Volume 1
Capítulo 1: A Mão da Mulher dos Sonhos Ganha Vida
Dessa vez...
Ela havia morrido. A protagonista dos seus sonhos estava morta. Astrid acordou abruptamente com o suor escorrendo por seu rosto e uma dor enorme em seu coração. A sensação de perda e angústia se instalaram novamente dentro de si, deixando-a imóvel e completamente perdida nas imagens do seu pesadelo, tais que, seu cérebro fazia o favor de continuar enviando, vezes e vezes sem conta.
É apenas um sonho. Respirando com dificuldade, ela levou uma mão ao peito. Não é real! Respirou fundo e repetiu as mesmas palavras várias vezes até que seu cérebro e seu coração decidiram acreditar.
Sem conseguir mais pegar no sono, Astrid após deixar sua cama ligou a luz do cômodo e logo depois sua companheira de quarto, a qual dormia na cama de baixo do beliche, começou a se remexer enquanto soltava algumas palavras em Citriniano, as quais eram completamente incompreensíveis para Astrid, que tentou acreditar que ela não estava a xingando em outro idioma. Ao som dos resmungos de sua companheira, Astrid foi até sua escrivaninha e recolheu todos os materiais que iria precisar. Sentou-se no pequeno sofá encostado à janela com uma tela em sua frente e materiais de desenho em suas mãos. Ela encarou a tela em branco por um longo tempo até que decidiu começar.
Em sua mente, objetivou desenhar o jardim das aves o qual ficava no centro da cidade de Anthurium, porém acabou obtendo um resultado bem diferente. Ao invés de um lindo jardim repleto de aves, Astrid desenhou uma cena do seu pesadelo: uma mulher de cabelo azul em uma floresta. Ela estava em pé, com seus olhos azuis à beira das lágrimas e com vários cortes cobrindo seu braço direito que estava estendido para frente como se fosse alcançar algo.
Um suspiro escapou de seus lábios, antes de abaixar o pincel, coberto de tinta vermelha, o qual usou para pintar o sangue da mulher. Com os olhos fechados, encostou-se à parede e ao som de uma trovoada ela os abriu, passando assim a contemplar o céu nublado. Assistiu a fina chuva cair, tão atentamente que seus olhos não registraram. Eles não viram quando várias e várias lágrimas começaram a cair dos olhos da mulher, tal como não viram quando os dedos que ela havia desenhado começaram a sair da tela.
Tinta vermelha escorreu dos dedos da mulher, gotejaram na calça roxa de Astrid, que tinha agora os olhos nas pessoas que andavam de um lado para outro na quadra, escorregando uma ou outra vez na relva molhada, arrancando-lhe assim alguns sorrisos e deixando-a alheia ao que estava acontecendo.
Os dedos até então parados, começaram a se mover; se contorcendo e se esticando levemente para depois se impulsionarem para frente, indo em direção a Astrid. Bem perto de tocar em seu pescoço a mão parou, o som que anunciava a corrida matinal tocou e o braço voltou para tela.
— Já... é de manhã?! — perguntou sua companheira, virando a cabeça de um lado para outro, de olhos fechados.
— Huh! — Astrid abriu a janela, sendo logo atacada por uma brisa fresca que a fez abraçar o próprio corpo e um cheiro de chuva que a fez sorrir minimamente. — Ian estará supervisionando a corrida de hoje — falou um tempo depois.
— Aaaaah! Porque logo hoje tinha de ser o treinador Moore?!
— Planos? — Astrid se virou, com um cotovelo apoiado na janela e a cabeça apoiada na palma da mão.
— Sim. — Se espreguiçou e entre bocejos falou: — Queria ir à biblioteca.
O cotovelo de Astrid escorregou, sua cabeça foi para baixo, mas ela rapidamente se recompôs voltando para mesma posição, como se nada tivesse acontecido.
— Você está bem?
— Sim! Sim! Eu... — Jogou algumas tranças para trás e tirou o cotovelo da janela. — Estou bem. — Completou e pelo canto do olho viu seu desenho, triste e assustador. — Kira. — Ao ouvir seu nome ser chamado, a menina de longas tranças loiras parou de arrumar sua cama e desviou seus olhos para Astrid, a qual pegou na tela, saiu do sofá e caminhou até ao beliche, onde parou de frente a Kira e estendeu a tela para ela dizendo:
— Não gostei do resultado. Queres ficar com ele?
Sem dizer nada, Kira baixou seus olhos castanhos e analisou atentamente o desenho, como se quisesse guardar cada detalhe dele. Um tempo depois voltou a olhar para Astrid e com um aceno de cabeça o rejeitou.
— Obrigada! Mas terei de negar, dessa vez. — Com um sorriso no rosto ela passou por Astrid, indo em direção ao banheiro, todavia parou de frente a porta quando Astrid começou a falar:
— Qual é o motivo? Por que sempre rejeita quando lhe ofereço um desenho dela?
— ...
Kira tinha a mão na maçaneta, mas não entrou. Por um tempo apenas ficou girando-a de um lado para o outro, até que por fim ela se virou e perguntou:
— E você? — Os olhos de Astrid se abriram mais. — Qual é seu motivo? Por que sempre tenta se livrar dos desenhos dela? Ou melhor... porquê você desenha ela, se nunca gosta do resultado?
Astrid não disse nada e Kira também não. O silêncio assumiu o comando, deixando o ambiente um tanto sufocante, bem pelo menos para Astrid, pois Kira carregava uma expressão serena e quase poderia se dizer que ela queria sorrir.
— Se algo — começou Kira. — Ou... alguém te incomoda você deve se afastar, mas.. se isso não for possível... — O coração de Astrid palpitou. — Talvez a melhor solução seja se livrar dela.
Instantaneamente Astrid pensou na mulher de seus sonhos. Se... livrar!
Kira abriu a porta do banheiro, no entanto não entrou, mas se virou novamente para Astrid.
— Sei que gosta de desenhar, mas não acho que a Senhora Alana ficará contente em saber que você está pintando suas roupas.
— Eh..!?
Os olhos de Astrid foram para baixo, ao mesmo tempo em que Kira atravessou a porta do banheiro, deixando-a para trás, tentando se lembrar em qual momento havia manchado seu pijama com tanta tinta vermelha.
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Definitivamente Astrid odiava a corrida matinal; correr até as pernas reclamarem de dor, fazer exercícios que ousavam chamar de pequenos aquecimentos, suar muito e entre outras coisas, entretanto, mais do que isso ela odiava a vista que estava diante de seus olhos; uma mulher de cabelo verde andando de um lado para o outro atendendo os fregueses de sua confeiteira. Sorrindo ela se movimentava rapidamente entre as mesas, coisas que Astrid supõs não ser possível para alguém que estivesse machucada, então ela acabou concluindo que a mulher estava:
Bem!
Um sentimento de alívio se instalou dentro de si e o incômodo em seu estômago que a perseguiu desde a madrugada começou a se dissipar lentamente enquanto ela acompanhava cada movimento da confeiteira.
— Hoje não vais para lá?
Perto de seus pés, sentou-se uma menina a qual carregava duas garrafas de água. Ela pousou uma ao seu lado e abriu a outra quando Astrid respondeu:
— Não.
— Outro sonho?
— Mais precisamente. — Com muito esforço se sentou e prosseguiu dizendo: — Um pesadelo.
— Um pesadelo... — Astrid assentiu positivamente, antes de pegar a garrafa da mão da menina e dar um longo gole. — Você está bem? — Novamente Astrid assentiu, sem olhar para ela. — Quer conversar sobre isso?
— Não
— Entendo… E...estás preparada para a prova de hoje? — Sua voz saiu em um tom animado, porém não conseguiu mais do que arrancar um sorriso forçado de Astrid.
— Tanto quanto você está para prova de história.
— Não fale sobre essa prova. Só de ouvir esse nome já consigo ver minha negativa baixa e ouvir os gritos da minha mãe.
Astrid sorriu, enquanto assistia sua colega abraçar o próprio corpo, como se sentisse calafrios.
— É bom saber... que estaremos juntas na recuperação.
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— Chloe!
— Uuhm?!
— Pegue! — Astrid estendeu um saco de papel para sua amiga, que estava sentada na segunda fileira da arquibancada do ginásio.
— Isso... — Seus olhos azuis analisaram o saco, se fixando onde estava escrito: Kcafé. — Pensei que não passarias lá hoje. — Com o cenho franzido pegou o saco.
— E não passei.
— Para quem pediste?
— Para um garoto do primeiro ano. Acho que o nome dele é... como era mesmo?
— Como vou saber. — Astrid revirou os olhos.
— Eu não estava te perguntando.
— Se você diz. — Deu de ombros. — Ah! Já ia me esquecendo...
— Logan! O nome dele é Logan.
— Na prova você não fazer qualquer esforço para se lembrar das respostas. — Observou. — Mas olhe você aqui se esforçando para lembrar o nome de alguém que mal conhecer. Ei! — Com um pão doce na mão, apoiou os braços na cadeira que estava na sua frente. — Você gostou dele?
— O quê? Não! Eu só falei com ele uma vez e... ele é do primeiro ano — falou Astrid enquanto colocava suas tranças para dentro da touca de natação.
— O que quer dizer que vocês têm apenas um ano de diferença e como dizem por aí... — Sua voz soou dramática e Astrid não pode evitar revirar os olhos. — No amor… a idade não importa. — Completou olhando para o teto do ginásio, em uma pose dramática que quase fez Astrid ir embora. — Agora deixando de lado seu novo interesse amoroso…
— Chloe!
— Eu tenho uma surpresa. — Apressou se a dizer. — Que dá pelo nome de Levi — sussurrou e discretamente apontou para um menino de cabelo branco que ocupava uma cadeira da sexta fileira da arquibancada.
— Ele está aqui — observou Astrid. — Porquê ele está aqui? Tentei convidá-lo antes, mas ele disse que tinha de fazer alguma não sei o que do clube dele, então... Como você o convenceu?!
— Na verdade... não fui propriamente eu — disse Chloe, jogando seu longo cabelo para trás a fim de afastar os fios ruivos de seu pão.
— Então quem foi?
— Foi o Zayn.
— Quem?
— Ele. — Apontou para um garoto de cabelo preto que estava sentado ao lado de Levi, com os olhos vidrados na tela do celular.
— Ah! O Sodalitano! Não sabia que vocês eram amigos.
— Não o chame de o Sodalitano.
Astrid revirou os olhos e Chloe continuou:
— O nome dele é Zayn e sim, nós somos amigos, sabe! Quando ele não está falando sobre suas teorias de universos paralelos e outras coisas sem sentido, ele consegue ser bem divertido e também... ele me dá um desconto no restaurante do pai! — finalizou com um grande sorriso no rosto.
— Astrid!! — gritou um homem.
— Boa sorte! — falou Chloe, antes de Astrid pegar seus óculos de natação e correr para o outro lado do ginásio, ao encontro de um homem de cabelo verde e uma menina loira a qual usava o mesmo fato de banho de natação que Astrid; preto até ao joelho com uma águia azul estampada na parte de trás.
— Estou aqui treinador! — Anunciou em um tom alto e somente recebeu um breve olhar do treinador que logo voltou a encarar sua prancheta.
— Ouçam com atenção!
Lado a lado, Astrid e sua colega endireitaram a postura ao mesmo tempo e seus olhos encaram o treinador seriamente.
— Vocês irão competir pela liderança da partida de Outono. — Astrid permaneceu séria e sua colega sorriu minimamente. — E aquela que perder ficará no banco.
O corpo de Astrid se retraiu e involuntariamente olhou para sua colega, que também a encarava, em puro deboche.
— Vocês farão cinco voltas — prosseguiu o treinador. — Astrid ficará na pista um e Aiyslnn na dois. Podem ir!
Ambas deram as costas, porém Aiyslnn passou na frente de Astrid forçando-a parar.
— Boa sorte perdedora! — sussurrou Aiyslnn, antes de deixar Astrid para trás.
— Veremos quem é a perdedora.
Astrid falou no mesmo tom, entretanto sua adversária apenas continuou andando em direção a pista que lhe foi designada, sem olhar para trás ou dar algum sinal de ter ouvido suas palavras, o que deixou Astrid irritada, no entanto tal sentimento sumiu tão logo que uma voz invadiu seus ouvidos, a petrificando dos pés a cabeça.
É ela!
Não olhe! Não olhe para ela! Pediu e repetiu várias e várias vezes, no entanto seus olhos a traíram e ela não mais conseguiu parar de olhar para mulher de cabelo verde, a qual carregava uma caixa na mão direita enquanto que com a esquerda acenava para Astrid, que não conseguiu retribuir o aceno.
— Vamos começar a partida, vá para pista — ordenou o treinador para ela, a qual demorou longos segundos para perceber que ele falará consigo e assim ir embora.
Parada na sua pista, Astrid colocou seus óculos e tocou em seu bracelete enquanto repetia em sua mente: Só um sonho! Só um sonho! Mas seu coração não parecia acreditar em suas palavras, visto que continuou batendo e batendo cada vez mais rápido.
— Se preparem!!
Ao mesmo tempo as duas meninas se colocaram em posição; Astrid olhando para frente e Aiyslnn olhando para ela, com os olhos verdes cheios de determinação e frieza.
— Desculpe, Sr. Moore, onde quer que coloque a caixa?
— Pode deixar ali. — O treinador apontou para uma cadeira, a mulher andou até a mesma e depositou a caixa. — Por favor! Agradeça a Elis por mim.
— Claro! Espero que tenha um bom aproveito.
A confeitaria foi embora, e junto dela foi a tensão que estava no rosto do treinador. Ele respirou fundo após seus olhos perderem a mulher de vista.
— Sr.Moore! — Aiyslnn o chamou, conseguindo sua atenção.
— Ah...! Sim desculpem. Vamos continuar. — Um pouco desnorteado, o treinador soprou o apito, preso em volta de seu pescoço e ao som dele as duas meninas mergulharam na piscina.
Astrid mergulhou mais para o fundo, tentando fugir das imagens que insistiam em perturbá-la. Ela encostou-se à parede e tentou focar na partida. A iluminação ficou mais fraca e de seguida várias luzes se acenderam no chão, iluminando o percurso que a esperava. Dez argolas de metal estavam presas ao chão e na parede, onde também havia duas câmeras que eram responsáveis pela transmissão ao vivo. No meio da piscina havia uma parede de vidro que a separava de sua adversária que se lançou para frente assim que todas as luzes acenderam.
Vendo sua iniciativa, Astrid não perdeu tempo, pisou na parede, pegou impulso e se lançou movendo seus braços rapidamente. Com os olhos fixos na primeira argola, Astrid deixou Aiyslnn para trás e em uma questão de segundos passou pela primeira argola. Mantendo uma pequena distância de sua adversária, Astrid completou a primeira, segunda e quase a completar a terceira volta sua mente foi invadida pela mulher de seus sonhos.
As lembranças de seu pesadelo dançaram em sua mente e de seguida veio o rosto da mulher da confeitaria, carregando o mesmo sorriso gentil que sempre usava para receber Astrid ou qualquer pessoa que passava pela porta de sua loja.
Vá embora! Por favor!! Trincando os dentes, Astrid fechou os olhos com força abrindo-os alguns segundos depois. No início sua visão estava embaçada, então ela tornou a fechá-los e quando os abriu novamente, os arregalou quando encontrou os azuis sem vida da mulher de seus sonhos, tal que parecia ter atravessado a barreira do mundo dos sonhos para vir assombrá-la.
Ka...Kaira!! É um sonho...?
A mulher levantou seu braço direito e muito lentamente começou a se aproximar de Astrid.
Não venha! Astrid quis gritar. Deixe-me em paz!!! Desesperada, deu a volta e nadou para longe de seu pesadelo, indo pelo lado contrário.
Um burburinho ecoou pelo ginásio, vindo do pequeno público que acompanhava a partida pela tela que estava afixada a um suporte de teto. O burburinho foi ficando mais alto e só parou quando Astrid encontrou a parede ao mesmo tempo em que Aiyslnn completou sua última volta.
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— Entregue para o seu pai! — falou a diretora, assim que Astrid pegou a pequena carta de sua mão.
— Eu... fiz algo de errado? — A diretora, sorriu.
— Apenas se certifique de entregá-la. — Levou uma mão ao ombro de Astrid que se retraiu com o toque. — E nós duas bem sabemos tudo de errado que você fez durante esse trimestre.
Meu pai vai me matar. Com isso em mente, Astrid tentou sorrir.
— Tenha umas boas férias, menina Axel. — Com um aceno de despedida a diretora foi embora.
— O que a Roberts queria? — Chloe perguntou assim que parou ao lado de Astrid.
— Acho que estou encrencada! Na verdade, tenho a certeza. — Mostrou a carta para Chloe que abriu a boca e depois a olhou com pena.
— Lá se vão as tuas férias.
— Nem me diga. — Seus ombros caíram em puro desânimo.
— Mas... por exatamente qual motivo você está recebendo a carta?
— Sei lá. — Deu de ombros. — Talvez seja pelo furo na orelha ou pela cábula...
— Ou pelas inúmeras faltas na corrida matinal. — Completou. Astrid suspirou pesadamente ao constatar que tinha muitos motivos para além das provas de recuperação para seu pai a castigar.
— Acho que vou passar as férias limpando e sem ver meu celular.
— Sim, mas ao menos estarás na cidade. Já eu! Irei para o interior dos interiores onde só tem um canal na tv e a maioria das pessoas ainda usam aqueles telefones que só dá para ligar. Sério, como alguém sobrevive com isso?
Astrid riu e Chloe a acompanhou.
— Que bom!
— Uhum?!
— Você está sorrindo, de verdade.
O sorriso de Astrid sumiu e coçando a parte de trás da orelha, repetiu aquilo que vinha dizendo a semana inteira.
— Eu estou bem! Aquilo... não foi nada demais, só porque estou escalada para o banco não significa que não possa acabar nadando.
— Certo! Esse é o espírito. — Chloe sorriu e Astrid retribuiu com um meio sorriso, antes de virar a cabeça para o lado e encontrar Levi.
— É bom saber que está se recuperando.
— Recuperando? Ah..! Sim eu...
Levi colocou uma mão em seu ombro e Astrid ficou imóvel; seu coração não acelerou e também não sentiu nenhum frio na barriga, ela apenas tinha toda atenção focada nele, como se nada mais importasse para além dele.
— Não se martirize por isso.
— Sim — falou Astrid e Levi sorriu.
— Tente aproveitar suas férias da melhor forma, Tudo bem?! — Astrid assentiu. Levi apertou levemente seu ombro, se despediu das duas e foi embora.
— Ás. — Chloe chamou enquanto assistia Astrid acenar para Levi que já se encontrava distante. — Ei! — Afundou seu dedo na bochecha de Astrid, conseguindo por fim sua atenção. — Você gosta mesmo dele, não é?
— ...Sim! — Coçando a cabeça, Astrid sorriu sem graça.
— Os autocarros estão saindo!
— Melhor irmos. — Foi tudo que Astrid disse, antes de abraçar sua amiga e sair arrastando suas malas pelo estacionamento.
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Foi infantil? Provavelmente, porém Astrid não conseguiu ceder o lugar à janela para o menino Sodalitano o qual se sentaria ao seu lado. Ela havia encontrado uma plaquinha com o nome dele no assento à janela, no entanto como não gostava do segundo lugar decidiu colocar a plaquinha dele no seu assento sentando-se assim no lugar dele. Por tempo muito curto, Astrid desfrutou dos privilégios que um lugar à janela poderia oferecer até que Zayn chegou; alegando que o lugar o qual Astrid ocupava era seu, levando-os assim a uma briga que terminou com Astrid como vencedora, por conta do motorista que mandou todo sentarem, pois odiava ter pessoas em pé enquanto conduzia.
Em contragosto, Zayn se sentou, no segundo lugar. Bagunçou a única madeixa branca que havia entre seus fios pretos e lançou um olhar irritado para Astrid a qual olhou para o lado como se não fosse com ela. Zayn murmurrou alguma coisa incompressível para ela, sacou seu celular do bolso e imergiu no primeiro jogo que viu e Astrid por sua vez decidiu abrir a carta dada pela directora, afinal se o assunto era sobre ela não haveria mal algum em ler, de qualquer forma ela iria ser castigada mesmo. Entretanto o que encontrou não era nada do que esperava.
Aaron Axel está vindo. Tenha cuidado! Isso era tudo que havia no papel, nada mais que uma frase completamente sem sentido para Astrid, afinal porquê seu pai deveria ter cuidado com ele mesmo?
— Carta da morte, huh!? Já vejo alguém ficando de castigo ás férias inteiras — falou Zayn, com seus olhos negros presos na tela, tão concentrados que parecia estar fazendo algo que requeria muito atenção.
— Pare de ser intrometido! E se preocupe com suas coisas.
— Eu nunca disse que estava falando com você. Por acaso eu disse As...As... qual é seu nome mesmo?
Astrid não retrucou e somente olhou para o lado de fora tentando ao máximo ignorar sua existência, mas o menino Sodalitano não a deixou em paz e pelo resto da viagem a importunou de tal modo que ela desejou profundamente nunca ter pego o lugar dele.
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Finalmente! Pensou, assim que deixou o autocarro e o Sodalitano para trás. Todavia, alguns segundos depois, um sentimento incômodo se instalou dentro de si e ela sentiu vontade de voltar para aquele autocarro cheio de adolescentes barulhentos, um motorista viciado em música clássica e um companheiro de lugar insuportável.
Um suspiro escapou de seus lábios.
Eu perdi mesmo! Constatou. Eu vou para o banco! Relembrou. É tudo por culpa dela. Uma pontada atingiu sua cabeça ao se lembrar de Kaira. Fechando os olhos Astrid respirou fundo e mais uma vez tentou esquecer, o pesadelo que insistia em atormentá-la.
Astrid pegou em suas malas; a roxa com a mão direita e a verde com a esquerda, apertou-as com força e as arrastou em direção ao alpendre, o atravessou e de seguida passou pelo procedimento de segurança que havia em sua porta. Ela escaneou suas digitais, a retina, inseriu a palavra passe e por fim abriu a porta. Arrastou suas malas para dentro, fechou a porta com o pé ficando assim em completa escuridão.
— Estou de volta! — Anunciou, porém não recebeu qualquer resposta. — Aí! — Astrid soltou após sentir uma picada em seu pescoço. Levou a mão ao local, mas não encontrando o causador daquilo a puxou de volta. — Papai!!! Estou de volta — gritou e só o silêncio retornou.
Deixando suas malas e mochila de lado, Astrid saiu a procura do interruptor, que para sua infelicidade não ficava perto da porta e sim do outro lado da sala. Caminhou com as mãos esticadas para frente até que um som desconhecido quebrou o silêncio e capturou sua atenção, levando-a assim a se abaixar quando percebeu que o som estava saindo de algum lugar no chão, mas especificamente debaixo de seu pé esquerdo.
Astrid pegou o pequeno objeto no chão, e seus olhos piscaram diante da forte luz que ele emitia. Ela o afastou e depois tornou a aproximá-lo de seus olhos e após uma pequena análise acabou chegando à conclusão de que poderia ser o controlo das persianas e com isso em mente ela saiu apertando em todos os botões que encontrou, porém não aconteceu nada, o jogou para o lado e continuou seu caminho em direção ao interruptor, o encontrando depois de bater o pé e quase cair várias vezes.
Irritada e com o pé latejando acendeu as luzes e o cenário diante de seus olhos a deixou imóvel e com um único pensamento: Ladrão.
Seus olhos azuis foram de um lado para o outro registrando; a tela da televisão partida, objetos de vidro estilhaçados e vários móveis quebrados e o pior era que seu pai não estava lá.
Astrid correu para o escritório de seu pai, porém apenas sua pilha de papéis estava lá. Depois foi para cozinha, e não o encontrou e então correu para as escadas, entretanto parou no meio dela quando um pensamento assustador cruzou sua mente.
E se ele estiver lá em cima? Lentamente levantou seus olhos, para o topo da escada, onde apenas se via escuridão. Astrid desceu alguns degraus. Pa-papai não deve estar lá. Desceu mais alguns até que chegou ao final.
— Po-policia. Te-tenho de chamar a polícia. — Com as mãos suando pegou em seu celular enquanto andava muito lentamente em direção a porta.
Mas e se ele estiver lá? Se ele precisar de ajuda? Astrid parou de andar, sua mente foi inundada dos piores cenários possíveis e ela se sentiu mal, muito mal, por estar fugindo, mas ainda assim ela também não conseguiu forçar suas pernas a subirem as escadas que poderiam levá-la ao responsável do estado de sua casa ou ao seu pai.
Um bip ecoou na sala, assustando Astrid e levando-a a deixar cair o celular.
O-o que foi isso?! Com o coração acelerado, olhou para todos os lados, no entanto, não encontrou a fonte do som e um tempo depois outro som chegou aos seus ouvidos. Era o som da campainha.
Astrid prendeu a respiração.
É o ladrão? Ou... Olhou para porta. Papai...?
Muito hesitante ela forçou seu corpo a ir até a porta e pelo interfone descobriu que eram dois homens, ou melhor, um menino e um homem.
— Levi!
De frente a sua porta, seu colega de escola estava conversando com Argus Miracle, seu vizinho da casa ao lado e alguém que provavelmente saberia lhe dizer: o que aconteceu à sua casa e ao seu pai?
Astrid estendeu uma mão e quase a tocar na maçaneta, ela parou quando um bip soou novamente e dessa vez ela achou sua fonte. O som estava vindo de seu bracelete. As quatro pedras piscaram uma, duas, três, quatro vezes e pararam, como se nunca tivessem o feito.
Aproximando o bracelete de seus olhos Astrid esperou, mas nada aconteceu. Levi tornou a tocar a campainha, porém Astrid sumiu antes de poder abrir a porta.
Neve?! Esse foi o primeiro pensamento que passou pela mente de Astrid quando viu seus tênis cobertos de neve. Com o corpo tremendo, ela levantou sua cabeça e ao invés de sua sala o que seus olhos viram foi várias e várias montanhas cobertas de neve, muita neve.
O que isso? Onde raios é aqui?
Tentando ir para algum lado ela tropeçou-nos próprios pés e caiu de cara na neve. Por mais que quisesse sair dali Astrid não conseguiu fazer mais nada além de levantar sua cabeça, carregando em seu rosto uma careta que se desfez quando viu um bracelete onde poderia se ler: Aiyden — Campeão, o qual mudou rapidamente para: Aiyden — Soldado. Ele estava em volta do pulso de alguém que Astrid reconheceu logo que viu seu rosto.
— Zayn.
O nome saiu em um susurro. Astrid, com o medo a envolvendo como um cobertor estendeu seu braço trêmulo em direção a ele, porém antes que pudesse tocá-lo, o suposto Zayn... abriu os olhos e eles eram assustadores, ao menos o suficiente para fazer Astrid se arrepender de ter pego o lugar dele.