Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 1

Capítulo 2: O chamado

Com o braço e a cabeça apoiados no vidro da janela, Edward acompanhava silenciosamente cada mudança de paisagem ao longo do percurso inicial. Seu olhar caído capturava desde os imponentes prédios no centro da cidade até as fábricas distantes que surgiam na periferia. Foram necessários cerca de 40 minutos apenas para deixar sua cidade natal, e a percepção do engarrafamento enfrentado trouxe consigo um gosto amargo.

As músicas ecléticas preenchiam seus ouvidos no volume máximo, cada vez mais a playlist se aproximava da metade. Durante todo o trajeto, conseguiu desviar das conversas abafadas entre seus pais. No entanto, Joe parecia determinada a interromper o transe do filho.

— Ai Ed… ansioso? Se por acaso tiver algum plano me fala…

Mesmo abafado, era perceptível o tom mais alto da fala de sua mãe. Apoiava uma de suas mãos no queixo ao imaginar o que responderia. O suspiro enalteceu o desinteresse em interromper sua música, mesmo assim com uma voz baixa respondeu:

— Sim estou ansioso… — Evitou desviar o foco e alterar a postura. Depois de uma breve pausa, continuou. — Ainda sem planos…

Engoliu seco ao perceber o tom apático na voz do filho. Instintivamente, juntou as mãos à frente do colo e entrelaçou os dedos. O aperto forte, como uma prece, premeditou suas próximas palavras.

— Bom, tenho uma lista de restaurantes para irmos. Alguns são novos e outros você conhece bem…

Virou a cabeça de forma suave para observar o banco traseiro. O coração de Joe bateu mais forte ao perceber a distância do filho para com a conversa. Ainda sentia um gosto amargo em sua própria boca, sentira dúvidas quanto ao incentivo da viagem.

— Podemos ir no parque de diversões também. Ele sempre abre nesta temporada… — Mesmo que a empolgação transparecesse em suas palavras, doía perceber a falta de resposta. Entendia que o esforço seria em vão, por isso, com uma voz serena, finalizou a conversa. — Mas depois a gente pensa nisso.

Ed notou de relance o sorriso tímido de sua mãe. Embora as palavras tenham ficado presas em sua garganta, foi capaz de reconhecer o esforço de Joe — desejava ter a mesma força que enxergava nela. Incapaz de formular uma resposta satisfatória, apenas acenou com a cabeça e retribuiu a gentileza com um sorriso frágil.

A cena fez com que a mãe relaxasse os ombros e voltasse sua atenção para o caminho à frente. Ainda que seu peito estivesse pesado pela sensação de que as coisas não seguiam na melhor direção, decidiu se apoiar no pequeno sorriso do filho. “Vai ser uma boa viagem”, refletiu, enquanto mudava a estação de rádio.

Alex, mesmo sendo o responsável em dirigir, notou cada movimentação e todo o desconforto de sua esposa. Sem desviar os olhos da estrada, decidiu quebrar o silêncio e dirigir-lhe a palavra.

— Quando ele está desse jeito é impossível conversar. — disse a partir de um suspiro risonho. — Nossa programação está vazia, mas vamos nos organizar rápido. Mas qualquer coisa, temos o hotel para aproveitar. Sabemos o quanto a cidade é tumultuada… deixa esse desânimo de lado.

Faltava tato em Alex e isso algumas vezes se fazia cansativo. Em um instante, Joe imitava o filho. Escorada no vidro de sua respectiva janela, tentou reforçar algumas pontas soltas.

— Tá tudo certo sobre isso, estava ansiosa por essas férias e realmente nem tudo sai como o planejado. Mas agora espero que você esteja bem ciente da nossa conversa. Seja mais simpático! — Com sua mão esquerda, começou a alisar lentamente os fios de seus cabelos.

Joe evitava encarar o rosto de Alex. Apesar do recado, desgostava da ideia de esticar toda a discussão. O marido em um movimento rápido focou na imagem recolhida de Joe. Apertou ainda mais forte o volante e viu-se próximo de expressar sua raiva em palavras. Seus olhos piscavam de forma descompassada, enquanto as faixas amarelas do asfalto começavam a se desfocar.

Perceber a falta de foco o levou a uma pausada e profunda respiração. Tinha muito a falar. Dessa maneira decidiu aproveitar a falta de concentração do filho e continuou com sua defesa. 

— Tsc… discutir aqui é inapropriado. Então vou ser curto e depois falamos mais sobre isso. — Alex conseguira manter um tom calmo. — Às vezes vocês exageram demais… Joe é normal eu cobrar nosso filho. Quero que ele tenha um futuro!

Joe balançou repetidamente as pernas enquanto movimentou abruptamente seu rosto. Encarou o perfil novamente concentrado do motorista, com as sobrancelhas cada vez mais próximas respondeu:

— Exagero? Você que faz isso! — Manteve o mesmo nível de intonação, porém havia malícia em suas palavras. — Entendo a cobrança, mas você sabe bem que extrapolou esses dias. É uma fase… é importante deixar ele se frustrar e sonhar. Então—

— Ok, ok, ok entendi!

Alex engrossou a voz e cerrou os dentes com robustez. A insistência de Joe o irritava profundamente, todavia o que mais o afetava era reconhecer que havia razão em suas palavras. A esposa, por sua vez, distanciou de se sentir reprimida. Reagiu instantaneamente com o mesmo tom alto e ríspido.

— Então tá certo!!!

Cruzou os dois braços assim como fez com sua perna. Manteve a cabeça erguida e com um olhar afiado decidiu apenas aquietar e observar a paisagem.

Para o azar de Edward, o timing para a troca de músicas foi perfeito para que ele ouvisse cada palavra da breve discussão entre os pais. Fechou os olhos e pôde sentir uma inundação próxima a suas pálpebras. Testemunhar novamente aqueles conflitos recorrentes apenas reforçava sua convicção de que o verdadeiro culpado só podia ser ele mesmo. O garoto apertou o celular, e a nova batida da música trouxe à mente a única saída possível nesse momento: conformar-se.


Mais de 1 hora havia se passado desde a última discussão. Os campos verdes e as florestas de altos pinheiros marcavam os últimos 100 km até o hotel. Edward permanecia imóvel, sem qualquer mudança em sua posição. A playlist que tanto apreciava já havia recomeçado pela segunda vez, um presságio nada animador.

O tédio crescente foi interrompido por uma grata surpresa: um vívido campo de girassóis surgiu diante de seus olhos. Suas pálpebras pesadas ergueram-se, revelaram o brilho expressivo em sua pupila. A música tornou-se distante à medida que um grande sorriso iluminava seu rosto.

Sentiu-se um completo idiota por ter esquecido daquele local tão belo. Em um grito alegre chamou por sua mãe:

— MÃE! Olha rápido… olha aqui — Apontou energicamente para a janela ao verificar a atenção depositada por Joe.

Joe avistava o campo, no entanto seu foco instantaneamente se concentrava na expressão animada do filho. Este pequeno detalhe bastou para aliviar o peso de seus ombros. Respondeu em um tom doce:

— Nossa, que lindo! Pena que passamos rápido por ele, mas sabe acho que poderíamos vir aqui na volta. Que tal?

— Sério? — Ed encarou a feição convidativa de sua mãe. — Adoraria conhecer e tirar algumas fotos.

— Então vamos fazer isso!

Voltou para o conforto do banco de passageiros sem esconder o sorriso bobo. O garoto pela primeira vez deixou a janela, pensou em verificar o quanto ainda faltava até a chegada. Tentou encontrar algum indicativo no GPS mas decidiu ter a certeza com os pais.

— Falta muito? Parece que já era para termos chegado…

A felicidade trouxe consigo uma urgência, agravada pela ineficácia das músicas. Edward balançava freneticamente a perna esquerda, seus olhos fixos em um ponto qualquer, à espera de uma resposta que o reconfortasse.

— Você não percebeu, mas está bem movimentado hoje. Só agora que teremos um percurso mais vazio. O GPS está marcando cerca de uma hora até chegarmos.

— Ah ok… um bom tempo ainda — sussurrou ao relaxar o corpo.

Jogou a cabeça para trás e relaxou completamente o corpo. Não havia nada mais a fazer além de aceitar a grande estimativa. O teto, desgastado por manchas que poderiam facilmente causar desconforto, revelou-se uma curiosa distração. Cada forma parecia única, e um detalhe mínimo, antes despercebido, capturou a atenção de Edward.

Enxergou cada detalhe que compunha o carro, mas a distração se esvaiu em um átimo. Antes que pudesse voltar a atenção para a estrada, uma sensação desconfortável e misteriosa tomou conta dele: o veículo parecia se mover lentamente, e a paisagem demorava a mudar. Edward engoliu seco e tentou dizer algo, mas as palavras se recusaram a sair. Piscou 2 vezes, com força, mas mesmo quando a velocidade voltou ao normal, o silêncio absoluto trouxe consigo um desespero esmagador.

O arregalar dos olhos acompanhou o apalpar atrapalhado de seu peito, procurava verificar o ritmo cardíaco. Confirmou a frequência hiperativa que aos poucos definiu uma respiração encurtada. A outra mão suavemente alcançou seu pescoço e com viço chamou por seus pais.

Impossibilitado de saber se as palavras saíram da forma que imaginou, avistou Joe se virar bruscamente. Foi então que notou a expressão da mãe se tornar cada vez mais alarmante: as pupilas tremiam levemente, e a boca permanecia entreaberta, como se procurasse algo a dizer.

Reparava cada movimento dos lábios de Joe, que pareciam disparar palavras em volume alto. Apesar dos gestos insistentes e dos esforços de sua mãe, apenas o silêncio prevalecia. Manter a tranquilidade tornou-se uma tarefa impossível, as lágrimas escorreram pelo rosto sem qualquer pudor.

Edward aos prantos, insistia em reafirmar sua impossibilidade de escutar. Assustada e confusa, a mãe gesticulava para o filho respirar com mais calma. Fechou mais uma vez os olhos e vagarosamente expirou todo o ar pela boca. Levou as mãos aos ouvidos, aplicou a mesma intensidade que pressionava os olhos fechados. Com cada fibra de seu ser, desejava que tudo fosse apenas um pesadelo.

Após 5 respirações profundas, percebeu seu ritmo desacelerar. Lentamente se preparou para encarar novamente o cenário. As mãos, agora menos trêmulas, delicadamente destamparam os ouvidos. Para sua surpresa, o esforço trouxe resultados.

Voltou a ouvir, ainda em baixo tom, todos os sons dentro do veículo. Um alívio refrescante surgiu em seu peito ao reparar no diálogo de seus pais. Com os olhos abertos, começou a compreender melhor a situação.

— Alex, a gente precisa parar em algum lugar! — Uma voz sóbria saiu da boca de Joe, enquanto alternava a atenção entre o filho e o marido.

— Agora é impossível! Esse trecho do viaduto não possui uma faixa apropriada. — disse com uma voz trêmula.

—- ELE ESTÁ MAL!

— Se acalme, Joe… logo mais conseguiremos! Você... precisa se acalmar.

Obstante da última resposta seca de seu pai, o retrovisor expôs o olhar arregalado e confuso. Temia com a direção da conversa, logo impôs sua voz.

— Mãe e pai, estou ouvindo vocês agora… Está baixo mas já está perto do normal. — Esticou o corpo contra o cinto para chegar o mais próximo dos pais.

— Ótimo meu filho, talvez seja apenas a pressão… — a mãe suspirou e prosseguiu com sua possibilidade confortante —  estamos em uma região mais alta, deve ser isso!

— Sim deve ser, logo fico…

Antes mesmo de se animar com a possibilidade de ter sido algo banal, o garoto foi surpreendido por mais um assombro: em um estalar de dedos, milhares de vozes, em volume ensurdecedor, repetiam sem qualquer padrão de frequência. A cabeça do garoto parecia estar prestes a explodir.

Imediatamente, por impulso, pressionou intensamente os ouvidos. Os gritos desregulados acompanharam a tentativa de curvar sobre si mesmo. Pouco importava a falta de mobilidade, sentia a necessidade de buscar um mínimo conforto. A multidão de vozes desconhecidas consumiam a sanidade do rapaz, porém ainda conseguia identificar os gritos de desespero de sua mãe. Manteve o mesmo aperto em sua cabeça, enquanto suavemente encarava o rosto avermelhado de Joe. A voz estremecida clamou por socorro:

— Mãe… me ajuda! O que está acontecendo? — As lágrimas voltaram a enfeitar o seu rosto.

Em um só pulo, Joe se desprendeu do cinto e passou para o banco de trás. Os braços finos, mas fortes, envolveram o filho. Repetia constantemente que tudo ficaria bem, todavia a constante verificação da estrada e o tom choroso apenas reforçaram o seu pavor.

Ed lutava para silenciar os conflitos que travavam sua mente. Após 2 exaustivos minutos, o fenômeno chegava ao ápice: as vozes desconhecidas, antes caóticas, começaram a seguir o mesmo ritmo. A frequência uniforme revelava um chamado, um som baixo, semelhante a um suspiro.

— Edward



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