Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 2

Capítulo 14: Sede de morte

Distante em suas memórias, Edward via seu presente cada vez mais entrelaçado ao amargo passado. A possibilidade de que sua última lembrança mais vívida com o pai fosse aquela terrível discussão esvaía toda a força de suas pernas. A vertigem intensa o convidava ao chão, mesmo sem que tivesse travado qualquer embate físico.

Relutante, o rapaz buscava algum mecanismo de defesa. Cabisbaixo, desviava a atenção da medonha sombra, piscando os olhos de forma acelerada na tentativa de despistar os flashes das memórias inconvenientes. “Se acalma… se acalma… ele está vivo”, martelavam os pensamentos, enquanto se esforçava o triplo para permanecer em pé.

Aos poucos, a tontura enfraquecia. Todavia, o som metálico que vinha da mão do Parasita embrulhava-lhe o estômago. Mesmo com os olhos fixos nos próprios pés, Edward sabia que as lâminas percorriam o corpo de seu pai — a morte estava a centímetros de Alex.

Os sons das lâminas misturavam-se à respiração pesada do garoto, um lembrete do quanto precisava reagir de alguma forma. “Como eu lido com um Parasita, hein, Scarlet? Eu não lembro… Lembre, lembre…” — pensava o rapaz, enquanto a mente se afundava em uma densa neblina de confusão.

Cerrou os olhos e insistiu em buscar alguma resposta. “Rituais? Essa merda não serve pra nada… Meu colar… está quebrado. Mesmo inteiro, ele seria útil? Que merda… Se mexe, imbecil!”

— S… se… se… seu… SEU… pa… pai… — entre gaguejos e estalos da mão de madeira, o Parasita balbuciava em uma macabra mistura de vozes dissonantes.

Ouvir a fala arrastada, porém imponente, da criatura acelerava ainda mais o turbilhão de pensamentos do assustado rapaz. “O que eu faço? Fujo carregando meu pai? Eu não vou conseguir… Parasitas são rápidos, não são? Merda!” — nenhuma resposta parecia plausível.

“Tenho certeza de que ele ainda está encostando no meu pai… espera… posso usar isso ao meu favor? Ele está brincando comigo…” Apesar do lampejo criativo de contra-ataque, Edward, ainda sem forças nas pernas, sentia-se incapaz de tomar qualquer atitude.

Insatisfeito com a própria inércia, trêmulo, o jovem cerrou os punhos e iniciou uma sequência frenética de socos contra as próprias coxas. Os dentes, cerrados com força, impediam que desse voz à brutal ordem que ecoava em sua mente: “SE MEXE, SEU IMBECIL!”

— Seu pai… hahahaha — ria sem conseguir unir o mesmo tom sarcástico das diferentes vozes, o que tornava seu gesto ainda mais assustador. — A…a… al… alm…. ALMA delicios—

A fala foi bruscamente interrompida pela corrida repentina de Edward. As últimas palavras despertaram o mais puro ódio em seu coração, jogadas de forma despojada ao ar como se confirmassem que seu pai já havia perdido a vida. Num estalo, a insegurança dissipou-se, e seus pensamentos se tornaram claros: “Eu vou te matar!”

Edward reconhecia a possibilidade de estar correndo direto para a própria morte; seus olhos vazios denunciavam o pouco caso com o terrível receio — focava apenas em causar o fim do desgraçado que atacou seu pai.

A corrida firme levou o rapaz, em um só instante, a executar um movimento bruto e ao mesmo tempo atrapalhado: próximo à cama, ele saltou, atravessando-a o suficiente para lançar os dois pés contra o peito da figura imponente. Diferente do habitual com espíritos convencionais, o chute realmente empurrou o Parasita para trás. A ação inesperada o fez perder o equilíbrio, e, entre tropeços, cair pela janela já aberta do quarto.

Inexperiente com o tipo de golpe que acabara de aplicar, Edward tentou, ainda no ar, agarrar o lençol da cama. A ideia de amortecer a queda funcionou apenas em parte: sua cabeça e parte dos ombros atingiram o colchão, mas o restante do corpo despencou com força contra o chão de madeira.

Orgulhoso, Edward observou os movimentos desorientados da entidade em queda livre até o pátio de sua casa. Apesar de ter sido movido pela pura raiva, seus golpes tinham embasamento. Ao perceber que as garras atingiam o corpo de Alex, recordou-se de uma das muitas explicações que Scarlet havia lhe dado sobre esse tipo de monstruosidade:

— Jura que você nunca se encontrou com um Parasita? Bom, não sei bem como derrotá-los, mas, pelo que presenciei, entendi que essas criaturas não conseguem controlar bem suas presenças. Eles sempre caçam humanos, geralmente atrás de pessoas mergulhadas em uma nuvem negativa de pensamentos. Eventualmente, precisam dessas almas para continuarem vivendo. Então, se juntarmos essas duas informações, entendemos que, quando atingem uma pessoa, teoricamente, as vítimas poderiam revidar. É por isso que os Parasitas correm atrás apenas de alvos fáceis, solitários, realizando seus ataques em momentos oportunos, sem serem detectados.

Sem tempo para descanso, o rapaz irritado se ergueu, entre tropeços, e correu até a janela em busca da confirmação de seus atos. Visualizou o corpo, coberto pela vestimenta suja e longa, estirado sobre a grama. Diferentemente de antes, os olhos da fera já não emitiam o mesmo brilho, o que levou Edward a se indagar se realmente havia derrotado a ameaça.

Fácil demais para acreditar que podia relaxar, Edward desviou o olhar da janela e correu até o pai — precisava seguir para a segunda parte de seu plano. Ainda que mantivesse a guarda alta, a expressão fechada e indiferente — alimentada pelo rancor — logo deu lugar a um semblante de preocupação. Os olhos trêmulos, que evitavam ao máximo o derramamento de lágrimas, percorriam de ponta a ponta a situação de Alex: nenhum corte ou perfuração se revelava nas roupas, o que trouxe algum alívio ao rapaz.

Insatisfeito em confiar apenas na rápida averiguação, Edward curvou-se e encostou o ouvido direito no peito do pai, à procura dos batimentos. Escutar o ritmo lento, semelhante ao de um repouso, fez com que ele abrisse um sorriso sincero de alívio.

Após a constatação, mais animado, ainda que inseguro, o garoto se levantou e começou a se preparar para carregar o próprio pai nos ombros. As mãos ágeis tentavam erguê-lo para deixá-lo sentado — uma tarefa difícil, já que Alex permanecia desacordado.

— Vamos, pai… preciso te tirar daqui! — disse, forçando os braços enquanto posicionava o corpo do pai na postura desejada.

A primeira etapa estava concluída. A nova posição trouxe Alex para mais perto do abajur, ao lado da cama, revelando um detalhe desconfortável até então despercebido pelo filho: cinco pequenos buracos, como pintas, marcavam a testa entre as sobrancelhas. Com o levantar do corpo desacordado, finas listras de sangue começaram a jorrar de cada uma das feridas — tingindo pouco a pouco o rosto pálido do pai.

O conforto recém-conquistado se despedaçou por completo; no fim, a situação continuava tão delicada quanto antes. O choque da descoberta fez Edward pressionar os dentes mais uma vez — um lembrete cruel de que precisaria seguir de mãos dadas com o próprio ódio.

Apoiado apenas na certeza de que o pai ainda respirava, o filho acelerou os movimentos. Deu a volta em torno da cama, aproximando-se do trajeto até a porta do cômodo e, antes de começar a carregar Alex, sacou o celular para tentar contatar Scarlet. Os dedos deslizavam febris pela tela; rapidamente entrou no perfil da amiga e enviou tanto sua localização quanto uma mensagem direta: “Um Parasita apareceu, venha rápido!”

Apertou o botão de envio e guardou o celular no bolso esquerdo. De costas para o pai, verificou a posição do corpo e puxou os dois braços, apoiando-os sobre os ombros. Nunca havia passado por uma situação semelhante. No fundo, sabia que talvez houvesse uma forma mais simples de carregá-lo, mas o alarmismo não lhe permitia outra tentativa.

Com força, Edward iniciou a caminhada, puxando ao máximo o corpo do pai pelos braços. Alex sempre teve um porte atlético, conciliava a rotina com a prática de academia — até o falecimento de Joe. Desde o último ano, o viúvo perdera massa muscular e, com o apetite cada vez menor, chegou ao peso mais baixo em muito tempo. Ironia cruel, essa fragilidade agora facilitava os planos desnorteados do filho: bastaram poucos passos para retirar o familiar da cama.

Edward posicionou os braços do pai em volta do pescoço, simulando um abraço. Apertava com firmeza cada punho e, levemente inclinado, iniciou a caminhada pelo corredor. Infelizmente, a estratégia fazia com que parte do corpo de Alex fosse arrastada pelo chão — no fundo, o garoto se sentia sujo pela forma como tentava ajudar o próprio pai.

O peso apoiado em suas costas exigia esforço crescente a cada passo, detalhe que Edward ignorava. A testa enrugada e o olhar afiado denunciavam apenas sua vontade de chegar ao primeiro andar e dar fim ao fantasma que ameaçava marcar sua vida para sempre.

Em cerca de 3 minutos alcançaram o fim do corredor. Próximo à pequena escada que dava acesso ao andar inferior, o adolescente retirou o apoio de Alex e o deixou sentado próximo à porta do quarto. Preferiu evitar o risco de vê-lo novamente à mercê do Parasita — ou de um tropeço fatal entre os degraus.

Cuidadosamente, apoiou a cabeça e o tronco do pai na parede gelada do corredor. Antes de descer, encarou outra vez o rosto dividido por linhas vermelhas e murmurou em um tom sereno:

— Deixa comigo, pai… então me espera.

Determinado, Edward começou a descida no mesmo instante em que discava, pelo celular, para a emergência.

Percorreu a curta escada em poucos segundos — tempo suficiente para alguém atender do outro lado da linha.

— Boa noite, emergência de Iluco— A voz atenciosa de uma mulher tentava terminar sua fala.

— Boa noite, sou Edward… Edward Xlu Griffin preciso de uma ambulância…

O garoto perdeu a fala ao notar a grande janela da sala, iluminada pela luz do cômodo: o Parasita já não estava caído na grama do quintal. A descoberta agravou sua aflição.

— Certo, qual é a emergência?

 — Eu… ahn… escuta! — respondeu, iniciando uma corrida até a cozinha, à esquerda da entrada e da escada. — Alguém invadiu minha casa, meu pai foi atacado! Tenho certeza de que o invasor ainda está aqui… preciso me esconder… meu pai está ferido… mande alguém o mais rápido possível! — clamou, mantendo a voz baixa, enquanto já na cozinha refletia onde guardavam as melhores facas.

— Certo, Edward, vai ficar tudo bem. Não precisa mais responder, apenas me escute: se esconda junto com seu pai e não reaja. Com seu nome completo e número consigo localizar sua casa. Estaremos aí em até 15 minutos.

— Obrigado… — murmurou, desligando a chamada sem esperar outra resposta.

Com as mãos livres, Edward abriu a primeira gaveta ao lado da pia. O grande armário de madeira da cozinha possuía quatro pequenas gavetas na parte inferior, duas portas logo sob a pia e mais seis acima, dispostas em curva, formando um “L”. Pesadas, todas as gavetas rangiam em ruídos inoportunos.

Em velocidade, retirou talheres desnecessários e se armou com uma faca de cozinha grande, própria para carnes.

Embora ciente do desaparecimento do Parasita, Edward sabia que ainda corria perigo. Uma luta dentro de casa seria muito mais difícil — e arriscada, já que não queria envolver o pai novamente. Então, decidiu disparar até a porta da sala para alcançar o quintal.

Os tênis riscaram sem pudor o piso de cerâmica da cozinha. Dobrou rápido à esquerda, correu esmagando o taco de madeira da sala, tropeçou no carpete entre o sofá e a televisão. Em seguida, contornou a mesa de jantar, abriu a porta lateral e atravessou para o quintal.

Ofegante, reduziu o ritmo e começou a procurar pelo monstro. Nenhuma anormalidade surgia em seu campo de visão, mesmo ao examinar à esquerda e à direita. Em passos lentos, avançou até parar de costas para a grande janela da sala, posicionando-se no centro do pátio.

— CADÊ VOCÊ?! — gritou firmemente, embora estivesse abalado com todo o sumiço de seu alvo. 

— AQUI! — retrucou o ser, também gritando, mantendo a bizarra mescla de diferentes timbres de voz.

A resposta ecoou no ar gélido da noite, atrás de Edward. Assustado, o menino girou o corpo por completo e ergueu a cabeça em direção ao som. O Parasita estava pendurado junto à janela que havia atravessado momentos antes.

— Pensei… QUE… você não VIRIA! — A fala menos travada sofria ainda com mudanças inesperadas de entonação. — Pensei que… PENSEI MUITO EU… pensei que comeria apenas uma alma hoje… Você…. E D W A R D — soletrava o nome virando seu rosto em  180 graus.

— Estou aqui. Para de fugir e venha… seu merda!

 

Nota do autor

Obrigado pela atenção e por acompanharem "Edward The Guide". Cada vez mais estamos embarcando na reta final do volume 2, como forma de compensá-los todos pelos últimos atrasos quero lembrar todos vocês que dia 10/09 também teremos outro capítulo!

Até mais...

 

~Gusty

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