Em Outro Universo Angolana

Autor(a): Tayuri


Volume 1

Capítulo 2: O morto vivo controlador de mente Parte — I

Eram os mesmos olhos negros. Era o mesmo rosto e até a mesma voz, contudo, Astrid não conseguiu ousar em chamá-lo pelo nome ou até pedir-lhe para abaixar a arma, aquela que a qualquer momento podia perfurar, ou sua testa, ou seu coração.

Ele caminhava a passos lentos. Seu rosto, seu cabelo e suas roupas estavam manchados de sangue, tal que Astrid não conseguiu deixar de se questionar, se era dele ou dos Ciborgues espalhados pelo chão, aparentemente mortos.

Após longos e tortuosos minutos de caminhada, o menino por fim parou e consequentemente Astrid também.

— Vou perguntar pela última vez — disse, depois de um longo tempo. — Quem é você?

— ...

— Se não responder, serei obrigado a atirar.

Astrid permaneceu em silêncio, mesmo temendo que sua ameaça fosse real ela não conseguiu se forçar a falar ou até mesmo acreditar que tudo aquilo não passava de um sonho, não quando o frio e o medo que congelavam seu corpo eram tão palpáveis.

— Você é uma civil? Se for mostre o seu cartão. — Ele estendeu a mão livre para ela que mais uma vez preferiu o silêncio. — Você é alguém do Centro? Ou... és uma fugitiva?

E nada, não veio nada além de absoluto silêncio. Um suspiro pesado deixou os lábios do garoto, seu rosto pálido ganhou uma expressão mais séria e seus olhos negros olharam para Astrid com uma mistura de pena e curiosidade.

— Se você não responder às minhas perguntas, então terei de assumir que é uma inimiga.

Segurou a arma com as duas mãos e isso foi o suficiente para Astrid perceber que ele iria mesmo atirar. Com as mãos ainda levantadas em sinal de rendição, ela recuou alguns passos e antes dele apertar o gatilho, Astrid se teletransportou alguns metros para trás. Mas tal fato apenas foi registrado pelo menino, pois ela tinha toda sua atenção voltada à arma que estava sendo apontada para sua testa.

— Você...

— Soldado Aiyden! Soldado Aiyden!

Uma voz robótica cortou o ar, silenciando completamente o garoto.

— Soldado Aiyden! — Tornou a chamar e um tempo depois Aiyden olhou para o céu, onde uma pequena ave robótica de cor azul voava de um lado para o outro. — Soldado Ai...

— Pare de me chamar! — falou aborrecido, quando a ave pousou em seu ombro. — Ciborgues?

— Sim.

— Quantos são?

— Dez no total! Carregam arcos e flechas, pistolas, espadas e adagas. — Informou a ave, que tinha a palavra: R14 gravada em sua asa direita.

— Algum deles carrega escudo?

— Não!

— Estão há quantos metros daqui?

O pássaro ficou em silêncio e alguns segundos depois voltou a falar:

— Eles estão a 900 metros. Aconselho a se preparar.

— Entendido.

— O-o pássaro... ele... fala..?!!! — Com uma expressão de pura incredulidade, Astrid se pronunciou, pela primeira vez.

 — E parece que você também — disse Aiyden.

Os olhos azuis do pássaro se encontraram com os de Astrid.

— Quem é você? Se for uma civil mostre seu cartão!!

— Oh!! Você fala mesmo. — Astrid levou a mão à boca e depois levantou a mesma.  — Espere! ...I-isso não pode ser possível. Pássaros não falam... certo!! Pássaros não podem falar. — Abriu um sorriso nervoso. — Isso deve ser um sonho. Claro, isso é um sonho...é...só um sonho! — dizia para si mesma enquanto sorria.

— Mostre seu cartão! Se for uma...

— Fique quieto! Ela não está nem te ouvindo.

Em silêncio, Aiyden e o pássaro assistiram Astrid andar de um lado para outro, com um largo sorriso no rosto, que fez Aiyden se lembrar de seu maior medo.

Ele limpou a garganta e prosseguiu:

— E acho que ela não é uma soldada do Centro.

— Então é uma inimiga. Deve ser eliminada!!

O corpo de Astrid congelou e involuntariamente olhou para os ciborgues espalhados pelo chão, parecendo realmente mortos. Não, eles estavam mesmo mortos. Esse foi o pensamento que passou por sua mente antes de ela olhar para Aiyden, que também a encarava, porém não com o olhar de alguém que ia matá-la a qualquer momento, mas sim um olhar pensativo e curioso.

Ele não vai me matar, não é? Ele não matou esses Ciborgues, certo? Ele é só um estudante do ensino médio...ele...não seria capaz de matar uma pessoa... não é?

— Não vou matá-la.

Astrid arfou, muito lentamente.

— É uma ordem!!

— Ela tem poder.

A ave ficou em completo silêncio. Aiyden continuou:

— No entanto, não acho que ela seja uma fugitiva. Ao menos não é isso que sua aparência sugere.

— ...

Muito lentamente o pássaro deixou seu ombro.

— Por isso me pergunto se... por acaso ela é que tem se escondido bem demais ou se o Centro não é assim tão bom em localizar campeões como dizer ser, huh?

— Assim que terminar aqui aguarde em alguma caverna por resgate e tente mantê-la viva — falou o pássaro, e sem esperar qualquer resposta de Aiyden, passou pelo ombro dele e saiu voando.

— Sim! Eu irei tentar.

Aiyden virou-se. Levantou sua pistola e sem hesitar atirou nas duas asas do robô. A pequena ave caiu e quase a tocar no chão, explodiu.

Era mesmo de verdade!! Com os olhos fixos na arma que estava na mão de Aiyden, Astrid engoliu em seco enquanto tentava fazer o mínimo de barulho possível, pois de forma alguma queria ter o mesmo fim que o pássaro falante.

Aiyden guardou a pistola no coldre, preso em sua perna direita, e em seguida olhou para Astrid a qual deu alguns passos para trás.

— Não se preocupe. Eu não irei atirar em você... claro, isso se você não tentar atirar em mim primeiro.

— Você.... não irá me matar mesmo?!

— No momento não há qualquer razão para isso, então pode ficar descansada.

Quer dizer que se houver uma, ele vai me matar.

— Porquê? Por que está fazendo isso? É porque peguei seu lugar? Se for por isso e-eu sinto muito!!

Aiyden coçou a palma de sua mão, enluvada, enquanto assistia Astrid, silenciosamente.

— Mas não acha que isso é um pouco demais?!! — Soltou exasperada. — Co-como você pode me ameaçar com uma arma!! E-eu poderia te denunciar.

— Me denunciar?

— Sim!

— A quem? Não... do que exatamente você está falando? De que lugar estás a te referir?

— Você sabe!

— Não, eu não sei.

Eles se encararam por alguns segundos, em completo silêncio até que Aiyden começar a falar:

— Não sei se percebi errado, mas você fala como se nos conhecêssemos...

— Você quer mesmo continuar com isso?! Vai continuar com essa pegadinha idiota?

— O quê... Eles estão chegando.

— Eles quem?

Sem dizer nada, Aiyden levantou uma mão e apontou para alguma coisa atrás dela. Astrid se virou, seus olhos azuis piscaram e depois se arregalaram.

— Ci-ciborgues. — As palavras de Astrid saíram em um tom baixo. Seus olhos brilharam de medo e ansiedade ao contemplarem o grupo de dez Ciborgues que vinham ao longe, marchando em perfeita sincronia.

Astrid engoliu em seco. Baixou seus olhos para os Ciborgues que estavam espalhados pela neve e perguntou:

— Por que eles foram mortos? E... — Levantou seu olhar para aqueles que vinham em sua direção. — Porquê eles estão vindo para cá?!

— Porque somos inimigos. Porque estamos em uma guerra.

Foi tudo que ele falou antes de se afastar. Aiyden caminhou até um Ciborgue que estava deitado de costas no chão, segurando um rifle contra o peito, como se fosse algo muito precioso, o que Aiyden pode comprovar, após usar muita força para tirá-lo das mãos do Ciborgue. Em seguida, procurou pelas munições e agradeceu mentalmente por não estarem nas mãos dele também.

Astrid por sua vez permaneceu parada, olhando para os Ciborgues enquanto tentava processar a palavra: Guerra em sua mente.

— Com o R14 destruído. Eles vão demorar um pouco para nos localizar. — Caminhou em direção a Astrid enquanto carregava o rifle. — Então creio que poderás escapar antes do Centro chegar.

Parou de frente a ela. Retirou a pistola do coldre e estendeu-a para Astrid.

— Por que está me dando uma arma?

— Você não sabe usá-la?

— Porquê raios eu saberia usar uma arma?!!

— Para atirar. Não é óbvio?

— Não!!

— Você ao menos sabe lutar?

— Por que...

— Só responda. Sim ou não?

— Não!!!!

— Entendo! — Guardou a pistola. — Bem... como já deve ter percebido eu não estou em um bom estado, possivelmente devo ter em torno de uma hora ou até menos que isso, até ficar inconsciente. Então a nossa melhor chance de sairmos vivos daqui é que você lute, ou melhor... que o seu corpo lute. E se por acaso conseguirmos sair vivos eu definitivamente irei deixar você fugir.

— Se por acaso conseguirmos sair vivos — repetiu com um olhar perdido. — Isso quer dizer que há uma grande chance de morrermos!?

— Sim!

— Claro! Eu vou morrer!

— Talvez...sobrevivas.

— Talvez... E-eu preciso sair daqui.

Astrid deu um passo para esquerda e depois para direita, repetiu a mesma sequência até que se cansou e somente ficou olhando para as montanhas cobertas de neve e para a floresta que estava alguns metros deles, parecendo ser um ótimo lugar para fugir e o péssimo para se perder lá.

— Você... — Fixou seus olhos em Aiyden. — Onde eu... nós estamos?

— Na fronteira a Leste do reino de Aquamarine, ou seja, estamos em uma zona de guerra.

— Por que continua falando de guerra? Você faltou às aulas de história?! A guerra acabou em... mil... oitocentos...e alguma coisa — disse a última parte muito rapidamente. — E-e definitivamente nós não podemos estar na fronteira e muito menos em Aquamarine.

— E porquê não?

— Porque Aquamarine, não neva e nunca irá nevar.

— ...

Aiyden expirou fundo, soltando uma pequena fumaça pela boca. Por um tempo muito curto encarou seus olhos azuis e seu cabelo, notando assim que a raíz era castanha e não azul, como as pontas. Seus olhos desceram e ele gravou em sua mente o pequeno casaco que era verde de um lado e roxo de outro e por fim ele parou no atacador verde que estava atado a um de seus tênis.

— Você... — Olhou para os olhos de Astrid. — Você é realmente uma Aquariana?

— Sim! Por quê estás a me perguntar isso?

— Porque você parece não ser. — Aiyden passou a mão pela única madeixa de fios brancos que havia em seu cabelo. — Eu não tenho a real noção de como é a vida dos civis, mas creio que seja difícil eles não souberem que existe uma guerra ou até que não podem usar a cor verde.

Involuntariamente Astrid olhou para seu casaco.

— Desculpe, mas você me parece realmente estranha.

— Digo o mesmo. Você tem agido estranho. Está falando coisas estranhas e para piorar eu estou começando a acreditar que tudo isso é real.

— E é real. Ao menos para mim tudo isso é a mais pura realidade.

— Mas para mim não. Para mim tudo isso não pode ser real. Não tem como eu ter saído da minha casa em um piscar de olhos.

— ...Bem!! Se isso não é um sonho, mas também não parece real para você, então talvez... — Coçou a palma da mão. — ...Essa não seja a tua realidade.

— O que isso quer dizer?

Aiyden não respondeu e somente segurou o rifle contra o peito e endireitou sua postura que estava um pouco curvada. Segurando o rifle com a mão direita, esticou a esquerda para o cinto, onde carregava quatro bolsas e de dentro de uma delas ele retirou um objeto e jogou para Astrid que o pegou instintivamente.

— O que quer que eu faça com essas duas bolas de metal?

Perguntou após ver o objecto que havia entre suas mãos.

— Você não precisa fazer nada. Deixe que me encarregue de tudo.

 

 

 



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