga, a garganta parecia fechada e era difícil de respirar. Era como se do nada seu corpo tivesse se lembrado que deveria estar mal, que havia sido envenenado. 

— Prepare a injeção. Vamos terminar logo com ele para entregá-lo ao Ian. Não aguento mais tê-lo no meu pé.

Aiyden sentiu uma leve dor em seu braço direito e, em seguida, apagou e quando despertou, apenas Ian Moore estava lá.

— Vão tentar me envenenar de novo? 

Aiyden se sentou, olhou para Ian e o cansaço que viu em seus olhos o fez parecer mais velho do que provavelmente era. 

— Como se sente? — perguntou Ian e Aiyden quis rir, porém não conseguiu.

— Como…se tivesse sido envenenado — soltou o ar lentamente e levou a mão ao peito, esfregando-o levemente, e foi então que percebeu que não estava mais usando a roupa de guerra, mas sim a roupa da ala médica. 

— Seu peito doi? 

Ian não esperou por uma resposta. Tirou um estetoscópio do bolso, colocou nos ouvidos e meteu a membrana por baixo da camisa de Aiyden. — Sua respiração ainda está um pouco irregular, mas deve melhorar logo. — Guardou o equipamento e passou os olhos pela bolsa de soro. — Quando terminar o soro, podes voltar para a sala do grupo. 

— Por qual razão exactamente me envenenaram? — Seus olhos voltaram a se encontrar e o cansaço nos de Ian mais uma vez o incomodaram. — Foi por ter ameaçado matá-la? Ou há algum outro motivo? — Ian permaneceu em silêncio. — A quanto tempo vocês vêm me envenenando? Foi recentemente? Por que você não está respondendo?

Aiyden apertou o lençol e sentiu a frustração crescer. Os olhos de Ian dificilmente eram fáceis de ler, mesmo quando sorria não significava que estava realmente feliz, não dava para saber o que estava pensando ou quais eram suas reais intenções, mas naquele momento Aiyden podia ver claramente que ele estava com medo. 

— Porque eu não as tenho. Não é que não quero responder, eu só…realmente não tenho nenhuma resposta.

Aiyden engoliu em seco quando sentiu um nó na garganta. 

— Então, o que foi aquela pergunta? Quando eu estava indo para a guerra. Não era um aviso de que eu iria morrer? — perguntou em um tom baixo.

— Eu estava errado — falou Ian, em um fio de voz. — Interpretei errado. Estava errado.

Doutor Moore umedeceu os lábios e passou dois minutos olhando para o soro até que finalmente falou: 

— Vá embora quando o soro terminar — disse Ian e antes que Aiyden pudesse lhe pedir para ficar, o doutor partiu.

.

.

A porta da sala compartilhada se abriu e Aiyden a atravessou. Deu quatro passos em frente e foi para o lado esquerdo onde sentou no chão e se encostou à parede. 

Aiyden fechou os olhos. A voz de Chloe surgiu, ecoando em sua mente e provocando-lhe uma leve dor de cabeça.

Como está se sentindo?

Péssimo!

O que fizeram com você? Os outros relataram que passaste mal e que não queriam te oferecer tratamento.

Acho que fui envenenado. Mas ainda não tive a real confirmação disso…Você está bem? O mais provável é que tenham colocado na comida então…

Estou bem, não sofri nenhum problema que pudesse ser causado por veneno.

Aiyden assentiu. 

O plano? Como estão as coisas?

Kieran já posicionou as sombras e, segundo o que elas relataram, a informação é verdadeira. Nossos maiores alvos estão nas coordenadas indicadas. E tal como disseste, é apenas uma máquina que aumenta e reduz os nossos poderes. Um operador e um Tecnopata ficam na sala; entretanto, parece que ambos assumiram o cargo recentemente. Os outros foram retirados do cargo, e acho que pode ser por causa do que aconteceu com a Astrid, mas é apenas uma suposição.

Aiyden olhou para as próprias mãos.

Pede ao Kieran para procurar por eles.

Ele já está fazendo isso.

Aiyden assentiu para o nada.

Quantos temos do nosso lado até ao momento?

Vinte e oito. Estou excluindo a maior parte das crianças, porém acho que precisaremos pedir ajuda de alguma delas, será apenas para pequenas tarefas que podem ser feitas a distância e já tenho duas pessoas para cuidar deles. Estarão seguros quando atacarmos.

Acha que os mais velhos se juntaram a nós? 

A voz de Chloe se foi e Aiyden se conteve para não olhar para o lado. 

Nenhum integrante do grupo P voltou da última missão e os outros estão na fronteira. Não acho que consiga os alcançar e também não sei se eles aceitariam, eles…de todos nós eu acho que eles são os mais conformados com tudo isso. Acho que nem se importam com nada e a maioria deles bem…não estão muito diferente do Atlas. 

Então é um não. 

É. Estamos por nossa conta. 

Como sempre. Aiyden não quis que Chloe ouvisse aquilo, porém diferente dela, ele não podia desligar aquela chamada quando quisesse.

E Layne, consegues trazer ela para o nosso lado? 

Não sei. Acho melhor sermos cuidadosos. Se nos dirigimos a pessoa errada, tudo pode cair para nós. E…não me entenda mal, eu…não os considero inimigos, é só que…Eu sei que eles desfrutam de algumas coisas boas porque Russell assim o permitiu, por sei lá alguma razão…mas a questão é…não sei se eles estariam realmente dispostos a lutar contra o centro e… 

Chloe você está bem?

Por que a pergunta?

Você está se explicando demais e você normalmente não faz isso, por isso perguntei. 

Novamente Chloe ficou em silêncio e Aiyden esperou até que a ligação retornou. 

Tenho coisas demais na cabeça. O tempo está acabando e os problemas estão só aumentando. 

Ficaram em silêncio e alguns minutos mais tarde Aiyden perguntou:

Quanto tempo…fiquei desacordado? 

Duas semanas. 

Aiyden assentiu, antes de fechar os olhos.

.

.

Novamente Aiyden estava sentado na mesa do grupo quinze, no entanto diferente de antes sua preocupação não era mais em estar sentado na mesa do grupo quinze e sim em sua comida, a qual ele olhava como se fosse engoli-lo.

Muito lentamente a bandeja foi arrastada para longe e no lugar foi colocada outra. Era a de Chloe.

— Vamos partilhar.

Chloe colocou sua colher na mão de Aiyden quase forçando-o a pegá-la. 

— Se continuar sem comer, você vai nos atrapalhar então coma — ordenou Chloe. Dividiu o pão ao meio e entregou um pedaço a Aiyden que o recebeu. 

— Você também tem de comer — falou Logan, e empurrou sua bandeja em direção a Chloe. 

— Também podem pegar da minha bandeja e tome mais pão. — Astrid colocou um pedaço de pão na bandeja de Chloe, que agora era de Aiyden. Ela sorriu e Aiyden se sentiu estranho ao olhá-la, por alguma razão aquilo o fez lembrar de outra coisa.

— Eiiii!! — Jase quase gritou, enquanto estendia o braço para impedir Lucky de comer a comida que estava na antiga bandeja de Aiyden. — Cospe!! — ordenou, tentando alcançar a maçã que estava na mão de Lucky.

— Já engoli — sorriu, e Jase arrancou a maçã de sua mão, furioso. — Não me olhe assim. Estou apenas ajudando o nosso companheiro a ultrapassar o medo de comer que adquiriu — disse e olhou para Aiyden. — Não há veneno na comida. Eles te envenenaram de outra forma, então para com a greve de fome. 

— Lucky! — chamou Chloe, em um tom de advertência. 

Lucky olhou para Chloe, o olhar mudando, como sempre.

— Eles fizeram tudo propositalmente. Sabiam o que aconteceria e que ele teria a chance de sobreviver, então qual seria o sentido de fazer de novo? 

— Eles podem ter feito. Por que raios você comeu essa coisa? 

— Porque não está envenenada e também, se eles estão envenenando a comida dele, podem estar a fazer o mesmo com a nossa. Então fica com a minha comida, eu irei comer a sua hoje. 

Lucky empurrou sua bandeja para frente e pegou a de Aiyden. 

— Irmãozinho, coma — indicou a maçã que estava na mão de Jase, o qual após assisti-la comer, decidiu dar uma mordida na maçã. 

— Se eu morrer será sua culpa.

Lucky sorriu e olhou para Chloe, a qual pegou uma tangerina e muito lentamente a descascou, quando terminou ofereceu um pedaço para Astrid e outro para Logan. Eles se entreolharam e aceitaram. 

Todos excepto Aiyden comiam, enquanto ele só assistia.

Estava tudo uma confusão. Eles não deviam partilhar comida e ele não devia se sentar aí. Eles não deviam comer a comida dele.

— Já faz dois dias que você não come — disse Lucky, os olhos encarando Aiyden de uma forma que fez um sentimento estranho surgir em seu peito. — Seu corpo cairá se não o fizer hoje, então coma, agora!

Aiyden comeu.

.

.

— Chloe Walsh, Jase Aatz Attwood e Aiyden. Corte de cabelo — anunciou um ajudante, o qual entrou na sala compartilhada com dois guardas em seu encalço. 

Chloe e Jase se levantaram e, um tanto quanto desnorteado, Aiyden seguiu os outros. 

 No lado de fora da sala os soldados estavam alinhados uns ao lados dos outros, ao passo que o ajudante e os guardas estavam na frente. 

— Nem acredito que já temos 18. — Jase passou a mão pelo pescoço. — Mais um ano e vamos para o grupo P. — Seu rosto se desfigurou em uma expressão desgostosa. — Mas… — olhou para Aiyden, o qual estava entre ele e Chloe. — Você realmente tem 18 anos? 

Jase o encarou de cima a baixo e Aiyden sentiu que aquela pergunta era por conta de sua altura, e isso o fez se sentir incomodado e talvez mais baixo do que realmente era diante de Jase, que era…alto. 

— Sei lá.

Você por acaso sabe de algo sobre si mesmo? 

Jase e Aiyden encaram Chloe ao mesmo tempo, e assim também desviaram o olhar.

Meu nome é Aiyden. Se esse nome foi dado pela minha família ou não, eu não sei. Sinceramente acho que sei tanto sobre mim, quanto vocês. 

Jase e Chloe se entreolharam.

Quando você chegou aqui? E quantos anos você tinha?

Sei lá.

Aiyden queria que aquele assunto morresse. Ele não tinha resposta para nenhuma das perguntas que poderiam surgir daí. 

Você nasceu aqui ou algo assim? Jase perguntou em um tom que deixava claro seu desgosto, quanto à possibilidade de alguém nascer naquele lugar. E não diga: sei lá, já está começando a me irritar.

Aiyden olhou brevemente para Jase, suspirou e soltou um: Não sei. Jase revirou os olhos.

Espera. Você havia mencionado antes que veio para o centro com quatro ou…cinco anos? Você me disse quando fomos para cidade de amarílis.

Eu disse? Já nem lembrava dessa conversa. 

Você não nasceu aqui. Chloe decidiu. Sua aparência sugere que seus pais sejam sodalitanos, ou ao menos um deles. Quando era nova sempre ouvia que sodalitanos têm sangue forte. Então ao menos um deles deve ser, você se lembra de alguma coisa? Pessoa ou lugar?

Sodalitano?

Você parece um. Pensou Jase e Aiyden tentou não pensar realmente naquilo, pensar sobre seus possíveis pais nunca o levavam a um bom lugar.

Eu não lembro de nada. Não sei de onde posso ter vindo, ou para onde algum dia poderei ir. 

Curvaram em um corredor e, lentamente, Aiyden foi ficando para trás, enquanto Chloe e Jase encontravam seus conhecidos. Trocaram cumprimentos e engataram em conversas das quais, Aiyden não sabia nada sobre ou até tinha convite para participar.

Meninas foram para uma sala e meninos para outra. Aiyden ficou em uma fila, enquanto que Jase e outros soldados foram chamados. 

Jase foi ordenado a sentar em frente a um espelho e tal como os outros um ajudante foi até ele. O homem de prováveis vinte e sete, era ruivo, tinha os braços musculosos expostos e uma tesoura na mão esquerda e pente na direita.

— O que vai fazer no meu cabelo? Você realmente sabe fazer isso? Não vai cortar tudo, certo?

Aiyden ouviu algumas gargalhadas, não era o único olhando para Jase. 

— Minha cabeça é realmente bonita, mas…— abanou a cabeça. — Eu não gosto de tirar todo o cabelo.

— Se não ficar calado, eu irei fazer uns quatro caminhos — ameaçou enquanto fazia movimentos com a tesoura pela cabeça de Jase.  

— Oh! Eu estava só perguntando. Mas…corte apenas um pouco. Não corte tudo — sua voz ficou séria. — Isso é algo…que minha…mãe deveria estar fazendo, então…

O ajudante encarou Jase pelo espelho por um longo tempo até que suspirou e assentiu.

— Tudo bem! Agora será que pode calar a boca e parar de se mover?

Jase fechou a boca e assentiu, o ajudante por sua vez segurou sua cabeça e Jase ficou estático e assim o homem começou seu trabalho, o qual durou uns quinze minutos e Jase e os outros já terminados avançaram para a saída e Aiyden e os restantes foram chamados, no entanto enquanto os outros eram levados para as cadeiras dispostas pela sala Aiyden foi levado para uma porta, a qual ficava ao fundo da sala.

Aiyden entrou e o ajudante indicou para que sentasse na única cadeira disponível na sala branca, Aiyden o fez e o ajudante se foi.

Que lugar é esse? Eles…

Aiyden olhou a volta e só havia duas portas, a cadeira na qual ele se sentava, um espelho e uma mesa com vários utensílios para cortar cabelo, não havia mais ninguém, só ele. Eles o haviam excluído de novo, empurram-no para longe, a parte do resto. Eles não eram iguais. Não podiam sequer cortar o cabelo no mesmo lugar. 

Pelo que pareceram vinte minutos, Aiyden ficou sentando diante do espelho, olhando para os materiais e algumas vezes para as paredes brancas que pareciam estar perto e distante ao mesmo tempo.

A porta do outro lado se abriu e de lá passaram quatro homens, todos vestidos de preto, usando máscaras que deixavam apenas seus olhos à mostra. 

Eles se aproximaram e sem sequer proferirem uma única palavra começaram a trabalhar, onde um dos quatro actuava como o principal enquanto que os outros como auxiliares, apenas entregando os materiais que lhes eram pedidos com simples gestos de mão. 

Calmamente o homem foi cortando e cortando, até que sua mão que segurava a tesoura parou e seus olhos foram para o espelho, ele olhou para Aiyden que em um total de cinco segundos baixou o olhar, encarando intensamente suas botas e desejando que aquele par de azuis não o estivessem encarando mais. 

Aquele homem não deveria ser nada além de um ser humano normal. Não tinha poderes ou armas. Ele não deveria ser um soldado super habilidoso. Era só um ajudante. Só um ajudante. Aiyden deveria ser mais forte que ele, poderia controlá-lo, seus poderes estavam funcionais, mas…até terminarem o trabalho e o homem partir, Aiyden não conseguiu levantar olhar.

 

 

 

 

 



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