Volume 1
Capítulo 11: Crepúsculo Escarlate
Abigail e Fynn caminhavam lado a lado pelo corredor escuro, envoltos por uma quietude opressiva. O único som era o eco suave de seus passos na pedra fria, misturado ao crepitar delicado da pequena chama que dançava na ponta do dedo de Abigail.
A escuridão que parecia viva, pressionava-os por todos os lados, como se o corredor fosse devorá-los. Abigail, que sentiu um arrepio na espinha, manteve sua compostura — ou tentou.
— Espere um pouco, Fynn — ela disse, sua voz baixa, mas firme.
Ele parou de caminhar imediatamente, observando o fechar dos olhos e o juntar das mãos de Abigail — como em um gesto de prece. Por um instante, o silêncio se intensificou, tão profundo que até a respiração de Fynn soava alta demais. Então, uma onda de calor suave começou a emanar de Abigail, fazendo o ar ao redor tremular. Sua chama desapareceu, substituída por um brilho crescente que envolvia todo o seu corpo.
Lentamente, ela começou a flutuar, seus pés se afastando do chão por alguns centímetros. A luz ao seu redor explodiu em um vermelho incandescente, como um nascer do sol num mundo esquecido. A atmosfera mudou; o lugar parecia agora pulsar com energia, mas também com a tensão latente do que lhes aguardava.
Fynn, com um meio sorriso, surpreso com a cena diante dele, disparou:
— Não esperava por essa, Abigail.
Ela lançou-lhe um olhar confiante, quase travesso.
— Sou genial, não sou? — respondeu, com um tom brincalhão.
— Sim, sim, brilhante como sempre — retrucou Fynn, revirando os olhos com sarcasmo, mas um leve sorriso que escapou denunciava sua admiração.
Conforme avançavam, o brilho emanado por Abigail iluminava o caminho, revelando as marcas de garras mais recentes no chão e paredes. Era evidente que algo enorme e furioso estava ali. A conversa entre os dois se tornou mais focada, carregada com a tensão crescente do ambiente.
— Como você planejou separar os monstros? — perguntou Fynn, mantendo o tom baixo.
— Prioridades — Abigail respondeu sem hesitar, sua voz carregada de determinação. — Eliminamos o mais resistente primeiro. Sem ele, os outros, em tese, ficam vulneráveis.
— Então estamos na esfera dele? — Fynn perguntou, seus olhos analisando os detalhes ao redor.
Abigail assentiu, ajustando o brilho ao seu redor para diminuir as sombras ameaçadoras que ainda se agarravam às extremidades do corredor.
— Estamos. E a única maneira que pensei para vencê-lo, é partindo a couraça que o protege. Tenho uma magia que deve funcionar, mas precisarei de uma distração para isso.
Fynn concordou com um aceno, seu semblante ficando mais sério.
Eles aceleraram o passo, mas, de repente, o chão tremeu sob seus pés, uma vibração tão forte que revelava-se ameaçar o equilíbrio do mundo ao seu redor. O som ensurdecedor de metal sendo esmagado e paredes sendo golpeadas ecoou pelo corredor, como trovões em uma tempestade.
Fynn puxou Abigail para mais perto.
— Ele sabe que estamos aqui — murmurou, seu tom grave.
Antes que tivessem tempo de reagir, o monstro irrompeu de uma bifurcação à frente, seus movimentos descoordenados como os de uma máquina desgovernada. Ele era uma massa grotesca de pedra, com uma couraça espessa que brilhava com energia pulsante. Seus olhos eram como brasas vivas, irradiando fúria e confusão. Ele rugiu — o som reverberando pelo corredor como um terremoto.
Abigail congelou por um momento, seu coração batendo descompassado. O monstro, como um trator enlouquecido, começou a avançar, batendo nas paredes e deixando um rastro de destruição. A tensão no ar tornou-se sufocante, e Abigail, ainda flutuando, respirou fundo, seu brilho oscilando levemente.
— Fynn... — ela começou, mas ele já estava a puxar sua adaga, os olhos fixos na fera.
— Apenas me diga o que fazer — ele respondeu, a adrenalina em sua voz.
O monstro rugiu novamente, avançando diretamente para eles, como uma força da natureza impossível de deter.
O corredor estreito aparentava encolher à medida que a criatura avançava. Suas garras brutais arrancavam pedaços das paredes e deixavam o ar carregado de poeira e tensão.
— Ele está vindo rápido demais! — Fynn exclamou, seus olhos fixos na criatura monstruosa que avançava como uma avalanche viva, suas placas de carapaça reluzindo à luz fraca da magia de Abigail.
— Exatamente! Isso me parece… a abertura perfeita! — Abigail respondeu com um sorriso, sua mente correndo para encontrar uma forma de aproveitar a brecha.
Ela — com seu coração disparado — ergueu as mãos, preparando um círculo mágico. As palmas de suas mãos brilhavam e pulsavam como uma estrela cadente.
— Fynn, preciso de cobertura! — ela gritou, canalizando energia para o feitiço. — Vou usar a “Explosão do Liminar”!
Fynn assentiu, girando o corpo para evitar um golpe devastador da criatura. Ele usou rajadas de vento para desviar os espinhos que vinham em sua direção, comprando tempo para Abigail. O monstro rugiu novamente, seus movimentos cada vez mais agressivos, percebendo a ameaça iminente.
Abigail cerrou os dentes, sentindo a energia crescer entre suas mãos, uma esfera escarlate girando com poder bruto. O calor era quase insuportável, o chão sob seus pés começando a rachar. Ela deu um passo à frente, os olhos fixos no monstro.
— Agora!
Com um movimento rápido, ela lançou a magia. O feixe escarlate cortou o ar como um relâmpago furioso, iluminando o corredor em um brilho deslumbrante. O impacto contra a carapaça do monstro foi como o trovão de uma tempestade, sacudindo todo o ambiente.
Por um momento, o tempo pareceu parar. Abigail prendeu a respiração, esperando ver a carapaça rachar e o monstro cair. Mas, ao invés disso, a energia ricocheteou violentamente, espalhando faíscas como fogo de artifício. O monstro não apenas resistiu, como ficou mais forte — mais furioso.
— Droga! — ela exclamou, cerrando os punhos.
O monstro, agora mais irritado, emitiu um rugido ensurdecedor e, com um movimento brusco, disparou uma chuva de espinhos diretamente na direção deles. Abigail ergueu rapidamente um escudo mágico, uma barreira translúcida e ondulante que tremia sob o impacto dos projéteis. Os espinhos explodiam contra o escudo como flechas contra aço, fazendo Abigail ranger os dentes com o esforço de mantê-lo ativo.
— E agora? — ela perguntou, o suor escorrendo pela testa enquanto o escudo começava a se desfazer.
Fynn estreitou os olhos, analisando a criatura com rapidez. — Há uma falha na junção da couraça, perto do ombro esquerdo. Posso tentar cortá-la, mas preciso de tempo para carregar a magia. É... instável.
Abigail assentiu, ofegante. — Então concentre-se. Eu mantenho esse monstro ocupado.
Ela não esperou pela resposta. Abigail avançou contra o monstro, seus pés mal tocando o chão enquanto desviava dos golpes brutais da criatura. Cada movimento parecia uma dança desesperada, seus feitiços sendo lançados em sucessão — bolas de fogo, rajadas de vento cortante e fragmentos de gelo que ricocheteavam inutilmente na carapaça do monstro, mas conseguiam atrasá-lo por preciosos segundos.
Fynn recuou para o fundo do corredor, ajoelhando-se no chão. Ele fechou os olhos e respirou fundo, as mãos começando a brilhar com uma luz azul-pálida. A energia ao seu redor ficou pesada, quase sufocante, enquanto linhas de magia percorriam o chão em direção à criatura, como raízes famintas.
— Só mais um pouco... — ele murmurou para si mesmo, sentindo a energia pulsar perigosamente em suas mãos.
Abigail conjurou um círculo mágico maior sob seus pés, e o brilho avermelhado iluminou o corredor como um segundo sol. Ela juntou as mãos, murmurando palavras antigas, e um gigantesco chicote flamejante materializou-se ao seu lado. Com um movimento rápido, ela golpeou a criatura, mirando nas articulações da carapaça. O impacto fez a criatura cambalear por um momento, mas ainda assim a couraça permaneceu intacta.
O monstro reagiu, avançando com um salto surpreendentemente ágil para algo tão grande. Abigail mal teve tempo de criar outro escudo, e o impacto a lançou contra a parede, arrancando o ar de seus pulmões.
— Abigail! — gritou Fynn, sem abrir os olhos. A magia em suas mãos parecia prestes a explodir, faíscas azuladas agora dançando ao redor de seus braços.
Abigail se levantou com dificuldade, apoiando-se em um joelho. Seus olhos brilharam de determinação. Ela concentrou sua energia em um último ataque, canalizando o que restava de sua força no chicote flamejante, que cresceu em intensidade até se transformar em uma espada longa, como uma lâmina feita de puro magma.
— Vamos ver se você aguenta isso! — Abigail gritou, avançando novamente.
Ela saltou, girando no ar, e cravou a lâmina incandescente na junção da carapaça que Fynn havia mencionado. O monstro rugiu, cambaleando para trás enquanto rachaduras começavam a se formar ao redor do impacto. Mas, antes que Abigail pudesse terminar o golpe, o monstro a atingiu com uma de suas garras, jogando-a contra o chão. Sua lâmina desapareceu em uma nuvem de faíscas. Contudo, antes de ser atingida pelas garras, ela projetou um mini escudo, amenizando o impacto.
Fynn abriu os olhos nesse momento, seu corpo envolto por uma aura de pura energia.
Ele ergueu as mãos para o alto, onde uma lança de luz azul começou a se formar, pulsando como um trovão contido.
— YAAAAAAAAAAHHHHH! — ele gritou, sua voz reverberando pelo corredor.
Ele lançou a lança com toda a força, e o projétil atravessou o ar com um estrondo ensurdecedor. A luz explodiu contra o monstro, perfurando a couraça rachada e atravessando seu corpo como um raio divino — era uma vitória.
Fynn ficou parado, os braços ainda estendidos na postura de ataque, enquanto a aura brilhante ao redor dele começava a se dissipar e seu corpo pousava lentamente.
A poeira começou a assentar, revelando a carcaça monstruosa agora imóvel e partida ao meio — ainda exalando o vapor do impacto. Abigail, com um braço pressionado contra as costelas doloridas, encarava a cena com uma mistura de alívio e exaustão.
Fynn, finalmente quebrando o silêncio tenso, deu um passo à frente e soltou o ar com força. — Bem, isso foi… intenso.
— Intenso? — Abigail arqueou uma sobrancelha, apesar do cansaço evidente. — Fynn, você basicamente soltou um raio divino da sua mão. Quer me explicar como conseguiu isso?
— Instinto. — Ele deu de ombros, tentando parecer casual, mas sua respiração pesada denunciava o esforço que aquilo exigiu.
— Instinto ou não, aquilo foi incrível. — Abigail sorriu levemente antes de deixar escapar uma risada baixa. — Mas, sério, qual foi aquele grito? Parecia que você estava sendo atacado por um enxame de abelhas.
Fynn virou-se para ela, claramente embaraçado, e gesticulou defensivamente. — Era para ser um grito de guerra! Tipo... intimidador!
— Ah, sim. Com certeza o monstro ficou aterrorizado com “YAAAAAAAAAAHHHHH!” — Abigail imitou o som agudo que ele fizera, segurando o riso enquanto Fynn revirava os olhos e passava uma mão pelo rosto.
— Tá bom, tá bom, você venceu. Vamos logo para a próxima esfera antes que eu tenha que aguentar mais piadas às minhas custas.
Abigail ainda estava sorrindo quando os dois começaram a avançar pelo corredor escuro, entretanto, o clima rapidamente se dissipou à medida que eles atravessavam para a próxima esfera. A luz diminuía gradualmente e o ar ficava mais pesado, prenunciando o perigo iminente.
As paredes pareciam pulsar, como se a própria estrutura estivesse viva. Abigail mal teve tempo de registrar o ambiente antes de sentir algo afiado cortar seu braço.
— Agh! — ela exclamou, recuando instintivamente e segurando o local do corte. Sangue escorria por entre seus dedos.
— Abigail! — Fynn se virou, os olhos arregalados. Ele puxou sua adaga imediatamente, a lâmina já envolta em energia de vento.
— Estou bem! — Abigail grunhiu, pressionando o ferimento. Seus olhos escanearam a sala, mas não havia nada à vista além de sombras que dançavam nas paredes.
Fwhooosh... Grrraaaaahhhh…!
O som das chamas da criatura crepitando se misturaram ao seus grunhidos, ecoando na escuridão. E com passos lentos, a criatura se mostrou diante deles. O sangue de Abigail escorria de suas “foices”, ao passo que seus olhos brilhavam em vermelho ardente. O verdadeiro perigo havia chegado.