Volume 2
Capítulo 1: Biblioteca de Iluco
Cerca de mais de um ano se passou desde do fatídico acidente. A descoberta do dom de Edward trouxe um novo caminho a ser percorrido.
Apesar da difícil relação com o pai, o garoto continuou em busca de se esforçar ao máximo — precisava ocupar sua mente. Nos primeiros meses, após a morte de Joe, o filho precisou realizar rotineiros exames em busca de um laudo detalhado sobre seu estado mental. O resultado que Alex tanto esperou, um que comprovasse alguma relação com alucinações, nunca chegou em suas mãos.
A falta de comprovação de algum transtorno levou Edward para o uso corriqueiro de alguns antidepressivos e também de idas recorrentes a psicóloga. Apesar da mudança repentina de rotina, o rapaz se mostrou solícito — agarrou na ideia de que as novas circunstâncias iriam o auxiliar e também acalmaria a pressão de Alex.
Mesmo cercado de adversidades, Ed buscou otimizar ao máximo o tempo à procura de aprender mais sobre seu dom. O novo mundo começou a se entrelaçar com o já conhecido, reflexo do esforço em treinar sua visão para identificar a presença de espíritos. Em um piscar de olhos, viu-se esbarrando com espíritos de diferentes idades e até mesmo de diferentes naturezas, como animais de estimação.
Nos primeiros meses agiu apenas como um observador, contudo lentamente começou a ter coragem de conversar com alguns espíritos que apareceram em seu caminho. As conversas sempre trouxeram espanto, principalmente por parte do outro lado, e também relatos da vivência em um mundo após a morte.
Agora, nas férias de verão e com mais tempo livre, percebeu a necessidade de ser ainda mais produtivo. Criou o plano de visitar todas as bibliotecas acessíveis da cidade à procura dos mais diversos livros em torno do sobrenatural. Compreendia a grande possibilidade dos métodos convencionais falharem, mas ainda assim acreditava fielmente que estes estudos renderiam bons frutos.
O primeiro local escolhido foi o mais previsível possível: a Biblioteca Pública de Iluco. A cidade de Edward, embora pequena em comparação com as vizinhas, apresentava uma biblioteca renomada pelo mundo inteiro — a arquitetura clássica, bem preservada, e um acervo de mais de 60 mil livros eram os principais motivos da relevância do estabelecimento.
Ciente do aumento de visitas nesse período e do horário de funcionamento, o garoto se organizou meticulosamente para acordar por volta das 6 da manhã. Em completo silêncio, vestiu-se, preparou um café da manhã leve — um simples sanduíche de presunto e queijo —, pegou o essencial, guardou na mochila e saiu em direção à bicicleta.
A saída atrasou devido à baixa visibilidade. O dia recém-amanhecido ainda carregava resquícios de escuridão. Todavia, a luz do celular de Edward iluminava o suficiente para que ele conseguisse destrancar e trancar a porta de entrada.
Fora da imersiva escuridão, o garoto enxergou a trilha até a garagem receber de pouco em pouco os raios solares do novo dia. Distante de se prender a detalhes, atravessou o jardim, agora menos vibrante do que no ano passado, enquanto enviava uma mensagem de texto para Alex: “Saí cedo hoje, vou dar uma volta de bike e depois encontrar alguns amigos. Podemos deixar sua programação para outro dia, tudo bem?”
Ainda sentia-se estranho com a ideia de passar um tempo livre apenas com o pai. Logo, o filho suspirou aliviado por conseguir adiar mais uma vez os planos do familiar. O jeito indireto de dar o aviso também contribuiu para a sensação de alívio.
Depois do breve percurso, traçado por passos ligeiros, encontrou-se frente a seu desgastado veículo. Esfregou com força os olhos, precisava despistar o sono, para então se acomodar no banco. Antes de realizar a primeira pedalada, sacou os fones do bolso da calça e de forma despretensiosa selecionou uma música aleatória .
O ajeitar dos fones preencheu os ouvidos de Edward com um conhecido rock dos anos 80. Mesmo não cultivando tanto gosto por sons antigos, conseguia sentir o ritmo cativando seu despertar. As batidas eletrizantes refletiram na crescente velocidade aplicada nos pedais da bicicleta. Em um instante, as rodas riscaram a grama até a saída da garagem.
O caminho até o destino começava com um obstáculo desafiador: a íngreme subida da rua que levava até sua casa. O ranger das correntes ecoava a cada pedalada, reflexo do esforço constante aplicado. O jovem apertou o guidão com firmeza, por instinto fechou os olhos vagarosamente, uma confiança singular aparecia como um sorriso espontâneo em seu rosto — algo refrescante tomava conta de seu peito, parecia que aquele poderia ser um bom dia.
Os primeiros raios do sol, gentis e dourados, abraçavam o garoto e o brilho azulado de sua bicicleta. Ao abrir os olhos contemplou seu bairro, banhado pela luz crescente de um novo amanhecer. Com o maior obstáculo superado, deixou a adrenalina ceder, permitiu-se saborear a vista e a tranquilidade de sua pequena jornada.
As casas do bairro seguiam quase o mesmo padrão: um pequeno jardim na entrada e cercados simples, o que tornava as diferenças ainda mais evidentes. Algumas residências exibiam cores neutras, já outras apostaram em tons vibrantes. Os gostos ecléticos refletiam na arquitetura — do material utilizado à disposição dos andares. Apesar dessas variações, o rapaz não podia deixar de notar como aquela região era privilegiada.
Enquanto as rodas giravam pelo asfalto, Edward percebia o despertar de poucos vizinhos. Alguns cuidavam dos jardins, ao mesmo tempo que os mais jovens se preparavam para seguir rumo aos seus trabalhos. Havia algo inquietante em observar aquela normalidade — um gosto agridoce se formava em sua boca. Antes que pudesse se aprofundar nesses pensamentos, decidiu deixar ser carregado pela leveza do vento que bagunçava seu cabelo. Com um impulso decidido, disparou em velocidade mais uma vez.
Após cerca de vinte minutos, Edward avistou a imponente Biblioteca Pública de Iluco. O edifício, com sua arquitetura clássica, destacava-se em meio aos altos prédios comerciais que dominavam o centro da cidade, trazendo uma sensação de alívio ao cenário urbano. Logo em frente, um extenso parque suavizava ainda mais a atmosfera.
Durante a espera da abertura do sinal, Edward pensava em onde deixaria a bicicleta. Uma rua cortava o caminho até a biblioteca, o fluxo crescente de veículos denunciava a aproximação do primeiro rush do dia. Sentiu-se satisfeito por ter escolhido um meio de transporte mais ágil.
O ânimo cresceu ainda mais ao lembrar que o parque, em frente ao estabelecimento, oferecia um estacionamento exclusivo para bicicletas. Assim que a luz verde apareceu, avançou com rapidez e virou à direita, em direção ao estacionamento.
Sem novas intervenções, estacionou e logo ergueu o corpo rumo ao destino. Mesmo com a temperatura amena, conseguia sentir resquícios de suor pelas suas costas. Desconfortado, talvez aplicou esforço além do necessário, somente buscou focar no objetivo à frente.
A fachada da biblioteca de Iluco erguia-se como um monumento ao tempo. 8 colunas altas e brancas sustentavam a entrada principal, de mesmo material e cuidado aplicado em toda a construção — um mármore brilhante que, graças à recente revitalização, disfarçava os séculos de existência do edifício.
Ainda na fachada, a simetria perfeita dos elementos evocava um elegante exemplo de arquitetura grega. Duas grandes janelas com sacadas adornavam a entrada, à medida que mais de 10 outras se espalharam pela extensão do prédio.
Acima da entrada, um imponente frontão triangular coroava a estrutura, e no centro dele destacava-se uma escultura esculpida com precisão. Duas mulheres, envoltas em trapos esvoaçantes, seguravam uma espécie de livro entre as mãos — suas expressões serenas pareciam guardar, em silêncio, os segredos daquele lugar antigo.
Independentemente do que sabia ou esperava, contemplar de perto a grandiosidade da construção imobilizou Edward. Cada detalhe do monumento o fazia prender a respiração, e, aos poucos, sua boca abriu em um reflexo involuntário.
Depois de poucos minutos, finalizou sua inspeção e, em um forte chacoalhar de cabeça, retomou a caminhada. Cruzou apressadamente a rua, sequer conferiu as laterais, a sede em desbravar cada canto do interior da estrutura parecia aumentar incontrolavelmente.
Atravessou a brecha entre as colunas, que pareciam ainda mais delicadas de perto, e finalmente avistou o enorme salão. O piso de madeira rústica, de tom escuro, contrastava de forma harmoniosa com as paredes claras. A luz de um grande lustre, aparentemente banhado a ouro, refletia nos corrimões das duas escadas laterais. Os degraus, também de madeira, guiaram Edward até o andar da biblioteca.
Antes de mergulhar no mar de estantes, precisava atravessar um longo corredor, onde 3 seguranças e detectores de metal barravam a passagem. Sem delongas, retirou a mochila, os fones e o celular, e logo depositou-os na mesa de metal entre os detectores. Só então pisou oficialmente no território bibliotecário — um assoalho de madeira brilhante e lisa delimita perfeitamente o início do local.
Imediatamente, sentiu um frescor gélido — um grande sistema de ventilação, discretamente oculto, funcionara ali. O frio, embora arrepiante, era menos intenso do que o que sentia em seu estômago. O grande salão da biblioteca dividia-se em dois andares.
No térreo, possuía cerca de 400 metros quadrados, uma imponente rosa dos ventos estava desenhada no centro do piso. 6 extensos corredores de estantes — três à esquerda e três à direita do símbolo — estendiam-se desde a saída dos detectores de metal até a outra extremidade do cômodo. Entre os corredores, amplos espaços em branco interrompiam a continuidade; nesses intervalos, grandes mesas serviam de apoio aos leitores visitantes e facilitavam a circulação.
Os passos cautelosos de Edward revelavam uma aflição genuína, como se tratasse até o piso com extremo zelo. Em contraste, os rápidos movimentos de seus olhos evidenciavam o entusiasmo e a admiração que o impulsionavam a desbravar cada detalhe da grandiosidade do local.
Gradualmente, avançou em direção ao centro. Ao ultrapassar a arte gravada no piso, deparou-se com a grande escada encaracolada que levava ao andar superior. Tinha uma largura considerável — ao menos duas pessoas podiam subir lado a lado. Os degraus de madeira eram acompanhados por dois corrimãos finos de metal escuro. O apoio não possuía aberturas; do degrau até a altura da mão, delicados losangos de ferro preenchiam a decoração.
Ciente da disposição dos livros religiosos e históricos no andar superior — informação obtida em sua breve pesquisa sobre o local dias antes —, Edward apertou o passo. Cada lance era superado com um nervosismo crescente, embora ainda mantivesse cautela para absorver os detalhes ao seu redor. Quanto mais alto subia, mais compreendia a organização do ambiente. Ao olhar para baixo, reparou na grande mesa circular, situada logo atrás da escada, onde mais de 3 funcionários trabalhavam. Também notou a discreta movimentação de pessoas pelos corredores — o local, de fato, recebia visitantes a qualquer horário.
Próximo de finalizar a subida, o jovem voltou a atenção para o novo andar. Diferente do anterior, este tinha menos da metade do tamanho. A grade do corrimão começava suavemente a demarcar o início do piso, criando uma espécie de cercado. Adiante, percebia 8 corredores, mais estreitos que os do andar inferior, estendendo-se até o fim da extensão do grande salão. No término de cada corredor, grandes e altas janelas contribuíam para a iluminação, em conjunto com um imponente lustre sob a saída da escada.
Com os pés firmes no andar de cima, a calmaria começava a se refletir na respiração de Ed — finalmente, acostumara-se à magnitude do local. Seu olhar afiado buscava um ponto de partida para os estudos. A ausência de placas de identificação dos setores levou sua mão direita à nuca. O leve roçar dos cabelos apenas reforçava a grande questão: 'Por onde começar?”.
Consciente da longa jornada em busca de respostas, julgou como indiferente o ponto de partida — gostava da ideia de prolongar sua visita. Assim, sem muita reflexão, direcionou até o primeiro corredor do lado esquerdo — decidiu explorar da forma convencional, da esquerda até a direita.
Próximo à primeira estante, Ed reparou nos ricos detalhes do móvel. A madeira escura possuía trechos em relevo, esculpidos em um tom avermelhado. O efeito formava uma grande árvore sem folhas, cujos galhos se ramificavam por cada andar da estante, adornando a borda de cada bloco.
A descoberta resultou em uma breve risada, em forma de suspiro, pelo garoto. Todas as saborosas descobertas colocaram em cheque tamanha demora em ir atrás de conhecer tal biblioteca. 'Se tivesse vindo aqui mais vezes, provavelmente teria gostado mais de livros... De qualquer forma, como nunca pensei em tirar fotos deste lugar?', refletia, enquanto as ideias borbulhavam no ritmo de suas contidas risadas.
Cuidadosamente analisava de cima a baixo os livros e seguia com seu andar meticuloso. O foco em procurar algo de interesse fora rompido abruptamente pela chegada de uma nova voz.
— Que merda… Por que alguém veio aqui? — uma voz feminina exibia raiva em seus questionamentos.
O jovem virou o rosto em direção a reclamação, enrugou a testa em resposta a tamanha insensibilidade. A indignação durou apenas até Edward avistar a figura da moça. Seus olhos se arregalaram em surpresa.
As palavras vinham de uma jovem deslumbrante, que aparentava ter a mesma idade que ele. Vestia um sobretudo marrom desgastado, mas ainda elegante. Seu cabelo curto e avermelhado reforçava ainda mais a marcante primeira impressão. Uma grande tatuagem em sua mão direita trazia uma singular imponência.
A garota insistia em manter suas sobrancelhas próximas, enquanto firmemente apertava sua cintura com uma das mãos. Desanimada com a possibilidade de Edward permanecer ali por muito tempo, ergueu o rosto, encarando o teto, e suavemente jogou seu corpo contra a estante.
Independente da clara irritação da jovem, o rapaz sequer mexeu o corpo. Contemplou cada ação e detalhe. Totalmente concentrado, teve certeza do que via: um espírito havia chegado.
— Vamos… tá na hora de sair. — Cantarolava no instante em que escorregava cada vez mais sob o apoio.
— Por que eu deveria? — respondeu de forma afiada e soltou um riso debochado.
— Uou, uou, uou… — Afastou da prateleira com intensidade. Arregalava cada vez mais os olhos. Com a voz trêmula, prosseguiu. — Você… me escuta? Pera… —- Piscava lentamente, começando a entender o que estava acontecendo. — Você me vê? Que merda é essa!
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