Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 2

Capítulo 4: (Não) Atravesse

O rapaz levou cautelosamente o dedo até o fone direito, que permanecia em seu ouvido desde que saíra de casa, e pausou a música alta da playlist. Toda a sua atenção deveria estar voltada para o inesperado encontro.

A pequena garota insistia em esfregar os próprios olhos, tentando conter o choro silencioso, de lágrimas invisíveis. O olhar levemente arregalado de Edward denunciava sua surpresa ao perceber que a criança sequer notara sua chegada. No entanto, a sensação logo se dissipou, substituída pelo peso da própria inexperiência em lidar com crianças.

O calor crescente no peito do garoto, assim como o movimento agitado de sua cabeça ao tentar verificar a rua, denunciava a insegurança que antes parecia distante em suas últimas palavras. Com um nó na garganta, ele reconhecia a dificuldade de formular as próximas frases.

Após mais uma verificação insistente, na qual constatou que a multidão parecia um pouco mais distante de si, Edward respirou fundo, à procura de retomar o controle da situação.

— Como você se chama? — As palavras soaram estranhas, parecia pular algumas etapas. — Não, espera… me desculpe. — Ainda ajoelhado, vibrou rapidamente o rosto e prosseguiu. — Oi… sou o Edward — disse, ainda em baixo tom, enquanto recuperava o foco na figura frágil em sua frente. Coçando levemente a cabeça insistiu na nova estratégia. — Ei… pode não parecer, mas eu realmente te vejo e te escuto… Então, tá tudo bem? Como posso te ajudar?

Gradativamente, o sorriso — antes um pouco forçado — ganhava vida ao perceber que, pela primeira vez, conseguia encarar por completo o rosto da menina. A nova abordagem evidenciava o caminho a seguir.

Encarar os grandes olhos esverdeados da criança revelava, pouco a pouco, o esgotamento do pesar. Breves segundos antecederam o brilho expansivo das pupilas do espírito, uma intensidade que escapava e transbordava em seus gestos. Com as mãos unidas, próximas à boca, ela enfim iniciou a conversa com o desconhecido que há pouco chegara.

— Moço, você me vê? — Em um estalar de dedos a menina exibia um semblante vívido.

Edward, ainda risonho, apenas confirmava com movimentos sutis de sua cabeça. A resposta acertara em cheio o coração da garotinha, que por impulso abria a boca em deslumbre.

A pequena fantasma afastou o deslumbre com um movimento de cabeça e, com a voz elevada, prosseguiu.

— Me chamo Emily. — Aproximou-se ainda mais da figura de Edward. — Você pode me ajudar a encontrar minha mãe?

— Posso, sim! — Mesmo em um sussurro, suas palavras carregavam força. — Mas, para isso, precisamos sair daqui.

Ergueu o corpo em um gesto de incentivo e, com um movimento sutil do braço esquerdo, convidou o espírito a segui-lo.

— Vamos — disse, virando-se de costas.

Continuar a conversa ao lado de um disputado ponto de travessia, que marcava o início do grande centro comercial, apenas aumentava o desconforto e o receio.

Poucos passos foram suficientes para alcançar o início da faixa de pedestres. Antes de atravessar, ele fez questão de verificar se Emily o acompanhava.

Lançou um olhar por sobre o ombro e encontrou a figura hesitante da criança. Suas sapatilhas brancas, adornadas com pequenos laços na ponta, mal se moviam em relação ao ponto de encontro. Imóvel, ela segurava firmemente os próprios cotovelos. Sua postura parecia desafiar a nova etapa dos planos do rapaz.

— Vem… — estampando sinceridade em suas sobrancelhas relaxadas, sussurrava lentamente em direção a Emily. 

Ainda de braços cruzados, a criança começou a dar pequenos passos. A lentidão, proposital, parecia um convite silencioso para que Edward seguisse adiante. "Talvez ela queira que eu guie o caminho, mas ainda esteja relutante em se manter próxima", pensou ele, enquanto mais uma vez encarava a faixa.

Assim como as outras duas pessoas — uma mulher de longo vestido e um homem em traje social —, ele seguiu despreocupado pela trilha que cortava a pista. Uma fila de carros aguardava o sinal verde. Isolado em um dos canteiros no meio da grande avenida, verificou mais uma vez a cena que acontecia atrás de si.

Emily já estava perto da metade da faixa, ainda mantinha os braços cruzados, porém quando percebeu os olhos do rapaz em cima de si diminuiu outra vez o ritmo da caminhada. Antes que a estranheza tomasse conta dos pensamentos de Ed, avistou uma mudança repentina da criança.

Por reflexo, assim que o sinal abriu, Emily correu desesperadamente em direção ao canteiro central.

Acompanhar sua corrida desajeitada, repleta de tropeços, enquanto os automóveis retomavam a velocidade, trouxe um imponente peso ao peito de Edward — a garota ainda estava longe de compreender sua nova realidade.

Incapaz de encará-la, vendo-a ofegar mesmo sem poder sentir cansaço, ele apenas desviou o olhar para a nova faixa de pedestres.

— Ei, fica perto de mim… Você precisou correr e ainda perdemos a oportunidade de chegarmos — disse enquanto apontava para os adultos do outro lado da rua —  até onde os dois acabaram de pisar. — A voz serena, assim como a sutil bronca, denunciavam a mudança do humor do garoto. 

— Me desculpa — respondeu cabisbaixa, com tom choroso — mas você ainda é um estranho…

— Ah… — suspirou profundamente. — Você aprendeu bem…

Mais consciente do impacto de seu sermão, tentou recuperar o clima descontraído com uma risada fraca.

— Está certo… Sabe, eu sou um cara legal… Bom acho que alguém mal intencionado também diria isso. — Colocava a mão no queixo, cerrando os olhos, compreendia o quanto estava perdendo o rumo da conversa. — Ah enfim — resmungou desfazendo os gestos e encarou o rosto da garota. — não sei lidar bem com crianças… eu acho. 

— Você é legal, mas também parece meio chato. — Inflou as bochechas e fitou Edward com determinação.

— Você é engraçada! — Uma nova risada espontânea brincava com a resposta que recebera . — Desculpe te fazer me seguir… Vou te ajudar, eu garanto! Mas precisamos conversar em um lugar mais reservado, já que ninguém te enxerga neste momento. 

— É verdade… — Encarou os próprios pés.

— Emily, você é muito mais forte do que pensa que é. Vou dar o meu melhor para te ajudar… então… podemos seguir em frente? — Posicionou a mão direita ao lado do pulso frouxo da garota, em uma espécie de convite rumo a continuar o trajeto.

— Uhum… — A resposta sucinta acompanhou o iniciar de delicados movimentos circulares em suas tranças. — Posso ficar do seu lado?

— Claro que sim. 

Ainda com passos cuidadosos, dispôs-se ao lado direito do rapaz e pacientemente ambos esperaram pela pausa dos carros. “Agora vai ficar ainda mais difícil”, o pensamento reverberou por todo o corpo do jovem. A face fechada estampara a preocupação, perdurou tanto na espera quanto em sua travessia.

Edward planejava retomar a conversa apenas próximo à casa do amigo, que, neste momento, se encontrava a duas quadras da avenida que a pouco passou. Todavia, o crescente tédio da garota ameaçava frustrar com o desejado. 

— Já estamos chegando? — perguntou arrastando a fala, no instante que mirava o perfil sério do rapaz.

— Acabamos de atravessar a rua… Daqui alguns minutos chegaremos. — Disfarçava o receio de conversar em uma voz retraída.

— Mas eu preciso falar! — Cruzou os braços em desaprovação.

Mesmo com a aparente insatisfação, nenhuma resposta escapava da boca de Ed. Afinal, a estreita calçada que percorria trazia um novo grupo de pedestres em sua direção.

— Mais pessoas… — a menina bufava intensamente revirando os olhos. — Quer saber? 

Sem cerimônias, Emily disparou em uma corrida acelerada. As sapatilhas silenciosas riscavam com força a calçada de granito, e a velocidade pouco atrapalhava as esquivas desnecessárias entre o grupo de 3 pessoas. Em um piscar de olhos, a pequena já alcançava a esquina. No veloz percurso, ignorou por completo o elegante restaurante de frutos do mar, onde alguns funcionários já organizavam as mesas para a abertura, e até mesmo a recheada banca de jornal da esquina, cuja fachada ostentava brinquedos diversos e as principais revistas juvenis.

Surpreso pela tamanha atitude, Ed só conseguia acompanhar de longe a nova peripécia.

O ritmo frenético de Emily era interrompido por uma insistente necessidade de verificar se algum carro se aproximava do cruzamento — receosa, virava a cabeça três vezes para cada lado. A breve pausa tranquilizou o garoto, que ainda passava pelo grupo de pedestres, mas logo essa calmaria se desfez com a nova disparada do pequeno furacão.

Atravessou o cruzamento ainda mais veloz e seguiu em frente. Com as tranças ao vento, percorreu a calçada desgastada, ignorando qualquer distração. Seu olhar buscava um lugar completamente vazio, e logo encontrou o que procurava: um extenso beco entre dois prédios residenciais.

— Agora quero ver! — Emily fazia questão de gritar, provocando Edward, ao passo que embarcava na estreita viela.

— Tsc, merda! — Reclamava iniciando uma corrida apavorada, repetindo os mesmos passos da figura fantasmagórica. 

Ignorava as mesmas distrações, que antes tentavam esbarrar na criança, e com fervor ultrapassava o cruzamento. Diferentemente do espírito, a corrida de Edward via-se atrapalhada pela calçada desnivelada, algumas pedras de granito deslocadas geravam pequenos tropeços. 

Superadas as dificuldades, entrou com um só pulo no beco — o receio de ter perdido o rastro daquela que se propusera a ajudar, deixava seus batimentos ainda mais acelerados. A fala descontraída de Emily quebrava qualquer possibilidade dos anseios do rapaz.

— Finalmente! — disse a menina sentada no meio do beco. — Está ficando velho, hein?

A estreita viela exalava um cheiro forte, resultado de garrafas quebradas e das mais de 4 caçambas de lixo. Duas estavam posicionadas ao centro, encostadas em paredes opostas, enquanto as outras 3 decoravam a outra entrada. O piso desgastado, repleto de rachaduras, servia como um ótimo percurso para alguns ratos.

— Muito engraçado — respondeu estampando ainda uma respiração ofegante — estou rindo muito. --- Escorando na parede à sua esquerda, de concreto com pintura descascada, buscou retomar as rédeas. — A gente já ia conversar, essa rua está bem vazia e também estamos perto de —

— Mas eu precisava contar isso de uma vez! — Ergueu o corpo enrijecendo os punhos.

— Ok, pode falar… 

— Eu acho que morri… — Os olhos baixos pareciam inundar a qualquer momento. — Tio, você precisava saber… Ontem estava com minha mãe… — Ofegante tentava relatar detalhes importantes. — Lembro que vi um carro perto de mim… acordei e estava sozinha perto de um monte de gente.

O erguer das sobrancelhas evidenciou a surpresa de Edward. 'Isso facilita as coisas?', indagou em meio aos próprios pensamentos. Afastando-se da parede, caminhou até o espírito e respondeu com calma.

— Emily, você está certa… É por isso que você atravessa os objetos e pessoas. — Já em frente a garota, percebia a mesma tentando chutar uma lata amassada próxima da grande lixeira em seu lado esquerdo. — Sei que está sendo difícil, e estou aqui para deixar mais fácil tudo isso.

— Mas… mas… — As lágrimas intangíveis escorriam por todo o rosto delicado.

— Ei, ei, tá tudo bem agora. — Desajeitado, tentava sentar próximo a assustada criança. — Tenho certeza que um lugar incrível te espera… Imagina um local onde você pode brincar à vontade… criar novas amizades e comer tudo que você mais quiser… É para este local que quero te levar.

— Eu poderia comer doce toda hora? — Ainda entre soluços esbanjava tamanha inocência em suas palavras.

— Claro que sim… que tal um montão de algodão doce?

— Prefiro sorvete… — Limpava as próprias lágrimas.

— Sorvete — suspirava em um leve riso —, boa eu também prefiro… Esse local existe, sua mãe deve ter te contado sobre.

— Sim… existem diferentes histórias, né?

— Você parece ser uma garota muito inteligente. Inclusive esqueci de perguntar sua idade…

— Tenho 10 anos… Minhas notas são as melhores da sala! — Ainda com o rosto inchado estampava um frágil sorriso orgulhoso.

— Imaginei mesmo! — Piscou de forma demorada tentando ao máximo afastar a tristeza. — Então… as coisas já estão mudando muito, né?

Emily concordava com a cabeça enquanto encolhia gradativamente os ombros.

— Sendo inteligente da forma que é, sabe que continuar sem poder conversar e brincar com alguém seria muito chato. Que tal ir para esse local mágico que te contei?

— Ele é real? 

— Com certeza! — respondeu sem pensar duas vezes, mesmo desconhecendo toda a verdade do outro plano precisava ser convincente.

— Mas e mamãe e papai? Como vou ver eles? — As palavras saíram de forma agitada da boca da garota, que colocava as duas mãos próximas ao coração. — Como vou ouvir eles?

— Você vai conseguir fazer tudo isso de lá, e até mesmo conversar com eles em algum momento. Já é bem melhor do que continuar aqui, não? — Insistia em manter a postura tranquila e confiante. 

Emily encarava as nuvens pela fresta entre as vielas, enquanto, com a mão no queixo, refletia sobre tudo o que ouvira. Por outro lado, Ed se levantou, respirou fundo e acrescentou.

— Ainda não precisa ir agora, na realidade pode ainda realizar o seu mais importante e último desejo! 

— Mamãe não pode ir comigo, né? Pode me levar até em casa, para me despedir e pegar um brinquedo? — Fixou a atenção novamente até o adolescente. A voz delicada, acompanhada da vida esverdeada em seus olhos, explicou-se. — O Joy sempre me acompanha quando estou com medo..

— Ok, vamos fazer isso… Combinado? — Levou o punho fechado em direção ao braço de Emily.

— Edward, você não é chato! — Um sorriso brilhante acompanhara o complemento do cumprimento que recebia de seu novo amigo. — Para onde vamos? 

— Vou precisar que me explique onde mora, mas antes quero passar na casa de um amigo para termos a ajuda dele. Pode ser? 

— Uhum  — falou energeticamente e, em passos ligeiros, retornou para a entrada do beco. — Vamos, precisamos ir!

— Já estou indo.

Agora de costas, Edward exprimia o mais forte possível os olhos enquanto limpava sutilmente as lágrimas que tanto lutava para esconder. 

 

Nota do autor

Quero agradecer a todo apoio e lembrar que tivemos um vídeo falando sobre todo o processo de rascunho e criação destaobra que tanto amo. Caso queiram dar uma conferida, passem por lá:

https://www.youtube.com/watch?v=NeuqWdAFqoM&t=12s

Emily é uma personagem especial para mim, principalmente pelo nome dela ter sido escolhida por um dos leitores que acompanham a obra. Espero que tenham aproveitado o capítulo <3

 

~Gusty

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