Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 1

Capítulo 3: Ponto de partida

O frio cortante na espinha começava a se dissipar e levava consigo o arrepio dos braços. Mesmo com o retorno da normalidade, o chamado de seu nome permanecia em sua mente. “Ouvi certo? O que acabou de acontecer?” pensou Edward ao limpar com cuidado as lágrimas.

A conversa exaltada dos pais o lembrou da importância de superar o choque. Com as mãos firmes, segurou o rosto de Joe, forçou-o a encará-la mais uma vez e disse, em tom suave:

— Mãe… já estou melhor!  — Fitou a escuridão trêmula nas pupilas de Joe. Um nó se formou em sua garganta ao perceber, só agora, o estado de sua mãe. Vislumbrar o rosto molhado e avermelhado incentivou as novas palavras do garoto. — Foi muito estranho, mas está tudo bem agora! 

Joe o envolveu mais uma vez em seus braços, um aperto delicado e frágil refletia o seu desgaste e a busca por conforto. O filho retribuía com mais força, ao máximo quis demonstrar sua gratidão e segurança.

Por um breve instante ambos continuaram a aproveitar o calor confortável do gesto. Alex, incapaz de se aproximar, apenas visualizou as figuras refletidas pelo retrovisor interno. Vislumbrar o surgimento de um singelo sorriso no rosto de Edward lhe trouxe alívio. Como resposta, o pai respirou fundo e limpou, com a mão esquerda, os projetos de lágrimas que haviam surgido. 

Vagarosamente o garoto se desprendeu do enlace. A máscara de segurança começava a ruir, o ritmo ainda acelerado de seu coração serviu como lembrete. Juntou as mãos com as de sua mãe para realizar um pedido.

— Mãe, eu realmente já estou bem melhor… mas você poderia ficar aqui comigo? Acho que traz mais segurança para todos nós…

— Claro! Também pensei a mesma coisa — disse ela ao apertar forte a mão do filho, sabia bem que o anseio não iria dissipar tão rapidamente. Agarrou no alívio recente e assim relembrou que deveria ser o porto seguro. — Vou ficar aqui do seu lado até chegarmos.

— Obrigado... é só por precaução. Quero que fiquem tranquilos... por isso sugeri essa ideia! — Na tentativa de afastar a preocupação que havia causado, suas palavras saíam com um ritmo atrapalhado.

— Filho, estou aqui por você… então se acalme, tá?

A mãe buscou com cuidado o cinto do meio, que vivia embaixo do banco, enquanto notava a confirmação do filho às suas últimas palavras. Edward, por sua vez, sentiu a necessidade de se comunicar mais diretamente com o pai. Assim esticou o cinto ao máximo, apoiou as mãos no encosto do banco do motorista e disse:

— Acho que você ouviu tudo. — Mesmo incapaz de avistar por completo o rosto do pai, contentava-se com a vista de seu perfil. Com a mão direita coçava suavemente o cabelo enquanto continuava sua fala. — Estou bem melhor, mas por precaução pedi para minha mãe ficar aqui atrás comigo.

— Certo filho… ahn… foi meio assustador… — Alex dizia com uma voz fraca algo que o distanciava de seus maneirismos. — Depois… vamos… no hospital. Pode ser? É importante termos certeza de tudo que aconteceu.

— Hm pode ser…

— Onde diabos esse cinto foi parar? — disse a mãe, em um tom misto de riso e irritação. Ela insistia em erguer uma brecha do banco à procura de seu alvo, mas o cinto parecia perfeitamente escondido. — Sério, cadê isso? A gente tirou o do meio?

— Claro que não! — Alex ria da espontaneidade de sua esposa.

— Olha melhor que você acha. — Edward em um tom irônico também entrava na brincadeira.

A mulher respondeu com outra risada contida enquanto persistia na busca. Poderia facilmente escolher o assento na outra ponta, mas isso a afastaria de Ed. Por isso, decidiu insistir.

Edward observava o esforço e assim decidiu se despedir de seu pai. Com o olhar retomado à estrada, disse com uma voz descontraída:

— Pai, já vou indo preciso ajudar minha mãe. — Sorriu e com a mão direita no ombro do pai reafirmou o combinado. — Vamos passar no hospital então! Quero acreditar que—

O filho arregalou os olhos com ferocidade ao notar a aproximação de uma pequena criança, cada vez mais próxima do carro. Os cabelos longos e pretos contrastavam com o vestido branco, que parecia reluzir intensamente. A ausência de sapatos tornava a cena ainda mais desconcertante. Um calor incontrolável contaminou suas veias, justificativa para o alto grito direcionado ao pai.

— PARE O CARRO AGORA!! HÁ UMA MENINA NO MEIO DA RUA. — Apertou fortemente o ombro do pai enquanto se mantinha hipnotizado pela figura da garota.

Tanto o pai quanto a mãe olharam para a frente em busca de qualquer rastro de uma criança. A falta de contato visual intensificava a terrível sensação de confusão. O medo de mais um surto se iniciar percorreu os pensamentos dos adultos. Alex desviava a atenção entre seu filho e a estrada, gostaria de entender tamanha aflição. Então em um só grito respondeu:

— EDWARD NÃO HÁ NADA!

Joe, após verificar pela segunda vez o trajeto, começou a tentar conter a agitação do filho. Com ambas as mãos, apertou suavemente os ombros de Ed e o empurrou para trás com delicadeza, convidando-o a se acomodar novamente no assento. Contudo, Edward ergueu o corpo por completo, recusou-se a deixar o possível incidente para trás. Reuniu ainda mais energia e soltou novas palavras com redobrada intensidade.

— PAI, PARA LOGO ISSO… VAMOS MATAR UMA INOCENTE!

Os movimentos de Alex se tornavam cada vez mais desregulados, a cabeça incansavelmente se mexia à procura de alguma alternativa. As falas de seu filho estampavam medo e uma estranha veracidade, fato que confundia seu discernimento. Todo o trajeto da viagem até então havia sido cercado por problemas e desavenças, aspecto que parecia longe de ser resolvido — o cansaço sempre esteve ao lado do motorista. Fechou os olhos e apostou suas fichas nas súplicas.

O querer evitar mais um grande problema para a família, resultava em um grande e rápido descuido do pai. Pisou no freio enquanto, impulsivamente, girava o volante para a esquerda. Cada movimento precipitado aumentava o aperto intenso de seus olhos.

A falta de precisão em sua decisão revelou a crueldade implacável da física: o veículo já estava no ar, e para todos dentro dele, o tempo parecia se arrastar em câmera lenta.

Alex, ainda de olhos fechados, sentiu o mundo girar em espiral. Edward foi puxado com força e, no início, sem entender o que estava prestes a acontecer, experimentou um breve alívio ao perceber que a garota estaria a salvo. Joe, por outro lado, estava completamente desprotegida, sem o cinto de segurança. A cada milésimo de segundo, ela conseguia vislumbrar a aproximação de um destino cruel.

Impossibilitada de controlar o próprio corpo, a mãe de Edward começava a perceber a presença da garota. Sentia algo único enquanto a observava, independente dos movimentos bruscos era impossível desviar sua atenção para a criança que agora lhe encarava. O delicado coque de Joe afrouxava a cada instante, os fios de seu cabelo tentavam ofuscar sua atenção no mesmo passo que reforçava sua impotência.

Rapidamente a percepção de todos seguiu a veloz lógica. Após um curto intervalo de tempo o carro se mostrava de cabeça para baixo próximo a uma das bordas do viaduto. O alívio durou apenas breves milésimos. 

Agora, com a visão turva e de cabeça para baixo, Edward olhava desesperado em todas as direções — precisava compreender o estado da situação. Todo seu corpo doía, o constante tremor salientava sua angustiante fraqueza. Ansiava por chamar por seus pais, no entanto seu pulmão cedia. “O que devo fazer? Eu me machuquei muito? Como eles estão?” A indecisão corrosiva maltratava o psicológico de Edward.

O ritmo cada vez mais acelerado de sua respiração infligiu ainda mais na distorção de sua visão. Apesar do borrão no banco em sua frente parecer com Alex, sofria com a incerteza do estado físico de seu pai. A situação deteriorou-se pela incapacidade de encontrar a figura de sua mãe. O lado em que a mesma ocupava apresentava pequenos rastros avermelhados e incontáveis pedaços de vidro no teto.

Após a última verificação, com o coração cada vez mais perto de sair de seu próprio peito, a escuridão consumiu sua visibilidade. Antes de desmaiar, reuniu sua forças e tentou chamar por ajuda:

— Mãe… pai… eu… — Uma voz chorosa e fraca decorou sua fala.

O chamado fora irrelevante. Alex ainda se mostrava desacordado e Joe já estava longe do alcance de suas palavras.

A janela próxima de Joe havia sido a travessia para o fim de sua vida: em meio às últimas voltas, o corpo da amada esposa, e mãe, havia sido lançado sob o asfalto. Nenhuma sensação melancólica consumiu seus últimos pensamentos, não teve tempo, invés disso a mais pura curiosidade percorreu o seu ser. 

A face irônica da vida levava o corpo da adulta próximo aos pés da criança. Olhou para baixo e assim encarou a figura da mulher ensanguentada sem qualquer sinal de vida. Uma voz fina e tranquila saiu da boca da misteriosa criança.

— Por que vocês me enxergaram?

A dor latejante em sua cabeça fez com que Edward acordasse em um grande susto. O sol quente denunciava que algum tempo havia passado desde o início da viagem. Ergueu de forma imediata o corpo reparando que se encontrava em uma maca. Virou a cabeça para trás, consequentemente percebeu que estava prestes a ser colocado dentro da ambulância. Tal constatação serviu como um poderoso soco em seu estômago — no fim tudo havia sido real.

Sons de conversas capturaram sua atenção, fazendo com que rapidamente desviasse o olhar para o lado direito. A cena trouxe alívio, mas também reforçou a gravidade do ocorrido: o carro de sua família estava completamente destruído, reduzido a uma estrutura quase irreconhecível. Cones laranjas isolavam a área do acidente, abrangeram os envolvidos e manchas escuras de sangue próximas a uma das portas traseiras. Um caminhão de bombeiros permanecia estacionado atrás do carro inutilizado. Próximo a ele, Alex estava sentado, cabisbaixo, encostado na borda do viaduto, sob a supervisão de um bombeiro e um enfermeiro.

Após Edward observar com cautela todo o contexto, lágrimas ameaçaram sair no momento em que se mostrou ausente qualquer sinal de Joe. No entanto, não toleraria qualquer espaço para os conflitos anteriores, uma imensa alegria contaminou seu corpo que se moveu automaticamente até seu pai. Pouco importava a dor de sua cabeça, fez-se necessário conversar com Alex.

Entre pequenos tropeços, atravessou de forma enérgica a estrada interditada e em um grito recorreu ao seu pai. Alex de imediato levantou-se, seus olhos arregalados e lubrificados estavam à procura da voz de seu filho. Em um piscar de olhos, com passos rígidos e rápidos, se encontrou em um forte abraço com Edward. Apertava forte as costas do garoto enquanto escondia suas lágrimas de preocupação.

— Ei menino… volte aqui! Ainda precisamos tratar de seus ferimentos.

A enfermeira, que antes se encontrava em uma conversa com o motorista da ambulância, corria de forma desajeitada atrás de um de seus pacientes.

— Tá tudo bem, eu estou sentindo nada! — O menino sequer olhou para trás, aproveitava o conforto tão distante da naturalidade de seu pai.

Alex desfez agilmente o gesto, a fala da enfermeira o recordou de averiguar o estado físico do filho. As duas mãos seguravam gentilmente os ombros do garoto no mesmo instante que media cada centímetro com seu olhar. Edward percebia a preocupação nas atitudes do pai então rapidamente afirmou:

— Pai, estou bem. Sem dor alguma… mas como você está? Parece que se feriu um pouco. — Agora com mais atenção tornava-se nítido alguns arranhões na testa e na perna direita de Alex.

— Estou ótimo! — Chacoalhou a cabeça no mesmo instante que lentamente soltou os ombros do garoto. A pupila brilhante acompanhou um semblante risonho. — Mas muito melhor agora.

O sorriso sincero de Edward agradecia por tamanho carinho de seu pai. Mas o filho precisava questionar sobre o que tanto embrulhava seu estômago. 

— Pai… como está a mãe? Procurei ela em todos os lugares…

Vagarosamente fugiu do olhar preocupado do filho. Buscou refúgio na vista dos próprios pés. Assim como o coração de Edward, Alex exibia o destrutivo sentimento de medo e culpa.



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