Volume 1

Capítulo 10: Separar e Conquistar

Abigail apertava as lâminas de gelo em suas mãos enquanto se movia com destreza entre as bestialidades da noite. Elas vinham em ondas, ferozes, mas desorganizadas, caindo diante de seus golpes precisos. Seus olhos, porém, permaneciam fixos no horizonte. Ela sabia que aquilo não era o verdadeiro desafio – apenas uma distração.

Quando o som grave ecoou pela floresta, profundo como o coração de um vulcão prestes a explodir, as criaturas congelaram no lugar. 

Abigail recuou um passo, observando conforme, uma a uma, elas se dissipavam nas sombras, como se recebessem uma ordem silenciosa. O silêncio que se seguiu foi ainda mais opressor do que o caos anterior.

— Finalmente! — ela murmurou, ajeitando sua postura. Os músculos de seus braços tremiam levemente, não de cansaço, mas de antecipação. Ela estava pronta.

Das sombras espessas, a escuridão ganhou forma. Primeiro, um tremor. Então, passos pesados fizeram as folhas caídas no chão saltarem. Três silhuetas emergiram, cada uma mais aterradora que a outra. 

O primeiro avançou com a imponência de um gigante, espinhos irregulares saindo de seus ombros, capturando a luz fraca da lua em reflexos mortais. Abigail percebeu o impacto — a terra estava sendo golpeada.

O segundo não se apresentou tão lentamente. Um brilho flamejante cortou o escuro, mostrando uma figura esguia e ágil, deslizando em um movimento quase impossível de acompanhar. Suas mãos — ou o que pareciam ser mãos — brilhavam como foices incandescentes, o calor distorcendo o ar ao seu redor.

A terceira presença dominava o espaço com sua magnitude e aura sombria. O maior dos três, pulsava com energia mágica que fazia a pele de Abigail arrepiar. Tentáculos flamejantes ondulavam ao seu redor como serpentes famintas, dançando no ar com uma fluidez hipnotizante. Um som gutural emanava dele, baixo e ameaçador, reverberando como um comando que os outros dois pareciam obedecer.

Abigail respirou fundo, desfazendo sua espada de gelo e canalizando sua energia mágica em diversas lâminas de gelo. Ela necessitava de mais agilidade e quantidade.

O monstro com espinhos foi o primeiro a atacar, avançando com a brutalidade de uma avalanche de pedras. Abigail deslizou para o lado, disparando lâminas que acertaram a couraça. O gelo explodiu em fragmentos, como se tivessem atingido ferro puro. O golpe não o deteve nem por um instante.

Antes que pudesse reagir, um clarão surgiu em sua visão periférica. O monstro esguio já estava sobre ela, as foices incandescentes cortando o espaço onde ela estava. Abigail se jogou para trás em um reflexo instintivo, ao executar um salto mortal que deixou uma trilha de gelo no ar.

Ela pousou com firmeza, mas sentiu o calor crescente ao redor. Os tentáculos do terceiro monstro estavam em movimento, cercando-a como uma rede viva. Abigail usou suas lâminas de gelo para abrir caminho pelos tentáculos flamejantes, que se regeneravam como uma entidade viva.

Com cada golpe, o gelo sibilava ao entrar em contato com o calor avassalador, formando uma neblina passageira. Finalmente, ela rompeu o cerco e saltou, mas o que a esperava a fez hesitar por uma fração de segundo.

No ar, uma série de esferas flamejantes flutuavam, espalhadas estrategicamente como uma rede de armadilhas. Cada uma pulsava com uma energia instável, prestes a explodir ao menor toque. Abigail percebeu o padrão – elas não estavam lá por acaso.

Um sorriso tenso surgiu em seus lábios. "Astutos, hein?"

Sem parar, ela girou no ar, conjurando pequenas adagas de gelo que disparou em alta velocidade contra as esferas de fogo mais próximas. O impacto gerou explosões concentradas, e o calor intenso a fez cerrar os dentes, mas a ação criou brechas suficientes para ela continuar.

Ainda assim, o tempo era curto. Abigail apontou uma das adagas restantes para o chão e, com um movimento rápido, lançou uma torrente de gelo que se chocou contra as raízes de uma árvore próxima. O gelo não só se espalhou rapidamente, congelando parte do solo, como também formou uma fina camada escorregadia.

Ela aproveitou a propulsão da explosão anterior e ajustou a trajetória do salto, deslindando pela trilha congelada que acabara de criar. Com um movimento fluido, impulsionou-se novamente, utilizando o terreno gelado como uma rampa improvisada.

No momento em que os tentáculos voltaram a persegui-la, Abigail agarrou um galho alto, projetando-se com um giro gracioso antes de se firmar. Olhou para baixo, onde as esferas restantes explodiam ao colidir com os tentáculos regenerados, criando um caos momentâneo entre seus oponentes.

"Isso é problemático," pensou, saltando no galho. "Estão no mesmo nível de monstros Classe A. Talvez até mais."

Abigail respirou fundo — sentindo o coração martelar no peito. O galho alto era uma vantagem, mas ela sabia que os monstros logo se reorganizariam. Ela precisava pensar rápido. 

— Acho que vou ter que usar minha carta na manga... Fugir! — murmurou para si mesma, com um sorriso nervoso tentando mascarar sua exaustão.

Com um movimento elegante, ela juntou as mãos e conjurou uma combinação de fogo e água, criando uma espessa nuvem de fumaça que engolfou os monstros. A neblina densa misturava-se à escuridão da floresta, ocultando sua presença e dificultando a visão de seus perseguidores.

À medida que os monstros hesitavam, com seus tentáculos cortando o ar em busca do alvo, Abigail não perdeu tempo. Com passos ágeis, começou a desenhar círculos mágicos no ar com os pés, invocando rajadas de vento que a impulsionaram rapidamente entre as árvores.

Suas ações eram calculadas, cada salto e giro levando-a mais fundo na floresta. A fumaça e a densidade da vegetação tornavam-se seus aliados temporários, criando um labirinto visual que retardava os monstros. Mas o som das chamas e o tremor dos passos atrás dela eram como uma batida constante, avisando que a perseguição continuava.

Abigail sentiu o calor de uma explosão menor passar por ela, um aviso de que não estava completamente fora de perigo. Usando a força do vento, impulsionou-se para um galho alto de uma árvore robusta e pousou com um giro suave. O galho balançou sob o impacto, mas manteve sua posição.

No topo da árvore, Abigail ofegava, seus pulmões queimando enquanto ela tentava estabilizar a respiração. Olhou ao redor, a copa das árvores balançando suavemente sob a brisa noturna. — Aqui deve estar bom — murmurou, como se tentasse se convencer. Ela se encostou ao tronco, focando seus olhos na lua por um breve momento para organizar seus pensamentos.

— Primeiro… proteger as crianças — pensou consigo mesma, a preocupação visível em seu semblante. — Essa é minha prioridade. Depois, derrotar aquelas coisas para resgatar o Jayden. Caso ele não consiga escapar sozinho… — Sua voz interna falhou por um instante, o peso da situação refletindo-se no franzir de suas sobrancelhas, prestes a surtar. — Mas agora vem a questão, como eu faço para derrotar essas coisas? Como? Impossível! Aquele monstro parou no peito uma magia de gelo de terceira classe, como se não fosse nada! 

Antes que pudesse processar mais, um movimento sutil à sua esquerda fez seu corpo reagir por puro instinto. Com um deslocamento rápido, ela conjurou uma espada de gelo que parou a milímetros do pescoço do intruso.

— Calma, calma! Sou eu! — A voz de Fynn rompeu o silêncio, um misto de surpresa e nervosismo enquanto ele erguia as mãos.

Abigail estreitou os olhos, mas abaixou a espada com relutância, soltando um suspiro exasperado. — Ninguém mandou chegar desse jeito, idiota. Por pouco teria te matado.

Fynn, ainda com o coração acelerado, esfregou o pescoço enquanto balançava a cabeça. — Certo, anotado. Próxima vez aviso antes de chegar. — Uma faísca de humor cruzou seus olhos, e ele murmurou baixo: — Casar com mulheres loucas deve ser realmente perigoso...

O olhar fulminante que Abigail lançou para ele foi tão gelado quanto as neves do Monte Everest. — Repete isso, e você vai descobrir o que é perigo de verdade — disse ela, seca, mas com um brilho irritado de humor em seu tom.

Fynn levantou as mãos novamente, um sorriso sem graça surgindo em seus lábios. — Mudando de assunto... Qual é o plano?

Abigail bufou, pressionando os dedos contra as têmporas. — Ainda não tenho um — admitiu, cruzando os braços com frustração. 

— Aqueles monstros... trabalham como um time. Um compensa a fraqueza do outro. O de espinhos é pura resistência. O rápido com as foices é ágil, mas tenho quase certeza de que não aguenta muito dano. E aquele na retaguarda, o dos tentáculos… — Ela fez uma pausa, sua expressão endurecendo. — É o mais perigoso. Ele conjura magias de classe alta e parece liderar os outros dois. Eles não vão parar até alcançarem as crianças! — Sua voz cresceu em intensidade, e ela passou as mãos pelos cabelos, claramente aflita. — Ahhh! O que vamos fazer?

Fynn deitou-se de lado no galho, apoiando a cabeça na mão como se fosse um observador desinteressado. — Bem... Se houvesse um jeito de separá-los… — disse ele, o tom casual contrastando com a seriedade da situação.

Abigail o encarou, as palavras dele ecoando em sua mente. Seus olhos se arregalaram, e ela se levantou abruptamente, quase derrubando Fynn do galho. — Separar e conquistar… — sussurrou, um brilho de determinação surgindo em seus olhos.

Fynn arqueou uma sobrancelha, observando-a com um meio sorriso. — Isso é bom ou ruim?

— Isso é um plano — respondeu Abigail, com um sorriso que misturava excitação e perigo.

Alguns Instantes depois

Abigail surgiu de repente no campo de visão dos monstros ardentes, com um sorriso tão confiante que poderia convencer até uma árvore a lutar ao seu lado. Ela colocou as mãos na cintura, inclinou ligeiramente a cabeça e, com um tom que misturava provocação e deboche, gritou:

— Então é isso? Vocês são os terríveis monstros que estavam me perseguindo? Já vi espantalhos mais assustadores!

O silêncio que se seguiu foi breve, interrompido apenas pelo som de um galho quebrando sob o pé de um dos monstros. O trio ardente rugiu em uníssono, como se a ousadia dela tivesse insultado a própria essência de suas chamas.

Abigail deu um passo para trás, erguendo as mãos como se quisesse acalmá-los, mas o sorriso ainda estava lá.

— Ei, calma aí, estou apenas sendo honesta! Vocês são… fofinhos.

Foi o suficiente para os monstros avançarem, as chamas em seus corpos crescendo em resposta à afronta. 

— Uau, que sensíveis! — Ela ergueu as mãos, concentrando sua magia e direcionando-a para o chão. — Venham me pegar, se forem capazes! 

A energia começou a vibrar ao redor de Abigail, o próprio ar estava se aquecendo com sua intensidade. Antes que os monstros pudessem se aproximar, uma parede de vento cortou o espaço, barrando os monstros.

Fynn apareceu como uma rajada de tempestade, posicionado entre ela e os inimigos. O vento girava em torno dele, criando uma barreira de fúria que os monstros não ousaram atravessar. 

Ele sorriu, um sorriso de canto, a confiança estampada em seu rosto, mas seus olhos brilhavam com um toque de malícia, como se ele soubesse exatamente o que estava fazendo.

— Querem pegar ela? Então terão que passar por mim primeiro — disse ele, a voz imperturbável, mas com um leve desafio na ponta da língua.

Os monstros hesitaram por um breve momento, observando a tempestade à sua frente. 

Foi o suficiente para o chão sob seus pés começar a tremer, uma vibração crescente que cortava o silêncio da batalha. Rachaduras se abriram como feridas no solo, serpenteando com uma força feroz. O ar parecia denso com o cheiro da terra quebrando.

Abigail ergueu o olhar, seus olhos agora ardendo com um brilho dourado, como se uma chama vivesse dentro deles. Ela sussurrou, a palavra quase imperceptível, mas poderosa:

— Grande Labirinto da Floresta Negra.

O mundo ao redor se contorceu. O terreno rachou com estrondo, formando esferas de terra que se ergueram como ilhas isoladas, separando os monstros uns dos outros. No centro, uma árvore colossal rompeu a terra, seus galhos se contorcendo como serpentes e envolvendo os globos de terra, aprisionando-as em um abraço de raízes e troncos.

Com um suspiro pesado, Abigail se ergueu, com sua postura imponente. Fynn deu um passo ao lado dela, ajustando sua postura com um sorriso que não abandonava seus lábios.

— Você está exagerando um pouco, não? Eu diria que isso é bem teatral, até para você — disse ele, com os olhos fixos no corredor em sua frente.

Ela respondeu, a voz tranquila, mas firme, sem sequer olhar para ele. — Se vamos enfrentá-los, que seja do meu jeito. — entregando algumas poções de cura para Fynn acendendo uma faísca em seu dedo para iluminar o local. — Beba elas, precisamos estar 100%.

Ambos se prepararam, músculos tensos, prontos para a batalha. O ar estava carregado, e a vantagem estava ao alcance. O que viria a seguir? Eles não podiam prever, mas estavam prontos para dar tudo.



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