Volume 1
Mais a fundo
Eles levaram o Viajante para as masmorras. Até onde eu sei, não fizeram nada com ele ainda.
No castelo, tive uma conversa com meus pais no salão sobre o que houve. Berraram por eu não ter lhes contado sobre as mudanças acontecendo no meu corpo e, pior ainda, minha defesa a favor do Viajante ser inocente. Não é a primeira vez que discutimos, mas eu não podia deixar de contra-argumentar da situação naquele incêndio, mas a visão quadrada deles sobre o Viajante não iria não seria rmodelada tão facilmente.
O diálogo terminou com ambos os lados estressados, Lilith passava por ali indo até meu quarto. Chegou preocupada. Só pelo olhar, percebo que ela tem algo para falar, então perguntei o que seria.
— Não, não. Primeiro você. — ela diz em tom de voz elevada — O que houve lá embaixo no festival? No que tava penando defendendo um Nômade!
— E-eu não sei, é difícil de explicar… eu estava com medo e ansiosa, ele não foi o culpado daquele incêndio…, como se essas coisas que estão acontecendo comigo já não fosse o bastante… —Me deito em posição fetal na cama. — Talvez eu seja amaldiçoada.
— Talvez. É uma possibilidade. — ela brinca, irônica. — Mas você sempre quis sair da monotonia mesmo, mas isso tudo está além da sua capacidade. Deixe as autoridades atuarem no seu trabalho, e tudo voltará ao normal.
Lilith se senta do meu lado.
— Tudo começou no dia que a cidade acordou com a anomalia, e depois o Visitante e depois essas minhas habilidades… Lilith ele me protegeu...
— Opa, espera. Está dizendo que o Nômade na qual está preso lá embaixo pode ser mesmo diferente dos outros?
Eu me levantei entusiasmada e andei até a porta.
— Opa, opa —Lilith diz, percebendo meu objetivo logo de cara, sua expressão mudou drasticamente com medo do meu próximo passo. Sua voz se arrastava melancolicamente. — Por favor, não me diz que você vai lá embaixo para ver ele.
— Eu vou lá embaixo falar com ele — Repeti sorridente.
Meus olhos brilhavam cheios de esperança.
Lilith bufou revirando os olhos.
— Você não tem se quer permissão!
— Lilith continuar indo às sessões psicólogas não resolveu em nada até agora. Por favor, eu quero que tentar.
Eu saí do quarto e Lilith me segue logo atrás. Apelar ao seu lado emocional sempre funcionava.
— Espera! Ayla, espera!
— Fala baixo, Lily... Eles ainda estão aqui na sala...
— Ok, mas—
— Shhhh.
Nós paramos bem ao lado da parede que dá à sala de convidados. Meus pais ainda estavam discutindo.
— Não pode mais esconder dela, você sabe — o rei diz, revoltado. Mantinha a calma se apoiando na bancada com os whiskies evitando contato visual com a mamãe.
— Ela é minha filha, Sweyn — ela fitava a fogueira enquanto se mantinha no sofá. — E desde que ela voltou a vida dela melhorou muito! — exclamou para ele.
— Se atrasando para os compromissos? Faltando nos deveres dela? E agindo de forma estranha?
— Melhor do que aquela vida que ela tinha! Aquele fim de mundo caótico não fazia bem para minha filha, aqui ela tem uma vida. Um título.
— Nossa filha.
— Não me venha com essa história, Sweyn. — Ela se levanta, apontando o dedo na cara do rei, segurando a raiva na voz. — Desde que ela voltou naquele foguete você não deu se quer a devida atenção a ela.
— Mas foi eu quem dei a ideia de apagar aquela crueldade da mente dela. Daquele mundo desolado — o rei tenta empoderar-se.
— Foi uma decisão mútua, Sweyn. E se não fosse pelo Temporizador ter conseguido abrir aquela cápsula, coisa que nenhum outro feiticeiro fez, a Ayla talvez não estaria aqui—
— Não diga o nome dele — o rei a corta, indignado. — Eu me recuso a ouvir!
Ele se virou e saiu do cômodo.
Meus pais nunca esconderam sobre o que aconteceu comigo — ser raptada quando criança e reaparecer crescida nas suas vidas após alguns anos —, mas pelo visto não era verdade, isso me deixou reflexiva sobre o que mais eles escondem, além de abalar profundamente minha confiança neles. Isso me deu ainda mais motivo para ir ao calabouço e ter minhas próprias respostas. Claro, junto da Lilith.
O sentimento é inexplicável, minha amada mãe, a pessoa que eu daria minha vida, escondeu isso de mim, estava difícil de acreditar que seria por um bom motivo mesmo comigo tentando crer fortemente nisto. Mas naquele ponto, o balde de água foi muito frio.
— Ayla... — Lilith aterrissa sua mão no meu ombro.
Sei que Lilith quer amenizar a situação, mas eu não queria isto agora. Eu apenas queria a verdade, a verdade na qual meus próprios pais não iriam me fornecer.
— Só... vamos por outro caminho. — falei arrastando a voz, atordoada.
⸗⸗⸗
Havia uma passagem no castelo na qual meu pai levava esses tipos de criminosos para prendê-los lá por tempo indeterminado e depois decidir o que faria com estes. Era de acesso restrito, mas eu sabia as senhas da maioria dos locais de tranca e Lilith insistia em me pedir para reconsiderar e conversar com meus pais.
Claro que eu não parei, até porque quem iria ligar para uma jovem de 20 anos vagando com a melhor amiga por um castelo cheio de segredos, não é?
Chegamos ao nordeste do castelo, descemos algumas escadas e corredores para então entramos no elevador e descer.
Estava difícil não vir à mente a conversa que espiamos dos meus pais, os acontecimentos recentes, esse Viajante, é difícil ficar estável com esse tipo de coisa servindo como aquela clássica pedra no seu sapato mesmo tentando tirá-la a todo custo. Apertei o botão do nível para descermos e durante a descida Lilith não parava de me olhar de canto, incomodada e preocupada. As lembranças que eu tinha com eles desde a infância, agora, poderiam não ser reais. Lembranças impostas para me despistar e me sentir acolhida numa mentira que não vivi sob a verdade plena, será que eu poderia confiar até mesmo no que minha própria mãe poderia me dizer sobre tudo que ouvi? Minha cabeça inchava só de pensar muito sobre isso.
— Ei — Lilith chama, aterrissando sua gentil mão no meu ombro mais uma vez. —, tenho certeza de que eles têm um bom motivo para isso. Conhece a sua mãe, no fim vocês duas vão se entender.
Nossos olhos se cruzaram, Lilith me jogava um pequeno sorriso simples e amigo. Era esperançosa e reconfortante suas palavras. Tentei imitar seu otimismo por um tempo, talvez ela esteja certa, mas isto só será revelado assim que chegássemos.
*PING*
Chegamos ao andar e parecia como os antigos corredores de eras atrás com velas e tochas para todo lado no corredor, musgos descendo pelas paredes de pedregulho e poeira caindo naquele ar de suspense sobre nossas cabeças com o sussurro de algo à espreita, dando-nos calafrios. Este deve ser o único lugar que não se tem a recente energia elétrica — era praticamente uma masmorra, o piso com um tapete longo e tão velho e maltrapilho que mal se podia ver a olho nu ente a fraca luz ambiente.
Lilith seguia na frente andando perto das portas do corredor, procurando onde colocaram o Viajante. Eu apenas a seguia na falsa esperança de que as coisas ficariam bem, torcendo para que seu instinto apurado pudesse a conduzir para a sala certa — mesmo que ela não tenha um instinto apurado de verdade, eu gostava de imaginar. Havia várias coisas e pessoas ali que já saíram nos noticiários, jogadas nestas celas sem esperança por algum tipo de milagre, eu olhava para alguns na janelinha da porta fria de metal. Os olhares de desprezo são o suficiente, seus estados decadentes jogados no chão em meio à pocilga daquele cubículo são repugnantes, alguns mal tinham roupas e se encolhiam nus no canto mais escuro da sua sala, já outros possuíam tanta barba (ou escamas) que as usavam como roupas para se cobrir.
— Minha nossa… — eu espiava pela porta.
— Meu Deus!... — Lilith exclama entrando numa sala sem mim.
Prontamente corro para a sela onde Lilith está.
— Achou ele? — chego arfando.
— Olha só para você, pequenino. Te prenderam aqui foi? — diz com a voz aguda.
Lilith achara um dragão de porte pequeno. Lilith é uma pessoa focada, mas nem sempre no momento certo.
Eu não reconhecia que dragão era. Essa coisa se parece mais uma bola de vôlei revestida à couro e escamas com asas com uma grande boca também, e dois pequenos dentes expostos; ele se mexe? Ou pisca? Fiquei sem acreditar que ela perdeu o foco e acabou achando isso ao invés do que realmente viemos realmente achar. Aquela bola de escamas estava num canto daquele único cubículo sem identificação.
— Lili, é sério? — eu olhei emburrada para ela que brincava com aquela bola de couro. Eu estava começando a ficar impaciente.
— O quê? Esse pequeno está tão assustado. — Ela diz afinando a voz e fazendo bico.
— Anda logo — eu a puxava pelo braço.
— Não se preocupa pequeno! Eu volto por você!
⸗⸗⸗
Chegamos no fim do corredor.
— Ai, ai! Já entendi, me larga!
—Shhhh! — faço sinal de silêncio.
Enquanto Lilith ajeitava suas brânquias plumosas, eu ouvia uma conversa virando o corredor. Eu olhei de canto e vi uma porta diferenciada das outras. Saia uma luz roxa dela, e algumas pessoas falavam lá dentro.
Certamente nem um pouco suspeito.
— Ayla, o que você está fazendo? Ayla! — Lilith sussurrava alto.
—O que foi! — começamos a sussurrar uma para outra.
— Volta para cá! Não sabe que portas assim costumam conter coisas horríveis?
— Sim. Mas portas assim, que costumam conter coisas ruim, também costumam ter a resposta que queremos...
Fito a porta de madeira por um instante.
— Bem... agora eu ouvi de tudo — ela zomba de mim.
Com ou sem ela, eu iria seguir para aquela porta.
— Ayla. Ayla!... Que merda... me espera!
Ela me seguiu andando na ponta dos pés junto a mim.
Nós duas seguimos até a porta e nos esgueiramos para ver através daquelas pequenas aberturas que tinha na porta. Era estreita a abertura, mas dava para ver.
Parece algum tipo de interrogatório.
Pedi que Lilith ficasse e vigiasse a porta — ela reclamou do trabalho, pois queria seguir para a sala também. Suspirei e segui em silêncio naquela sala.
A sala tem o formato circular de um calabouço comum — paredes de pedra, tochas e um canto com algemas na parede —, mas quando percebe-se contêm acessórios e diversos aparelhos com equipamentos sobre a jaula central.
Lá estava o Viajante, adormecido nesta mesma jaula com os equipamentos emitindo vibrações e luz pela sala, equipanemtos e tecnologias complicadas na qual eu nunca havia visto.
Ainda havia alguém lá dentro antes que eu pudesse entrar, parecia fazer vistoria dele: usava jaleco e tinha cabelo grande e crespo; estava de costas, mas seus braços se mexiam verificando algo nos papéis da sua prancheta. Não pude ver seu rosto, mas pelas botas com saltos eu diria ser uma mulher. Ela, pois, deixa a sala por outra porta. Aparentemente não havia mais ninguém, então entrei na câmara.
Eu me aproximei com cautela dele observando os apetrechos e cabos de ligação e de energia.
—... olá?
—...
— O-oi... se lembra de mim? — eu remexia meus dedos, nervosa. — Eu sou aquela garota que tentou te defender lá no incêndio...
— ...
Rosto cabisbaixo e corpo estático davam-no uma impressão de estátua morta, ele não queria falar, mas eu precisava que ele falasse, de algum jeito.
Eu respirei fundo.
— Eu sei que você não é daqui— digo com esperança na voz. — Então queria te perguntar umas coisas se não for incômodo…
Cheguei mais para perto da jaula. Continuei tentando chamar sua atenção, futilmente, me esforçando para não passar da zona de contenção. Cheguei bem próximo da barra delimitando o limite, me agachei poiada nos equipamentos e caixas próximas. Era como tirar falas de um mudo. Frustada eu exigi que ele desse sinal de vida, e neste meu descuido aterrissei minha mão na linha de contenção.
Quando abro os olhos, eu estava em outro lugar, um lugar obscuro e quebradiço, com aspecto distorcido e abstrato. Um lugar esquecido. Logo lá na frente há alguém, parecia abatido com alguma coisa; de joelhos no chão cabisbaixo. Me aproximei com cautela sem parecer uma ameaça. Aterrisso minha mão nos ombros desta, ela desapareceu feito água me espantando e me fazendo recuar brevemente.
—Você.
Alguém disse.
— Q-Quem está aí?
— Precisa falar com a Acrômina. Ele está vindo.
— Como assim? Quem é Acrômina?
— Ele está de olho em você…
Uma enorme sombra cresce rapidamente na minha direção, com olhos brancos e redondos como um redemoinho e sem aparência física. Como um fantasma devorador de almas.
A sombra estava devorando tudo. Eu começo a correr. O chão aguado estava grudando nos meus sapatos dificultando meus passos, a sombra e o desespero me engolem viva. As visões voltaram, porém aleatórias: um objeto semelhante a um pingente com brasão de uma família; eu via o mundo em chamas no alto de uma colina com mas outra pessoa comigo e eu dizia a ela que tudo se acalmaria mas que nós estaríamos juntos de novo, mas eu não tinha noção de quem fosse a última visão foi eu dentro de algum complexo estranho com um vidro me separando de uma pessoa, estava embaçado o rosto da pessoa, mas sentia que era alguém importante.
A nossa conexão foi interrompida pela Lilith que me trouxe de volta como se tivessem me resgatado de um afogamento na água dizendo que alguém estava vindo. Nós tínhamos que ir ou nos pegariam, mas eu não queria ir, ainda havia tantas perguntas e ele era a chave para eu saber, mas eu estava zonza e incapacitada. De alguma forma ainda me sentia conectada a ele mesmo não estando naquela espécie de limbo.
Não tivemos escolha, a pessoa estava já na porta então saímos por outra saída prestes a entrar. Usamos a mesma saída na qual a mulher misteriosa passou. Seguimos o corredor até chegar em uma conexão por onde descemos dali apenas seguimos para o elevador. Claro, fomos embora antes de sermos vistas, mas não saímos de mãos vazias, pois agora eu sabia o nome do Viajante: Erik.
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