Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 2

Capítulo 3: Dia de folga

A inesperada recente amizade gerou dias recheados, transformando as duas semanas de férias em apenas uma. Scarlet e Edward desbravaram cerca de 3 bibliotecas, todas apresentaram um leque recheado de livros religiosos e filosóficos, o que tornou a busca cansativa. Inicialmente, tentaram ler detalhadamente aqueles que chamaram a atenção, contudo rapidamente se tornou massivo e, consequentemente, desleixado. A cada local visitado, a cada linha lida, tornava-se claro a ineficácia do plano do garoto.

Independente das frustrações, as conversas trouxeram frutos saborosos. Edward cada vez mais sentia conforto em descobrir e compartilhar vivências com alguém que faz parte do mundo recém descoberto. Os ensinamentos aconteceram principalmente no primeiro dia, porém Scarlet sempre trazia histórias intrigantes.

Cansados das mesmices, a dupla decidiu arquitetar uma nova empreitada: visitar a grande biblioteca da igreja Miraclum Iluco. No entanto, o ânimo de desbravar um local restrito para o público geral precisou ser resguardado por mais alguns dias. As aventuras dos dois atrapalharam por completo os planejamentos do rapaz, precisou cancelar diversas saídas com os amigos e o fez continuar com as desconversas em torno dos planos do pai. Assim, sentiu que precisava tornar a última semana de recesso diferente.

Com o novo foco em mente, na segunda-feira, Edward decidiu passar um tempo com Matthew. No fundo, sentia-se inseguro e envergonhado por falhar em demonstrar o devido comprometimento com aquele que considerava um irmão.

Desde a perda de Joe, Matthew mostrou-se ainda mais prestativo na vida de seu amigo. Edward jamais ignorou tamanho carinho; pelo contrário, fez questão de contar ao amigo sobre seu dom — sempre soube que poderia contar com seu fiel parceiro. Por isso, a distância dos últimos dias parecia ainda mais sufocante.

Disposto em aproveitar o dia de folga, o amigo de Matthew levantou por volta das 9:30 da manhã e velozmente se arrumou. Ignorou qualquer distração que sua mesa pudesse oferecer, repleta de livros e cadernos de anotações, e seguiu pelo caminho já familiar até a escada.

As pegadas firmes rangeram contra a madeira desgastada dos degraus. O som, embora familiar, ainda divertia o garoto. Entre leves risadas, refletiu: “Parece que a cada dia fica ainda mais barulhento.” O rosto relaxado durou apenas breves segundos, a seriedade tomou conta assim que terminou a curta descida.

— Bom dia, Ed — disse Alex com uma voz animada, porém abafada pela distância até a porta de entrada.

Edward virou o rosto para a direita, em resposta ao chamado, e percebeu o pai sentado à grande mesa da sala. Alex, com o cabelo ainda úmido, denunciava o banho recente. Edward ainda estranhava o comprimento crescente do cabelo do pai — fazia tempo que ele abandonara o corte de sempre. Vestia uma regata branca, já gasta pelo uso constante, e um short preto de tecido leve.

A luz do sol, filtrada pela ampla janela aberta no fundo do cômodo, destacava cada detalhe da cena percebida pelo filho. No centro da mesa, uma cesta de pães chamava a atenção. Ao redor, os acompanhamentos tornavam o café da manhã ainda mais convidativo: um pote de manteiga, uma embalagem de presunto e queijo, uma jarra de vidro com suco de laranja e uma frigideira repleta de ovos mexidos. 

O simples fato de todos os itens estarem em contato direto com a mesa causava uma leve agitação no peito de Edward — Joe sempre fazia questão de lembrar a todos que deviam colocar uma toalha sobre a mobilia antes das refeições. Ele sabia que prestara atenção demais a pequenos detalhes, então tentou ignorar a inquietação e focar no momento presente.

Alex se acomodou em frente à cesta. Do outro lado da mesa, uma cadeira também de madeira, ligeiramente afastada, parecia convidar Edward a se juntar à refeição. Os pratos rasos e esbranquiçados, tanto o do pai quanto o reservado para o filho, estavam completamente vazios. Os talheres brilhantes ao lado dos pratos, assim como os copos de vidro virados para baixo, reforçaram a espera da chegada do garoto para, enfim, dar início a refeição.

Após breves segundos de análise, o rapaz cautelosamente desviou o trajeto, iniciou a caminhada até o convidativo café da manhã.

— Bom dia… — o jovem respondeu de forma contraída, no mesmo instante que levava uma das mãos até a cabeça.

Os passos lentos sobre o piso de taco de madeira — cujos desenhos em zigue-zague chamavam levemente a atenção— acompanhavam o olhar perdido do garoto. Definitivamente, fora pego de surpresa pela recepção do pai. Relutante em encarar Alex, optou por atravessar a sala encarando apenas a televisão.

Com os pés no carpete aveludado, estendido entre o extenso sofá de canto e o aparelho televisivo, interrompeu a caminhada no instante em que viu o absurdo relatado pelo noticiário.

— O que está sendo mostrado, um dia foi o interior da igreja da pequena cidade de  Santo Agonas! — As câmeras exibiam o grande salão tomado por cinzas. Manchas escuras cobriam por completo o que antes eram paredes de tinta clara. Todos os bancos de madeira estavam rachados e carbonizados. O teto havia desmoronado quase por inteiro, restando apenas uma pequena cobertura sobre a grande cruz de madeira, ainda erguida no palanque reservado para as cerimônias.  — O incêndio ocorreu por volta das 4 desta madrugada. — O vídeo fora substituído pela figura do repórter próximo a antiga entrada do estabelecimento. O senhor alto, com roupas sociais bem aprumadas, continuava com seu relato.  — Ainda não se sabe o causador do acidente. Os bombeiros estimam que chegaram no local após cerca de mais de 1 hora. Nenhuma ligação foi feita, ninguém havia reparado no início da catástrofe —

— Pai, onde fica mesmo essa cidade? — Enrugou a testa em busca de processar tal notícia.

— Ela fica um pouco acima de Overhill… Mas filho, bem lembrado, desligue essa TV — respondeu de forma corretiva, buscava afastar a negatividade do ambiente — não está passando nada de bom. Havia ligado ela antes, quando estava arrumando o café, me passou despercebido que havia começado o jornal da manhã.

— Entendi, ok vou fazer isso…

Edward se inclinou em busca do controle remoto, que estava sob o delicado rack da sala. Com movimentos lentos, pegou o objeto, que repousava sobre alguns livros, próximos a flores já murchas. No entanto, antes que pudesse apertar o botão de desligar, novas imagens atravessaram sua mente.

— Foi estranho, existem casas aqui perto mas ninguém acordou com as fumaças — dizia um dos bombeiros entrevistados, próximos aos escombros do salão —, quando chegamos aqui havia a presença de apenas uma adolescente. Ela estava em choque, incapacitada de mexer sequer um músculo. A sorte é que a garota estava um tanto distante das chamas.

A declaração do bombeiro acontecia normalmente até Edward perceber vultos suaves ao fundo do profissional. Arregalou os olhos, surpreso tentou buscar ainda mais concentração, acreditava firmemente que havia avistado algum espírito.  Logo depois do relato, as câmeras focaram mais uma vez no repórter.  

— Ed — Alex tentava iniciar sua frase de forma um pouco mais incisiva.

— Já vou desligar, só um instante! — Entretido, buscava por mais migalhas para firmar a desconfiança.

— A garota foi levada ao hospital acompanhada por alguns polícias. — O repórter dava espaço para a inserção de filmagens da partida da jovem para o hospital.

A cena fora curta, exibia alguns enfermeiros guiando a adolescente para a ambulância. A menina usava um vestido longo, sujo por cinzas tanto na barra da vestimenta quanto em sua pele. O cabelo longo bagunçado escondia sua feição, tornando a cena desconfortável. Apesar das poucas imagens da testemunha, cada uma delas parecia esconder algo. 

Ciente do tamanho envolvimento com o caso, mal conseguia piscar, o garoto recordou da promessa que havia feito consigo mesmo. Desligou apressadamente o aparelho e, após um breve suspiro, dirigiu-se ao pai.

— A notícia fica na íntegra no portal da emissora, certo? — questionava no mesmo ritmo em que sentava na cadeira, realizando os ajustes necessários.

— Imagino que sim… — O pai esticou o braço em busca de montar um sanduíche. — Hm… e aí… dormiu bem? — Evitou olhar para o filho, parecia difícil encontrar brechas para conversar com o mesmo.

— Dormi sim… e você? — Seguiu os movimentos do pai, com a única diferença de que, primeiro, pegou a jarra de suco.

A cadeira da extensa mesa possui uma confortável região almofadada, todavia parecia que nenhuma posição trazia uma sensação agradável para o garoto. Cada vez mais inquieto, decidiu que comeria o mais rápido possível.

— Sim, também… Anda aproveitando muito os dias, né? — Uma risada forçada mascarou o embaraço.

— É… anda movimentado mesmo… — Com dificuldade conseguia mostrar os dentes em um sorriso amarelado.

O filho, depois de servir o próprio suco, enxergou ainda mais a necessidade de acelerar a degustação — ainda parecia distante conversar com o pai de forma leve. As mãos atrapalhadas buscaram a metade de um pão francês e ,com uma colher cheia, parte dos ovos mexidos. Ajeitou com pressa o lanche, sem mais cerimônias mordeu com força.

— Está com pressa? — ainda com a visão focada nas preparações de seu sanduíche, Alex com uma voz reprimida dizia.

— Sim… 

O simples olhar para o rosto sereno do pai transformava o pão em algo ainda difícil de ser mastigado. No intervalo entre as mordidas, o filho viu a necessidade de continuar com as explicações.

— O Matthew me mataria se eu enrolasse mais. — Buscou amenizar a serenidade do ar com uma tímida risada. — Estou enrolando ele por muito tempo.

— Mas se alimente direito! — apontou com um pouco mais de firmeza. Terminou de preparar o sanduíche recheado e o deixou intocado no prato. Ao notar a pressa de Ed ao comer e o leve tremor que tomava sua boca, finalmente ousou colocar em palavras o que vinha tentando dizer há dias: — Filho, sei que as férias estão acabando e que o próximo semestre será cheio de provas de admissão para as faculdades…

— Realmente será…

— Então… havia sugerido para sairmos só nós dois, mas parece sempre dar errado né? — dizia de forma espontânea e descontraída. Com o olhar cada vez mais brilhante, parecia emotivo, fitou o rosto do filho e completou o raciocínio. — Seu tio vai fazer aniversário no fim de semana, será que podemos ir juntos? 

— Acho que sim… só espero que seja tranquilo. — Terminando a refeição começou a encarar apenas o prato sujo por migalhas.

— Sim… será! — Levava a mão direita a testa, coçando suavemente. — Sabe… nunca vou me esquecer daquele dia. Estou me esforçando, juro que estou.

Edward em apenas um gole tomou todo o restante do suco de seu copo, para logo em seguida levantar de forma brusca da cadeira. Com o nariz empinado, olhava para baixo fazendo questão de encarar a figura cabisbaixa do pai. 

— Você nunca vai lembrar o que aconteceu naquele dia!! — A voz empoderada ecoava por toda a sala de estar. Ainda com chamas em suas pupilas, estabeleceu o fim da conversa. — Sei que se esforça, e sei que melhorou… mas nunca mais diga isso!

Alex mordeu o próprio lábio, apenas aceitando as palavras do filho — um lembrete doloroso da longa trilha do perdão. O peito, consumido por angústia e culpa, latejava como se estivesse à beira de um infarto. Enquanto isso, Edward, com passos firmes, atravessava a sala mais uma vez, agora rumo à saída da casa.

— Tome cuidado na rua! — alertou o pai, percebendo de relance a rápida aproximação do filho à porta.

O rapaz, ainda de costas, ergueu um dos braços e exibiu um chamativo sinal de positivo. Em seguida, adentrou o familiar jardim, que, apesar dos sinais de abandono, ainda perfumava o caminho até o meio-fio. Mais uma vez, caminhava pela bela trilha sem conseguir apreciar a paisagem.

Desta vez, Edward decidiu seguir a pé até a casa de seu amigo. Afinal, Matthew morava a apenas 7 quadras dali — e o calor também pesou na decisão. Para sua sorte, o caminho começava no sentido oposto à longa subida da grande rampa.

Já do lado de fora da cerca, deu voz, sem pensar, aos próprios pensamentos.

— Mãe, me desculpe… — Batia com força em sua testa. — Vou melhorar…

Sacudiu a cabeça com vigor, sacou o celular junto dos fones e, ao som de sua playlist, acelerou o passo rumo à casa de Matthew.

Após breves 10 minutos, alcançou a grande avenida que interligava um dos principais distritos comerciais de Iluco. Lojas de roupas, eletrônicos e uma infinidade de restaurantes davam as boas-vindas a todos que chegavam. As largas faixas — onde até quatro carros podiam trafegar lado a lado em cada sentido — eram intercaladas por trechos arborizados, com árvores imponentes. O dia já avançava para um dos primeiros horários de pico, e a avenida fervilhava com a movimentação incessante de civis: mães e filhos em busca de promoções, jovens de todos os estilos e trabalhadores apressados.

No entanto, a multidão pouco importou para o rapaz. Algo muito mais simples e delicado capturou sua atenção.

Próxima ao sinaleiro de pedestres, uma criança chorava. Parecia ter menos de 10 anos. Seu vestido rosa florido, com delicados bordados brancos na barra, combinava perfeitamente com o laço que adornava seus cabelos castanhos claros, trançados com cuidado.

A verdadeira surpresa veio ao notar que ninguém desviava o caminho por causa da garota. Na verdade, as pessoas simplesmente atravessavam por ela. Edward estava acostumado a ver espíritos vagando pela redondeza, mas esta era a primeira vez que se deparava com o fantasma de uma criança.

Cuidadosamente chegou próximo até a figura, ajoelhou em sua frente e com uma voz adocicada disse:

— Oi, posso te ajudar? — Iniciou a conversa, mantendo a voz o mais baixa possível.

 

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