Volume 1
Capítulo 1: Acorde
— EDWARD ACORDA!!
A voz alta e abafada da mãe do garoto destruiu suas esperanças de aproveitar um pouco mais o conforto da cama. Diferente das outras vezes, aquela voz soou mais nítida e poderosa, tornando inviável ignorar o chamado mais uma vez. Ainda com o rosto afundado no travesseiro, apertou os olhos com força. Com um grande suspiro, decidiu responder no mesmo tom:
— JÁ ACORDEI... ESTOU ME ARRUMANDO!!
Edward abriu lentamente os olhos, pesados, enquanto virava de lado com movimentos lentos. Um grande bocejo acompanhou seus gestos desorientados, enquanto usava as mãos para se apoiar e se sentar.
A cortina, estendida na janela atrás do garoto, isolava completamente a luminosidade do dia. A escuridão o seduzia, convidando-o a mergulhar mais uma vez no mar de edredons. Contudo, o relógio digital na mesa de cabeceira reafirmava seu atraso, provocando um resmungo:
— Que merda… vou ouvir um monte.
Os pés descalços tocaram o chão frio e, com um forte impulso, ele se afastou de sua maior tentação. Esfregou os olhos com os punhos rígidos, tentava encontrar uma forma de acordar e se arrumar o mais rápido possível.
Com um olhar mais atento, Edward notou a bagunça da mesa à sua frente: o computador ainda estava ligado desde a noite anterior, e inúmeras fotografias e rascunhos decoravam a superfície de madeira áspera. A desordem atrapalhava até mesmo a busca pelo celular, mas não havia tempo para arrumar tudo aquilo.
Rapidamente, espalhou as folhas e fotos enquanto desligava o computador. A confusão aumentou, mas, por fim, conseguiu encontrar o tão desejado aparelho. Edward voltou sua atenção para a tela brilhante, a qual lhe recordava mais uma vez que havia acordado meia hora atrasado. Já ciente de sua pressa, apertava o passo para o banheiro enquanto mandava uma mensagem para seu amigo Matthew.
“Cara, você é uma má influência, sabia? Eu acordei só agora. Não me deixe ficar acordado tanto tempo assim… Enfim, te encontro mais tarde lá no hotel”, o garoto digitou sem esconder o grande sorriso em seu rosto. Definitivamente, o melhor dessa viagem seria poder curtir ao lado de um amigo — ou melhor, de um quase irmão.
Agora, de frente a pia de seu banheiro, finalmente o garoto poderia se arrumar. Apesar da pressa, deveria ser cuidadoso. Em cerca de 15 minutos, ele havia tomado banho, escovado os dentes e escolhido a primeira roupa que encontrou para vestir.
Observar seu reflexo no espelho do banheiro lhe causava um misto de sensações. O comprimento maior do cabelo ainda era estranho, mas as pontas em castanho claro aumentavam sua autoestima. Havia mais luz em seus olhos; de fato, o sono já se fez ausente. Mesmo assim, se mostrou incapaz de esboçar qualquer tipo de sorriso.
Um caloroso tornado surgiu em seu peito, a viagem estava prestes a se iniciar. A típica férias de família em Hor City sempre causava empolgação, mesmo sendo menos turística comparada à mais famosa Overhill. Ainda assim, tornou-se impossível ignorar o desânimo acumulado pela convivência complicada nos últimos dias com seus pais.
Um breve suspiro, seguido de um leve tapa no próprio rosto, serviu como uma tentativa de afastar qualquer pensamento intrusivo. A angústia precisava dar lugar ao alívio de um momento de descanso.
Edward encarou fixamente sua própria imagem no espelho e disse com firmeza:
— Não deixe isso estragar esses momentos raros… São as férias em família, isso é importante e sempre traz algo divertido.
Virou-se rapidamente, confiante, e se despediu do quarto, levando consigo a mochila que já havia organizado no dia anterior.
Já no corredor, avistou a escada à sua esquerda e logo pôde ouvir os murmúrios da conversa dos pais. 'Espero que ele não se irrite muito', pensou enquanto pisava nos degraus. A madeira velha e barulhenta denunciava a aproximação de Edward.
Com o percurso finalizado, o garoto se aproximou da porta de entrada da casa, o que logo chamou a atenção da mãe. A conversa antes distante agora era interrompida pela própria mãe.
— Olha só quem resolveu acordar…
O filho se virou em direção à sala de estar e notou a dedicação da mãe em arrumar o ambiente — que já parecia impecável. Enquanto isso, o pai, sentado no sofá, mexia no celular.
A sala de estar contava com um sofá de canto espaçoso, capaz de acomodar cerca de seis pessoas. O tecido de suede, embora marcado por manchas e descosturas nos braços, ainda abraçava confortavelmente quem nele se sentava. A cor cinza claro harmonizava com a estante da televisão à sua frente.
A estante da sala, em um tom de cinza mais escuro, tinha detalhes de madeira clara que destacavam as alças e gavetas. Alguns livros e velas, decoravam de forma sucinta o espaço grande da mesa. Uma televisão de 50 polegadas estava instalada em um painel feito da mesma madeira clara, mantendo a coerência com os outros detalhes.
Logo atrás do sofá, uma grande mesa de jantar reforçava a atmosfera acolhedora da família. A iluminação do ambiente se beneficiava da luz natural que entrava por uma ampla janela ao final do cômodo. Próxima à janela, destacava-se uma porta que dava acesso ao quintal, conectando o interior da casa ao espaço externo.
Apesar da inconveniência apresentada pelo filho, a mãe estampava um sorriso brilhante enquanto direcionava novas palavras para Edward.
— Está animado? — disse ela, ao passo que parava de ajeitar as almofadas de uma das pontas do sofá. — Você demorou, hein? Estamos atrasados…
— Ontem mesmo eu já havia colocado minha mala no carro, então achei que ficaria tudo bem dormir mais um pouco. Sem contar que vocês ainda estão ocupados, certo?
O jovem, sabendo de seu erro, buscava um sólido álibi ao mesmo tempo que tentava corresponder com um sorriso tímido. Apesar da precaução, as palavras desagradaram Alex, que rapidamente largou o celular e decidiu retrucar o filho:
— Estamos apenas checando tudo justamente pela sua demora… — Agora em pé, o pai exibia um tom rígido. — Já são quase 8 horas! O trânsito vai ficando cada vez pior e você sabe que passamos por estradas bem perigosas. Ficar a madrugada acordado na véspera de um compromisso é muita—
— Querido, com trânsito ou sem você sempre reclama dessas estradas. — Com um olhar sereno e um sorriso frouxo, a mãe dirigia a atenção para o pai como gesto de repreensão. — Mas independente, está tudo certo!
Mesmo tentando disfarçar a irritação, Edward percebeu a tensão no ar. Desconfortável, deu as costas aos pais, almejava sair o mais rápido possível pela porta à sua frente. Contudo, o seu pai ainda achava pertinente continuar com a conversa.
— Joe para de ser tão condizente com Edward! — O tom de voz se tornava mais grave, embora evitasse gritar. Negava qualquer tipo de repressão e, em seguida, deu as costas para a família, dirigindo-se à mesa de jantar para pegar a carteira. Os passos pesados demarcaram a continuação do discurso. — Edward logo mais vai fazer 16 anos e ainda não consegue cumprir um simples—
— Pare de misturar as coisas! Está tudo bem! Vamos aproveitar um bom momento, como combinamos, que tal?
Joe virou-se rapidamente e com a testa enrugada, olhou fixamente para as costas largas de seu marido. A falta de contato visual apertava seu peito, doía acreditar na possibilidade da viagem começar de forma trágica. A situação agravou-se ao perceber o ritmo pesado de sua respiração. Factualmente, necessitava tomar as rédeas da situação.
O cenário hostil despertava curiosidade e raiva em Edward, turbilhão esse que impossibilitou o giro da maçaneta da porta. O frio arrepiante do metal da maçaneta se extinguiu, a força de sua mão era o motivo. Hesitou em olhar para trás — nenhuma curiosidade justificaria encarar a figura de seu pai — mas definitivamente deveria continuar ali. Assim permaneceu imóvel, aguardando o desfecho.
O pai coletou a carteira e, ainda de costas, relaxou os ombros. O tom de voz indignado de sua esposa serviu como um lembrete de que aquela situação passava longe de ser apropriada para continuar com a discussão. Embora ainda visse razão em suas ações, preferiu seguir o que havia combinado com Joe.
Desarmou as presas e virou o rosto, buscando encontrar os olhos do filho. Mesmo com a tentativa falha, Edward permanecia de costas, entendia a urgência de responder. Com uma voz aveludada, tentou suavizar o clima ao dizer:
— Bom… vamos descansar e aproveitar…
Artificialidade cercava cada uma das palavras proferidas por Alex. Nitidamente se esforçou ao máximo para trazer um tom risonho, algo que nunca encontrava em suas falas. Observar tamanha encenação, fazia com que o filho movesse a cabeça em um sutil gesto de negação. Após um suspiro risonho, decidiu responder para enfim poder ir em direção ao carro:
— Foi mal pai… não consegui dormir tão bem ontem e acabei prolongando o sono. Pode ter certeza — disse, aumentando a intensidade das palavras — que serei mais responsável, assim como você!
Edward enxergou uma brecha para apaziguar a situação, mas sabia muito bem que não poderia entregar tudo que seu pai queria. O tom sarcástico no fim da frase acompanhou a batida forte da porta.
Seguiu a trilha de pedras que atravessava o esverdeado jardim que decorava a entrada da casa. Embora fosse pequeno, evidentemente Joe dedicava muito do seu tempo à decoração: o lado esquerdo da casa estava cercado por moreias organizadas em arranjos uniformes, cada uma com o mesmo tom verde-escuro que contrastava com as delicadas flores brancas entre suas folhas. Do lado direito da fachada, mesmo com a presença de um espaço limitado, havia a presença imponente das patas-de-elefante — duas de altura mediana, com folhas verde-claras e pontas amareladas. Ao longo da trilha, lírios brancos perfumavam o caminho com seu aroma doce, enquanto a grama curta e bem cuidada, reluzente após a chuva do dia anterior, completava o cenário.
O aroma até mesmo irritava o garoto, só conseguia desejar uma viagem rápida. Cada passo trazia de volta as recentes cenas, rejeitava a ideia de se sentir culpado ou errado, mesmo tendo consciência da vergonha passada ao bater com tanta força a porta.
A trilha, embora curta, dividia-se em dois caminhos: à direita, alargava-se e conduzia diretamente ao carro; à esquerda, seguia em direção à pequena portinhola do cercado de grade.
Quando notou que se aproximava do carro, uma Pathfinder preta de modelo antigo, o rapaz rapidamente sacou o celular do bolso. Sabia que o melhor remédio para suportar a viagem seria ouvir suas músicas preferidas no volume máximo. Com os fones já colocados, e sem poder entrar no veículo, Edward escorou na lataria enquanto aguardava a chegada dos pais.
Antes mesmo de começar a corroer as possibilidades do que estava acontecendo dentro de sua casa, pôde visualizar a porta da entrada se abrir. A mãe liderava o percurso, Alex ficava responsável em trancar a porta. Os passos ligeiros de Joe revelavam sua feição risonha, uma nova máscara surgiu para disfarçar a superação das adversidades.
Encarar o momento de espera levou Edward a observar com mais tranquilidade os movimentos de seus pais, o que acabou trazendo um ar cômico, quase irônico. O motivo estava nas vestimentas: Joe usava um vestido de comprimento médio, decorado com delicadas listras brancas nas bordas, que contrastavam com a vibrante estampa amarela. Apesar de normalmente gastar tempo escolhendo saltos altos para compensar sua baixa estatura, dessa vez ela optou por uma rasteira confortável. Seus longos cabelos pretos estavam presos em um coque ornamentado.
Já Alex vestia uma calça jeans azul-escura combinada com uma camiseta lisa do mesmo tom. O cabelo castanho, cortado bem curto e impecavelmente arrumado, junto com sua alta estatura e óculos discretos, destacava ainda mais o contraste entre os dois.
Disfarçou um leve suspiro acompanhado da proximidade dos pais. O garoto ao perceber que as portas já se faziam destrancadas, entrou o mais rápido possível. Antes mesmo de enxergar a acomodação dos pais, Edward voltou sua atenção para o celular colocando no volume máximo o áudio de sua playlist. Agarrou-se no conforto de seu remédio.
Abruptamente, finalmente a viagem foi iniciada. O pai aplicava força, da dimensão de sua angústia, no acelerador. Uma difícil jornada se iniciava.
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