Volume 2
Capítulo 15: Davi e Golias
— Então vem… tente me matar! — disse Edward em alto e bom tom, mantendo o olhar fixo no monstro.
A monstruosidade desistiu da escalada, abriu os longos braços e saltou em direção ao garoto. O movimento, mesclado ao vento forte e gelado da noite, ergueu as vestimentas do Parasita e revelou novos detalhes: pernas e tronco, formados pelo mesmo material de tecido presente em outras partes do corpo, exibiam a fusão de fragmentos de pelo menos cinco corpos diferentes.
Duas cabeças estavam costuradas na parte superior do monstro: a de uma mulher idosa preenchia a região onde normalmente haveria um umbigo; já em seu peito direito encontrava-se o rosto de um jovem adolescente. Ambas as imagens, estáticas, exibiam um semblante de desespero absoluto — as bocas emulavam um grito feroz, ainda mais macabro pela ausência de pupilas.
Sem seguir qualquer padrão, outras partes de corpos espalharam-se desorganizadamente. Pernas e mãos rodeavam as cabeças, preenchendo cada espaço vazio da barriga até o peitoral. As pernas deformadas do Parasita, por sua vez, formavam-se a partir da somatória grotesca de braços e outras pernas.
Assim como os punhos, os pés de madeira passavam ainda mais a sensação bizarra de uma marionete. A mistura grotesca de características tornava mais pesada e densa toda a atmosfera do ambiente — talvez a figura chegasse o mais próximo da personificação do mal.
Edward sentia o medo consumir de pouco em pouco seu coração, todavia a raiva ainda blindava sua concentração. Os olhos arregalados de espanto duraram minúsculos segundos, com ainda mais força apertou a testa e encarou os movimentos ágeis do seu inimigo.
Ainda no ar, o Parasita liberou todas as suas dez garras. Ciente da aproximação iminente, o garoto, sem desviar o olhar do monstro, lançou todo o peso para as pontas dos pés e saltou para trás. O movimento de Edward frustrou a tentativa de abraço feroz da criatura.
Com os pés cravados na grama, a figura horripilante ergueu-se novamente, buscando o rapaz à sua frente localizado a poucos centímetros de distância. A falha do ataque fazia o espírito soltar grunhidos roucos, intercalados por uma respiração pesada e ofegante.
Apesar do barulho estonteante das diferentes vozes, o jovem, aspirante de Davi, apenas se concentrou em explorar as fraquezas do medonho Golias. “Ele é lento, como eu esperava… Quando o empurrei, também percebi o quão estranhamente leve é”, refletiu Edward, posicionando a mão direita — a que empunhava a faca — diante do próprio rosto. Além do gesto provocativo, o rapaz se afastava, em passos cautelosos, cada vez mais da ameaça.
O Parasita lançou a cabeça para o alto e deu voz a um grito composto por cinco gargantas, que soava como mil. A intimidação percorreu o corpo inteiro de Ed, que aguardava com ansiedade o próximo ataque. Subitamente, após expelir sua angústia, a criatura abaixou a cabeça e, com os olhos ainda mais brilhantes, fitou a postura de guarda do pirralho.
Revigorado, o ser envolto em manto agachou-se, recolheu as garras e disparou em corrida contra sua presa. Embora o tempo de preparação tivesse permitido que Edward ampliasse a distância, o trote veloz do Parasita o surpreendeu — a velocidade aumentara de forma brutal. O ato abalou a serenidade do menino: as pernas atrapalhadas moviam-se em frenesi na tentativa de correr de costas, esforço que quase o lançou ao chão. Ainda assim, por mais difícil que fosse manter tal movimento, Ed sabia que não podia oferecer as costas a um ataque.
As pegadas desesperadas flertavam com tropeços, e o pavor caminhava lado a lado com o menino. “Continue focado… continue! Se ele me atacar, eu posso revidar! Mire nas mãos… mire nas mãos.” O raciocínio repetitivo acompanhava o andar desorientado de Edward; era apenas questão de tempo até que seu inimigo o alcançasse.
A formulação de um contra-ataque complicou-se quando, de repente, o calcanhar direito do garoto esbarrou no cercado de madeira — o limite do quintal fora alcançado; não havia como se distanciar ainda mais.
“Merda, merda, merda.” Os braços levemente trêmulos diminuíram a intimidação que sua faca outrora exalava. O Parasita encontrava-se a menos de 4 metros do rato encurralado. Ciente da brecha perfeita, o monstro abriu os braços para impedir que o alvo escapasse pelas laterais. Em um espasmo, todas as lâminas irromperam pelo ar e atravessaram a grama — ainda sob o controle da presença espiritual que o tornava inatingível.
Edward precisava encontrar uma saída para a emboscada. Escalar a cerca estava fora de questão: além de ser ligeiramente mais alta que ele, o tempo gasto o deixaria completamente vulnerável. Do outro lado, uma vegetação maltratada e pouco visitada se estendia até a parte traseira de um parque da região — mais um motivo para descartar a ideia de fuga por ali.
“Ele está um pouco abaixado… só tenho uma opção.” O jovem engoliu seco ao formular sua próxima ação, consciente de que poderia morrer se seu movimento saísse do planejado.
Há menos de 2 metros o metal das presas materializaram-se, cortando a grama em seu caminho. O detalhe funcionou como gatilho para a iniciativa do rapaz encurralado. Mesmo inseguro — e contra toda intuição — Edward deu três largos passos à frente; freou a progressão, virou-se e correu, o quanto pôde, em direção à cerca. Concentrando toda a força nas pernas, flexionou a direita e lançou o peso do corpo sobre ela apoiando o pé na madeira. Num impulso violento, tentou usar a cerca como apoio para um novo salto, na esperança de passar por cima do Parasita.
A movimentação inesperada do garoto coincidiu com a tentativa de um golpe rasteiro da mão direita da assombração. O ataque passou por baixo dos calçados de Edward, freando a corrida da figura fantasmagórica.
Ainda no ar, acima da coluna curvada do caçador que ansiava por sua morte, Edward tentou cravar a faca na cabeça do Parasita. No mesmo instante, o fantasma — irritado, mas concentrado — ergueu o braço esquerdo e girou o corpo para trás na tentativa de alcançar a pulga que ousava se debater.
A lâmina riscou superficialmente o lado esquerdo da cabeça da criatura, arrancando-lhe pequenos resmungos. Já em queda, Edward recebeu o primeiro golpe indesejado: um tapa brutal de mão aberta, que cortou de raspão parte de seu ombro direito — manchando de vermelho a camiseta branca de manga longa.
O golpe desestabilizou o salto limpo da astuta presa, que caiu sobre a grama, rolando de lado e segurando, por reflexo, o ombro atingido. O semblante de dor somava-se à falta de ar, um lembrete de que o Parasita possuía mais força do que o esperado.
Apesar do estado em que se encontrava, o garoto manteve o pulso firme e não soltou a arma, mesmo durante a queda desajeitada. A rolagem durou apenas alguns segundos; logo em seguida, ainda em dor, Edward apoiou-se com o braço esquerdo e, em movimento rápido, ergueu-se. Ajoelhado, com uma mão na ferida recém-aberta e a outra ostentando o brilho da lâmina, virou-se em busca do inimigo.
Enquanto lutava para recuperar o ritmo natural da respiração, o jovem ferido constatou que, mais uma vez, o Parasita havia desaparecido. No entanto, sua ausência deixara vestígios: a cerca de madeira exibia cinco cortes profundos.
Reencontrar o mesmo cenário de incerteza de instantes atrás reacendeu a preocupação neurótica do garoto. Ele virou a cabeça em todas as direções, à procura de qualquer pista do inimigo — uma busca infrutífera que serviu, ao menos, para lhe dar a certeza de que o fugitivo não tentava, outra vez, escalar a casa.
A constatação trouxe a enorme preocupação de que o ser pudesse estar escondido sob a terra. Com o fôlego recuperado, Edward ergueu-se, ignorou a ardência crescente em seu braço — evitava até mesmo olhar a ferida, receoso de se abalar desnecessariamente — e iniciou uma corrida gradual em direção à janela da sala. O objetivo carregava forte motivação: caso o espírito tentasse um ataque pelas costas, o reflexo no vidro o denunciaria — toda agressão do Parasita sempre vinha acompanhada do aumento de sua presença espiritual.
“Ele também pode me atacar por baixo… Chris me ensinou bem esse tipo de locomoção.” Os passos, cada vez mais firmes, trouxeram-lhe uma reflexão importante: precisava encontrar uma contramedida para ambos os cenários.
Atento durante todo o percurso, Edward riscou o gramado molhado e posicionou-se diante da grande janela — a cerca de 10 palmos de distância. Sem espaço para maiores deliberações, agachou-se novamente, retirou a mão da ferida e pousou-a sobre a terra. “Se tentar alguma gracinha, devo sentir ao menos um leve tremor.” A ideia parecia consistente, mas exigia concentração extrema.
O astuto garoto mantinha o olhar fixo no vidro, confiando cegamente nas vibrações sob os pés e sob a palma da mão esquerda. A tensão tornava o ar mais denso, razão a qual atrapalhava até mesmo a respiração de Edward.
A angústia do aguardar de pouco em pouco trouxe fortes receios a partir de distorções cognitivas. O garoto sentia sua espinha congelar ao pensar na possibilidade do Parasita ter entrado em sua casa à procura de seu pai. “Eu estou perdendo meu tempo aqui? Eu fiz algo errado?” Os amargos questionamentos desestabilizaram a determinação e confiança de Edward. “O que devo fazer?” sentia-se tonto ao perceber a ruína de seu plano.
Passara pouco mais de 1 minuto, tempo suficiente para a cabeça do confuso filho de Alex o torturar violentamente. Angustiado, decidiu assumir um grande risco: aproximar-se ainda mais da janela e tentar escutar o ambiente interno com o ouvido colado ao vidro. Ergueu-se e, em passos lentos, encostou o rosto no material frio.
Imediatamente, nenhum som alcançou sua orelha. Talvez aplicasse pouca pressão contra o vidro; por isso, Edward insistiu, manteve-se imóvel por mais tempo e apertou ainda mais a face contra a superfície.
Os novos instantes trouxeram o mesmo silêncio. “Devo entrar?” Martirizou-se, enquanto se afastava cautelosamente da janela.
Antes que pudesse refletir melhor sobre os próximos passos, Edward avistou a assombração: olhos brilhantes o fitavam do outro lado do vidro. O sentimento de confusão foi abruptamente esmagado pela nova atitude do Parasita. Sem pudor, a criatura esticou o braço direito em direção ao alvo, quebrando a janela por completo. A mão alcançou o pescoço do garoto, puxando-o através da abertura e arremessando-o para dentro da sala.
O impacto foi brutal. Edward voou acima da mesa e caiu sobre o carpete, diante do sofá, com cacos de vidro superficiais rasgando-lhe o rosto, as pernas e os braços. Em espasmo, levou ambas as mãos ao pescoço, ainda tomado pelo desespero do aperto que quase o sufocara.
O monstro emanava sadismo em cada gesto minucioso. Virou-se calmamente e caminhou em linha reta, atravessando por completo a extensão da mesa. Já próximo ao carpete, revelou outra vez suas lâminas e, em tom grave, proclamou:
— Você… EDWARD VAI MORRER… EU VOU… TE MATAR LENTAMENTE!! — Diferente de momentos anteriores, a assombração falava sem qualquer sinal de gaguejo.
Ouvir as vozes, e observar todo seu contexto, arrancava lágrimas dos olhos trêmulos de Edward. Apavorado, largou o próprio pescoço e tentou arrastar-se pelo carpete usando as duas mãos. Fraco, quase hipnotizado pela perversidade diante de si, o derrotado aspirante a Davi avançava poucos centímetros, incapaz de desviar o olhar dos olhos luminosos da morte.
Entre prantos altos, Edward tentou formular seu lamento:
— Eu… eu… — a voz rouca, efeito do aperto na garganta, saía trêmula — estou com medo… não quero morrer!!
Em busca de negar a realidade, o adversário vencido cerrou os olhos.
Imerso na escuridão, pôde apenas escutar uma voz conhecida ecoar de fundo:
— É ÓBVIO QUE CHEGARIA A TEMPO, SEU MERDA! — gritou Scarlet, com energia.
Nota do autor
Como prometido, está entregue o capítulo da semana. Foi bastante desafiador, como já imaginava principalmente pelo tipo de escrita que o capítulo pediu. Espero que gostem... estamos cada vez mais próximos do final do volume 2!!!
Desclpe pelo atraso de um dia, como tive algumas complicações de saúde acabei atrasando um pouco.
~Gusty
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