Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 2

Capítulo 16: Lamentações cristalinas

A voz de Scarlet ecoava profundamente na mente de Edward. Apesar de todo o terror da situação, um pequeno alívio brotava em seu peito — talvez houvesse, enfim, uma forma de controlar o embate.

Antes que pudesse se deixar contagiar pelo ânimo de uma segunda rodada, o garoto sentiu, incontrolavelmente, sua consciência se esvair. Tentava expressar em palavras a repentina angústia, contudo nenhum som escapava dos sutis movimentos de seus lábios.

De olhos fechados, agora não por escolha, nenhum ruído mais alcançava os ouvidos de Edward.

 

Uma dor de cabeça aguda e repentina interrompeu o sono profundo de Edward. Por reflexo, levou a mão à testa e abriu os olhos devagar — apenas para se deparar com uma surpresa assustadora. Ainda deitado, percebeu que estava em um ambiente completamente diferente daquele em que perdera a consciência.

O céu estrelado de uma noite serena havia sido substituído por uma imensidão esbranquiçada, sem sol, sem nuvens, sem qualquer sinal de vida. A estranheza lhe trouxe desconforto e a sensação sufocante de aprisionamento — embora o céu permanecesse distante acima do jovem.

Assustado, Edward ignorou a dor e tentou se erguer rapidamente — precisava encontrar alguma pista do que lhe acontecera. Endireitou a coluna e, agora sentado com as pernas esticadas, deparou-se com outra estranheza: estava sobre uma superfície plana, coberta por uma água cristalina e rasa, que mal chegava a encobrir suas pernas. À primeira vista parecia um pequeno lago, mas a ilusão se quebrava diante da constatação de que, à sua frente, a superfície líquida se estendia sem revelar qualquer limite.

Abismado diante do cenário incomum, seus olhos arregalados e a cabeça em movimentos frenéticos averiguaram todas as direções em busca de uma novidade, uma explicação. Em vão. O panorama permanecia inalterado. Edward estava cercado por um mar que parecia não ter fim.

Ainda mais intrigado, franziu as sobrancelhas e decidiu levantar-se por completo. Apoiou as mãos no solo, sentindo uma textura semelhante à de areia fina, e enfim ficou de pé. Para sua surpresa, percebeu algo irônico e inexplicável: embora tivesse deitado sobre a água, nem suas roupas, tampouco a pele de suas mãos, estavam molhadas.

Incrédulo diante da descoberta, Edward sentiu a necessidade de confirmar sua suspeita. Flexionou levemente os joelhos e, com força, golpeou a superfície com a mão direita, na intenção de erguer o máximo de água possível. As gotas lançadas ao ar caíam de modo convencional, mas as que permaneceram em sua mão exibiram um comportamento anormal: cada uma delas escorria e se desprendia rapidamente, como se uma força invisível as puxasse de volta para o mar sob seus pés.

Insatisfeito, decidiu realizar outro teste. Dobrou os joelhos, ergueu a perna esquerda e retirou o pé da água. O resultado foi o mesmo — apenas em maior escala. Como tanto a barra da calça quanto o tênis estavam encharcados, as inúmeras gotas saiam da roupa em um formato delicado e cativante de linhas. Traços finos de água dançavam no ar, desafiando a própria lógica.

O charmoso surreal tirava as mais sinceras palavras da boca do admirado Edward:

— Que merda é essa? O que está acontecendo aqui? — sussurrou ainda inseguro.

O breve tempo de questionamentos bastou para que toda a água retornasse ao ponto de origem. Reafirmada a natureza incomum do ambiente, surgiu a necessidade do único humano ali presente revisitar os últimos acontecimentos, em busca de uma explicação para ter chegado a este lugar.

 — O que eu estava fazendo? — murmurou, levando a mão direita até a boca para abafar o som das próprias palavras. — Eu… estou morto? — A pergunta trouxe consigo um frio gélido que percorreu dos pés até as entranhas do coração.

A dúvida parecia se ajustar perfeitamente ao confronto com o desconhecido. Assustado, Edward afastou a mão da boca e a levou ao peito: precisava sentir seus próprios batimentos. O ritmo levemente acelerado lhe trouxe algum conforto, embora soubesse, no fundo, que aquilo não bastava para dissipar por completo a macabra suspeita.

Ainda em busca da verdade, o garoto engoliu em seco e tentou desmontar a dúvida cruel:

— Mas se isso aconteceu… por que não fiquei igual à minha mãe? Ela nunca me falou sobre um lugar como este — constatou, percorrendo o ambiente com os olhos, da esquerda para a direita.

Ao fim do movimento, sua visão periférica o lembrou de uma peça essencial do enigma. Vira de relance a ferida em seu ombro direito; manchas avermelhadas e cortes indesejados estampavam sua roupa. O sangue, no entanto, deixava de escorrer. Parecia recusar-se a sujar as águas — assim fora também quando estava deitado, se quer uma única gota se espalhou no mar raso.

A lembrança da ferida provocou um tremor em seus olhos. Em um estalo, recordou-se do pai e de todo o caos que enfrentava. Um súbito vigor tomou-lhe o corpo: precisava sair deste local estranho e sufocante. Sem se prender a amarras, psicológicas ou físicas, fixou o horizonte à sua frente e disparou em uma corrida.

A água resistia aos seus passos, tornando seus movimentos pesados, desequilibrados e mais lentos do que desejava. Porém Edward ignorou o obstáculo; toda sua energia canalizava-se em seus gritos:

— TÊM ALGUÉM AQUI? EU PRECISO VOLTAR PARA MEU MUNDO! — clamou arrastando o líquido tentando ao máximo manter um ritmo constante.

Os gritos se perdiam no ar sem qualquer tipo de resposta. Edward encarava, a cada eco frustrado, mais confirmações de sua solidão. Consciente do pouco que podia fazer e da urgência de encontrar ajuda, o atípico náufrago insistia em manter o esforço — tanto nos movimentos quanto na voz.

— EI… ALGUÉM ME ESCUTA? ONDE ESTOU?!

Mais uma tentativa falha. A cada passo, raiva e angústia se misturavam diante da ideia de estar correndo para o nada — o horizonte mostrava-se inalterado. Ainda assim, parecia errado simplesmente parar e calar.

Por 15 minutos manteve a corrida até encontrar seu limite físico e emocional. Nenhuma alteração fora avistada.

O choque abalava ainda mais seus pensamentos. Fragilizado, recusou-se a voltar à imobilidade e insistiu numa caminhada lenta. Os gritos frenéticos tornaram-se ocasionais e cada vez mais efêmeros. Durante as falas, chamou — em vão — pelos nomes de todos os que lhe vinham à mente: amigos, familiares, até mesmo o divino.

Caminhou assim por um tempo que julgava ser meia hora — mas sem qualquer referência, Edward não sabia ao certo. No branco infinito, sentia ter andado por horas. Exausto, cedeu e se ajoelhou sobre as águas.

— O que devo fazer? Scarlet chegou… espero que ao menos consiga salvar meu pai… — murmurou, com a voz fraca, encarando o próprio rosto refletido. — Você chegou muito atrasada… mas eu também.

Cansado, deixou que frustração e tristeza o golpeassem de uma vez. Lágrimas começaram a cair, deformando seu reflexo; uma água impura se misturava ao mar infinito — a pureza corrompida pelas lamentações de uma alma perdida.

— Eu queria ter feito mais… — lamentou, deixando novas gotas caírem no reflexo. — Scarlet, vença por mim… ESCUTOU?! — gritou, esgotando a garganta na mínima esperança de que suas palavras chegassem até a amiga.

A visão de seu reflexo, já distorcida pelas lágrimas, sofreu uma nova e inesperada alteração. A imagem tremia — como se todo o mar estivesse sob o efeito de um fraco terremoto.

A fraca agitação tornou-se violenta em um piscar de olhos. Algo se aproximava.

Surpreso com a primeira novidade, Edward ergueu o rosto, buscou no horizonte a razão do fenômeno. Nada, porém, justificava os movimentos cada vez mais intensos.

De súbito, tudo cessou — sem regressão gradual, apenas silêncio.

— Que merda foi essa? — indagou, confuso, enquanto voltava a se erguer por completo.

A calmaria durou apenas segundos. A 10 metros à frente, formou-se um redemoinho. Dos tímidos movimentos circulares brotaram manchas avermelhadas, que rapidamente se espalharam, ameaçando tingir todo o azul cristalino.

A espiral crescia simetricamente e velozmente, alcançando as pernas de Edward. Junto do crescimento, o vermelho tornava-se cada vez mais vívido — o que lembrava sangue fresco.

Apesar da grandiosidade do fenômeno, sua força não chegava a afetar o corpo imóvel do garoto. Até que, do centro do vórtice, um braço emergiu — atravessando o solo arenoso. Era delicado, e carregava um detalhe inconfundível: uma tatuagem familiar.

— SCARLET! — berrou Edward estampando o rosto rescindido em vida, enquanto avançava com cautela em direção ao redemoinho.

A euforia, porém, durou pouco. O solo abaixo da espiral começou a ceder, como areia movediça.

A água, antes rasa, já lhe cobria o peito — e todo o braço de Scarlet. Desesperado, Edward tentou nadar para fora da armadilha, mas o improviso fora inútil. O vórtice respondeu triplicando a correnteza.

Sem cerimônia, Edward foi tragado pelo redemoinho escarlate. Seu corpo era arrastado sem piedade; membros sem controle, cabeça chacoalhando como se quisesse se desprender do pescoço. A brutalidade tomou tudo até apagá-lo novamente.

Para onde iria? Mistério. Sem tempo para perguntas, restou-lhe apenas aceitar a viagem.

 

Uma nova dor de cabeça despertava a consciência de Edward. Lentamente, abriu os olhos e deparou-se com um cenário conhecido: estava em pé sobre a grama do quintal de sua casa. À sua frente, o Parasita ajoelhava-se apoiado em apenas uma perna.

O jovem imediatamente recordara da ocasião de seu primeiro desmaio. Na tentativa de entender como foi parar do lado de fora de sua residência, decidiu virar sua cabeça para a esquerda de encontro da janela, completamente destruída, da sala.

Além da destruição já conhecida, notava o quão revirado o cômodo se encontrava: o sofá estava de ponta-cabeça, e todas as cadeiras de madeira haviam sido afastadas da mesa — algumas partidas ao meio, outras apenas jogadas no chão. Aquela cena fugia ao estado em que sua casa estava antes de apagar. Algo havia acontecido ali.

Vagarosamente, percebeu que ainda segurava a faca.

“Que diabos está acontecendo? Onde você está, Scarlet?”, refletiu em tormento.

— Estou bem aqui! — disse Scarlet, invadindo os pensamentos de Edward.

A voz dela estranhamente preenchia sua mente. Desnorteado, procurou em todas as direções pela figura do espírito, todavia parecia que sua amiga estava agora dividindo sua consciência.

— Espera… como você sabe o que eu estou pensando? — perguntou, ainda nos próprios pensamentos.

— Finalmente você acordou! Achei que tinha feito alguma besteira. Ver você aqui me deixa aliviada! — respondeu Scarlet, com a voz chorosa ecoando dentro da mente do amigo.

— Desculpe, Scarlet… mas o que você fez?

— Ed, quando cheguei você estava desmaiado. Esse brutamontes ia te atacar, mas eu consegui surpreendê-lo com um chute… só que você não acordava, idiota! — a voz dela oscilava de trêmula para irritada. — Não podia te deixar jogado no chão; esse Parasita só parecia ter olhos para você… Então…

— Desembucha logo, ele está se recuperando!

— EU TE POSSUÍ!

— O QUÊ?!

— Eu descobri como fazer isso faz um tempo, mas nunca tinha praticado… Minha ideia era compartilhar seu corpo com a minha alma, mas eu te perdi de vista. Fiquei alguns minutos lutando sozinha e você não voltava. Então percebi que precisava controlar melhor a minha presença aqui dentro…

— VOCÊ NUNCA TENTOU E FEZ ISSO JUSTO AGORA?!

— SIM, SEU IMBECIL! EU PRECISAVA TE SALVAR! É difícil fazer tudo isso, mas estou pegando o jeito.

— Espera… a gente vai controlar o mesmo corpo?

— Sim, mas… ah cara é difícil de explicar direito como funciona… Pense em um véu: estou aqui para cobrir seu corpo com a minha alma. Minha ideia é que você consiga atingir um espírito como o Parasita. Eu posso controlar você quando quiser, mas preciso encontrar um meio-termo para você não apagar outra vez.

— Estranho… eu me sinto mais forte, mais vivo…

— Claro! Em tese, seu corpo está comportando duas almas; sua vitalidade está à flor da pele. Graças a mim. Agora atenção: precisamos lutar juntos! Então me escuta, esse merda é fraco pra cacete. Confia em mim que a gente vai longe.

 

Nota do autor

Que começe o segundo round!!

 

~Gusty

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