Volume 1
O Primeiro Contato
De cara é visível o mofo e podridão. Andando na sala de modo cauteloso acabamos por ouvir barulhos vindos na parte superior da casa, ou de algum lugar dela. Pingava seivas estranhas acima de nós duas. Estalos ecoados das madeiras em que pisávamos dando a impressão de que a qualquer momento romperia. Sussurrávamos o nome da Lina, mas ela não respondia enquanto o vazio da casa e o escuro nos faziam companhia junto às teias de aranha, folhas secas espalhadas, poeira e um sentimento de que estávamos sendo vigiadas a todo instante. Mais à frente há uma árvore já crescida, enraizada onde outrora foi a cozinha da casa, mas agora parecia um pequeno canto reservado com panelas enferrujadas no chão e talheres de prata enferrujados. Seu tronco segue para o andar acima; lembrando um pinheiro, mas com algumas curvas e um buraco no centro, logo acima, para que algum roedor ou ave possa usar como lar.
— As crianças de hoje em dia são muito energéticas como ela chegou aqui e sumiu tão rápido? — Lilith comenta enrugando os olhos tentando melhorar a visão.
A luz ambiente logo se adaptou para nossos olhos.
— Essa casa aparenta ser mais velha do que minha avó, e olha que ela já se foi. Que Inumar a tenha...
— Será que alguém ainda vive aqui? — Lilith pega uma velha colher de madeira entre as panelas do chão. Estava tão podre que seu cabo rompeu assim que pôs as mãos.
Um barulho surge de dentro da arvore, chilreando rapidamente. Nós não nos mexemos nem por um instante, encarando a árvore.
Uma revoada de Morcegos Krie acorda com nossos barulhos e atravessam-nos rapidamente. Foi algo rápido, os Morcegos Krie não são muito fáceis de se ver na cidade, ainda mais em revoada, pois estes preferem a floresta e seus frutos. É estranho vê-los aqui tão perto da cidade.
De repente, veio um grito, no segundo andar, agudo e abafado. O grito da Lina! Corro para o andar acima como se minha vida dependesse disto, Lilith vem logo atrás. Subimos e arrombamos a porta para onde o grito vinha, Lina estava presa em uma espécie de seiva amarelada que escorria da árvore, a mesma de antes. Ao lado dela um esqueleto de alguém segurando uma garrafa, consumido pela seiva. Talvez o antigo morador tenha chegado bêbado e terminou preso ali. Pobre homem.
Estava quase impossível retirar Lina, então Lilith utilizou seu conhecimento de magia para tentar retirá-la. Um feixe de luz amarelado zapeava das aureolas de suas mãos, estava surgindo efeito, mas não penetrava com rapidez. Eu batia no grude morno e, naquele momento, o arder nos olhos voltou sem perceber, o desespero aumentava quanto mais grude contínuo caía devagar, quase no rosto da garota.
Meus olhos estavam soltando lágrimas até não poder mais enquanto repetia que tudo ficaria bem. A mesma voz de antes voltou, sussurrou a mim dizendo para eu deixar a magia fluir para então salvar a minha irmã.
O desespero tomou minha vontade e socava sem parar o grude, agarro-o e coloco força, tanta força que mal pude perceber o que fiz, quase como um transe notando o que fiz apenas quando Lina já estava nos meus braços conosco estando com resquícios do grude. Senti meu coração desacelerar com corpo dela cobrindo o meu como o alívio depois da tempestade.
Nós a acolhemos, imediatamente. O que deveria ter sido apenas uma ida para buscar doces se transformou em uma missão de resgate de uma pequena garota indefesa.
Eu a apertava forte, aliviada.
— Eu disse que ficaria tudo bem — deixo uma lágrima cair com minha pequena irmã nos meus braços.
— Desculpa — ela me diz
— No que estava pensando, achei que tivesse se ferida ou sido sequestrada — quase fico sem ar por um momento. Notei o arrependimento profundo nas palavras da Lina.
Enquanto soluçava, Lina me revela:
— É que tinha uma pessoa te procurando. Queria falar com você, e que me levaria de volta para você...
Eu a corto: acalmo-a dizendo que o pior passou e para esquecer o que houve, fizemos um juramento de não contar para nossos pais sobre o que houve naquela casa.
— Agora vamos sair dessa casa assombrada — Lilith diz se erguendo com mãos na cintura olhando para os lados.
— Que cheiro é esse? — intercalo enquanto tirava o resto da seiva do cabelo da Lina.
*KNEECK*
O chão esquentava, subia uma fumaça sutil embaixo de nós. E, logo, não havia mais chão. Fomos engolidas entre as chamas desmaiando no processo.
Acordo com Lilith e Lina, no meu horizonte, desmaiadas, um grande galho estava caído perto de nós com suas folhas cobrindo-nos. De onde veio esse fogo? Como se alastrou tão rápido? Repito para mim mesma enquanto rastejo para perto das garotas em meio fogo tentando acordá-las. Tentei gritar por ajuda, mas não adiantava como se este misterioso fogo tivesse roubado minha voz.
Lá fora, uma multidão estava em volta desta mesma casa com chamas crescentes de dentro para fora, mesmo assim ninguém parecia ouvir meus gritos.
Exceto um.
A respiração já estava ríspida, meu pulmão trabalhava em dobro e ainda assim não era o suficiente para me manter acordada para protegê-las. Sinto o desmaio me forçando a fechar os olhos. Caída, tossindo, imagino que aquele será meu fadado fim com as meninas. Eu estava tranquila, pois morreria protegendo minha irmã melhor amiga. Então, desmaio.
Sinto a brisa novamente no rosto e o cheiro de guloseimas. Estava sendo carregada para fora.
Logo, minha visão turva, por um breve momento, viu apenas borrões da sua face: O Viajante.
Arfando, tentei sussurrar para que ele salvasse Lilith e Lina ainda lá dentro, meu corpo ainda estava muito debilitado e minhas forças foram para meu dedo que apontou para o incêndio.
O Viajante, pois, voltou para o fogo afim de salvá-las.
Logo chegou o rei Sweyn com a guarda (afastando a multidão) e os bombeiros que preparavam a mangueira conforme o protocolo. Ele me vê no chão e, com apenas um olhar, manda a abrigada me acolher. Os bombeiros começassem a apagar o fogo.
A entrada caída em consequência do fogo espalha o restante na grama seca, dentre os vestígios surge o rapaz, carregando, heroicamente, Lina e Lilith. Ele saiu a tempo, mas os guardas prontamente prepararam suas lanças.
— Não... Espera... — tento dialogar com o rei, mas como sempre ele não me ouvia.
— Ele é um Nômade. Coloque as duas no chão. Agora! — ele exclama, apontando para o Viajante.
Ele as colocou sutilmente no chão, vagarosamente.
— Já as chamaram? — sussurrou, o rei para o general.
— Sim, senhor.
O Viajante levanta as mãos enquanto as duas são retiradas de perto dele.
— Já disse que não quero confusão. Eu só estava as resgatando lá de dentro — o Viajante explicou, em tom calmo. — Estou sendo perseguido por algo que nem fiz e nem tive a chance de me explicar.
O rei resmunga, enrugando o topo do nariz.
Um guarda atirou um projétil que se abriu formando uma rede para pegá-lo. Mas o rapaz fora mais ágil e desviou da rede com uma manobra incrível, é a primeira vez que vimos alguém desviar das redes daquele jeito — o máximo que vimos era alguém correr com ela, ou queimá-la.
— Avancem! — o rei ordenou à guarda.
Logo partiram para cima afim de neutralizá-lo, foram vários, mas o Viajante conseguia atordoá-los com seus rodopios e manobras misturadas os jogando uns contra os outros. Aquilo era apenas uma distração para que o verdadeiro desafio chegasse. As Racers.
Todos na ilha conhecem-nas, vangloriam sua chegada com cochichos e bocas caídas. Cada uma do seu próprio jeito, com estas usando típicos elmos que cobriam suas faces por escolha estratégica. Escuros e brilhantes, seus uniformes de cores escuras e detalhes dourados em relevo com fivelas e alças nas ombreiras, no peitoral de ferro há, em cada uma, uma imagem de ameaça de alto relevo dando aspecto ameaçador como mensageiras da morte para o Nômades.
Elas chegaram com a multidão abrindo caminho. Apenas a presença delas transmite o ar de segurança para todos, meu coração palpitava rápido enquanto elas vinham. É de impressionar. "Para trás garota, assumimos daqui.", elas me dizem enquanto a guarda real estava me protegendo.
— Ayla?... — Lilith abria os olhos aos poucos.
O momento estava tenso: o grupo das agentes mais bem treinadas do reino contra um sem nome. As pessoas queriam ver o confronto, mesmo estando longe e com medo, sentindo a vibração do conflito como se fosse uma luta de torneiro mais épica já esperada a anos.
O fogo atrás do rapaz fora contido sobrando apenas fumaças e cinzas. O silencio provocante rondava sob todos estimulando alguém a agir primeiro, mas quem sairia de fato vitorioso? Este é o mistério que os cidadãos querem testemunhar com tamanha curiosidade nos olhos.
— Você! Nômade! — Gritou a líder apontando sua lança de ponta dupla — Renda-se, agora!
— Contra qual acusação?...
— Uso indevido de magia! E por atear fogo em uma casa em meio à sagrada Festa da Criação.
— Pfff... — ele zomba. — Eu não fiz isto, e o que vem depois? Acusação de andar fora da faixa?
Ele estava certo, não é justo ele levar a culpa por algo que não fez, independente do envolvimento que eu tivesse ali não seria de muita ajuda. Nem para mim nem para ele, pois ele ainda é visto como Nômade, é a Ordem. Tentar dialogar estava fora de questão, seria apenas saliva gastada à toa para com ouvidos ignorantes. Por hora o viajante não se movia. Sua sobrancelha estreitava e seus olhos apertavam enquanto fitava-as, corajosamente. Nomades sabiam da reputação que as Racers têm, mas este aqui não. Ele não sentiu medo.
Li-Wing, o cérebro do grupo, usou seu IMN— (Indicador de Magia Nômade) — no rapaz. Um aparato bronze retangular com uma pequena tela com botões e teclas no tamanho de um dedo, no topo duas pequenas antenas.
— As assinaturas da magia dele são fora do padrão, e muito — ela comenta em tom preocupante, seu rosto estava bem próximo do aparato —, é bom nós teremos muito cuidado.
— Eu cuido dele! — disse, Manam pulando para a batalha.
O corpo grande e robusto de Manam, a temível, ameaça seus inimigos só de chegar perto, é costumada a usar mais seus gigantescos punhos do que seu raciocínio na batalha e, por puro orgulho, dificilmente pede ajuda às companheiras.
Manam ativou suas luvas de choque e partiu para cima. Logo, investiu contra o inimigo com seu primeiro ataque pronto esperando ser mais um rápido serviço de apreensão sem graça.
E com uma ombrada ela quase acerta o rapaz. Ele deu um pulo para desviar e aterrissou atrás dela. Que rapidez. Manam revidou prontamente com um soco na direção dele, por conseguinte ele consegue agarrar o soco com as duas mãos.
O impacto causa um tremor em nossos pés.
— Mas que… — ela soltou, surpresa.
Num piscar de olhos ele a jogou contra a casa em cinzas. Todos nós ficamos chocados com isso. É a primeira vez que Manam fora arremessada dessa maneira. Logo, ele voltou sua atenção para as três restantes, pés justos e punhos cerrados na altura do rosto. Li-Wing, atirou uma bala que continha uma rede especial, elas queriam contê-lo depressa, mas ele simplesmente deu um tapa na bala que acertou agressivamente o chão. Simples assim. Li-Wing suspirou de forma preocupante.
As coisas estavam dificultando para elas. Gükoh, a pistoleira, largou a arma em mãos, retirou um bastão elétrico e partiu para cima dele.
— Ei! Ainda não acabou! — gritou.
Gükoh tentava acertá-lo com seu bastão, mas ele desviava de um jeito que nunca vimos, um desvio tão fluido e parecia tão simples. O Viajante tentava dialogar com elas, inutilmente. Morah, a caída, líder e estrategista brandiu a sua espada e investiu contra o Viajante distraído acertando seu braço com furos e cortes. Ele grunhe de dor e mais outro corte foi feito na sua perna.
Gükoh acerta-o no ombro com seu bastão.
Bastões carregados com voltagens específicas de magia para adormecer os músculos temporariamente, deixando-os amolecidos como lesmas. O viajante já estava com o ombro incapacitado, caindo como uma gelatina malfeita, mas suas mãos ainda estavam se mexendo. Mas de quê adiantaria? Parou de tentar as convencer há tempo.
Leandra tenta acertá-lo com socos e ele fazia o mesmo, ambos desviavam do que podiam.
Ele tomou distância e atacava esticando seu único punho não dormente como um chicote até elas, em certo momento quando se esticou, Gükoh agarrou seu braço e o atordoou terminando o serviço. Agora não tinha como ele lutar direito, é fugir ou ser pego. Ou era o que pensávamos. Ele começou a lutar o máximo que podia com as suas pernas, muitos movimentos que talvez até Paracelso — nosso mago e ancião — nunca teria visto.
“Já chega” diz Gükoh, tomando distância, atirou uma garra contra um dos pés do Viajante. Li-Wing lhe deu suporte com o outro pé dele. Leandra retira do cinto uma haste retrátil com uma pinça grossa de ferro e investe, finca-o contra o pescoço do Viajante o subjugando no chão. Seus braços estavam atordoados, largados no chão como cordas de varal. Ele grunhe enquanto se contorce para se soltar, mas é sempre improvável da caça fugir assim que é pega pelo caçador.
Nômades precisam ser detidos, mas ele não fizera nada de errado para merecer este tratamento, ao contrário do que disseram. Ele nos salvou do incêndio. Um trágico e fatal destino seria selado se não fosse pela sua intervenção. Talvez eu possa me arrepender depois, mas ele não deveria ser julgado de tal forma, meu coração queria agir, minha mente queria me restringir.
Antes que elas pudessem acabar com a vida miserável deste, interfiro pulando na frente delas. Converso com as soldadas e as digo que ele nos salvou do incêndio, o rei se enfureceu, mandou-me sair dali no mesmo instante, mas o ignorei enquanto estendia meus braços com sinal para pararem.
De supetão, o Viajante me empurrou para eu não ser acertada pelo dardo no seu lugar.
— A Ordem é clara, eles não devem residir conosco. — O tom autoritário de Leandra foi o suficiente para me calar. Ela me fita por um instante.
O Viajante apaga com o dardo no pescoço.
O assunto aparentemente fora resolvido, a ameaça dominada e aniquilada com aquele simples dardo envenenado. Seu corpo fica estático no chão. O fito, assustada, e com respiração pesada diante do primeiro cadáver que vi na minha vida. Mas para a surpresa de todos, ele não estava morto. Mesmo com o veneno mais perigoso de Ecor correndo nas suas veias, ele mantém a respiração lenta mesmo inconsciente.
— Ora essa — Li-Wing se espanta, com sotaque na voz. —, o rapaz ainda respira. Como é possível?
Leandra, assim como as demais, fita-o debaixo do capacete.
— O que é você?
Elas o envolveram com algemas de pressão, dispositivos criados para conter ameaças em potencial, quanto mais tentasse se soltar, mais as engrenagens apertavam, o Viajante estava com estas mesmas algemas da cabeça aos pés como medida de segurança. O rei chegou perto, me fitou com seu monótono olhar de reprovação.
— Não foi ele que incendiou a casa..., ele não fez nada. Não merecia isso…
Eu não conseguia olhar para o rei.
—Blasfêmia. Ele é um Nômade minha filha. Sabe que pessoas como ele são perigosas, instáveis... deveria estar agradecida a Innumar que ainda está viva. O que sua mãe diria com você tão próxima de uma ameaça dessas? E pior: protegendo uma!
Ele percebe meu choramingo, isso o melancolizou:
— Venha, filha. Vamos para casa — ele simboliza para eu subir junto a ele.
Subo na garupa do seu cavalo a galopar o caminho de volta para casa com o rei levando Lina no colo.
Nós voltávamos para casa e o Viajante, estava sendo levado bem ao meu lado do cavalo num pequeno carrinho com um anel de fogo o enfeitiçando a flutuar para melhor transporte. Ainda estava inconsciente e babando o caminho todo.
Ninguém sabe o que acontece com os nômades, por isso espero que não façam nada de muito ruim com ele, pois um sentimento de culpa debandava minha mente, pesando a responsabilidade sob mim. Era desconfortante. Por um momento, todo esse infeliz acidente reprisou nos pensamentos que tive: quem havia sido o responsável por este incêndio? Por que atrair Lina até essa casa? Perguntas que apenas agora, com a calmaria, eu enxergo de fato.
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