Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – arco 7

Capítulo 88: O prólogo de Lawrence Jugram, parte 1

Conforme me aproximava, os sons da conversa aumentavam. A voz de Grace reclamava com a de Shinnsuke, ambos brigando.

O tópico era o mesmo da carta que encontrei na minha mesinha de cabeceira.

Um relatório do contrato e o planejamento para os próximos dias, do capitão dos Gasper, Lawrence Jugram.

Ele era o mercenário que Zozolum contratou para nos encontrar em Ninlamak e que me protegeria… além de auxiliar na tarefa que Kruger me deu.

Não entendo o porquê dele decidir me atacar… Não faz sentido.

Ele realmente odeia tanto assim os Nors? A ponto de estar disposto a quebrar um contrato com o bruxo mais poderoso do mundo?

Nosso capitão tem suas razões!

Mesmo que ele me odeie, não tem motivo para querer matar meu irmão!

Abrindo a porta, decidi encerrar a discussão.

Está tudo bem, Grace — disse, chamando a atenção dos presentes. Lawrence estava próximo, mas não na sala. — Eu estou bem, sério.

Mesmo assim, ainda não estava disposta a largar o assunto… Sério, ela é teimosa demais quando se trata de mim.

Ainda assim… eu gostaria de ouvir o motivo dele odiar tanto os Nors. — Meu olhar caiu sobre a porta, meus sentidos me alertando da presença dele. — Acho que tenho esse direito depois de quase ser morto… Não é, Jugram?

A porta se abriu e o jovem olhou para mim, caminhando até a mesa e tomando um lugar junto de Grishka.

Ainda que aquela parte da pousada fosse reservada para nós, ainda que fosse a parte mais confortável desse abrigo, ainda pude sentir a tensão no ar.

Certo, Hollick… Vou te contar meus motivos, mas vai ser só uma vez — disse, sua expressão ficando vazia, quase melancólica. — Eu não odeio Nors. Meu problema nunca foi com eles.

Nisso, suspirou quando notou a minha confusão, assim como a incredulidade no rosto de Grace. O que ele quer dizer com isso?

As primeiras palavras que ouvi de minha mãe foram: “Eu te odeio” — O que?

Nisso, tirou seu cachecol e então desabotoou a gola da camisa, abrindo-a.

E a primeira vez que me tocou, ela me deu isso.

Ali, marcado na carne do Portador de Absalão, estava uma enorme cicatriz, que ia do pescoço até além do peito.

Mesmo que o tecido já estivesse cicatrizado, ainda podia ver o vermelho da carne, como se aquilo nunca tivesse sarado.

Isso

Calma… eu ainda não terminei. — Congelei com aquilo e sentei novamente na cadeira.

 

Quando tinha seis anos, lembro de ver minha mãe e irmã mais velha treinando. Mamãe era impiedosa, atacando para causar o máximo de dor possível no adversário.

Minha irmã, que constantemente lutava por mim, para me proteger, para me dar um espaço de alegria naquele inferno chamado de casa dos Jugram, continuamente era lançada contra a parede.

A pele coberta de hematomas e a roupa surrada eram prova do tempo que passaram ali.

Por mais que fosse filho da pessoa mais importante da casa dos Jugram, nunca pude comer junto da casa principal. Minhas refeições eram feitas longe dela. Meus professores eram severos e abusivos, ensinando-me desde a infância a não ir contra a ordem da família.

Minha vida tinha o mesmo valor de um serviçal.

Na verdade, era esperado dos homens dessa casa serem apenas isso. Servos, guardas e reprodutores.

Bem, apenas os que se mostravam fortes tinham o direito de passar adiante os genes.

Aqueles que eram fracos não duravam muito. Afinal, os trabalhos de nós, Jugram, eram apenas de combater os Nors e assassinar inimigos de nossos contratantes.

E, para cada missão difícil, uma mulher poderia escolher três homens para ir com ela, usando-os de escudo humano.

Mesmo que um homem matasse o alvo, era a mulher que levava o crédito.

Nós, homens dos Jugram, eramos apenas gado, marcados para o abate desde muito novos.

Ainda assim, eu não odiava elas. Nem minha irmã, nem minha mãe.

Acho que, numa parte distorcida da minha mente, esperava que minha mãe me amasse tanto quanto eu amei ela. Esperava que ela me salvasse do destino que me aguardava…

E, vendo-as lutar daquela forma, vendo como a irmã que tanto amei sofria, eu decidi que tomaria a dor dela e seria reconhecido por minha mãe.

Patético… como pode ser minha herdeira se é tão fraca assim?

Minha mãe sempre respeitou apenas os fortes, então, na minha ingenuidade, decidi me tornar forte. Forte o suficiente para me tornar o primeiro homem a herdar o Diário de Absalão.

E foi pensando nisso que comecei a treinar além do que meus instrutores foram contratados. Constantemente observava a forma como a energia circulava nos treinos de minha irmã, constantemente buscava uma forma de despertá-la.

E, depois de muito treinar, consegui, enfim, a minha conexão com o Plano Astral.

Minha conexão era forte, mesmo quando criança.

Era esperado, considerando quem era minha mãe.

 

Eu achei que aquilo seria uma grande descoberta. Que poderia ser enfim respeitado pela minha mãe…

Fui ingênuo demais.

Após despertar, fui correndo mostrar para ela o que podia fazer, mostrar que agora podia auxiliar nos treinos, que não precisaria mais machucar minha irmã…

Eu só queria ajudar. Só queria que ela olhasse para mim. Era pedir demais que a sua mãe fizesse o básico? Que amasse a criança que pôs no mundo?

Acho que, para ela, era sim pedir demais.

Quando cheguei ali, mostrando o que podia fazer, ela me deu essa cicatriz e, depois, instruiu aos tutores que se retirassem, que ela me treinaria a partir daquele momento.

Mesmo que estivesse sangrando, mesmo que não pudesse respirar, mesmo que estivesse quase morto; ainda estava feliz.

Achei que as coisas enfim melhorariam, que enfim poderíamos ser uma família.

A partir daquele dia, o treino que seguiu foi mais e mais brutal. Bem mais do que o de minha irmã. Mamãe me atacava com a intensão de matar.

Contudo, tinham alguns dias onde ela era ainda mais violenta. Eram os dias que voltava do campo de batalha.

Não sei se se lembra, mas, durante nossa infância, houve a Guerra do Lago Enfari. E nossos pais eram os principais protagonistas dela.

Lira Jugram e John Hollick. Sempre que esses dois se encontravam, quem mais sofria eram os filhos da portadora de Absalão.

Afinal, ela voltava irritada, furiosa, e, naquele humor, ela tinha a certeza de tornar meu treino ainda mais perigoso.

Levante-se! — ordenou, vendo-me ajoelhado. Mesmo tendo apenas nove anos, ainda tinha de lidar com o sangue jorrando livremente do ataque. — Vamos! Não tenho tempo para perder com um fracote.

Naquela época, a morte de John Hollick ainda estava fresca na memória da mãe. Ainda que o odiasse, ela ainda o respeitava. O suficiente para sofrer.

E, como eu era seu filho, como eu lembrava tanto ele, desde a aparência até o talento absurdo que mostrava, ela decidiu que eu era o inimigo dela, enquanto a versão idealizada do de John viveria na memória dela para sempre.

Levantei-me com dificuldade, sendo mandado para o chão em apenas alguns golpes, meu corpo completamente imóvel.

Patético… não consegue nem desviar de golpes tão lentos assim… — disse, sorrindo, um sorriso sádico e maldoso. Engoli em seco com o que viria a seguir…

ARGHT! — Um grito de pura agonia escapou da minha garganta com os fios se conectando diretamente em meus nervos, transmitindo aquela energia toda para eles.

Talvez tenha sido nessa época que eu desisti de ganhar o amor de minha mãe. Quer dizer, aquele sorriso era a prova mais clara que eu precisava para ver que ela nunca sentira algo por mim que não fosse ódio.

Mas não podia parar.

Não depois de sofrer tanto, não depois de todo o tempo que dediquei para ficar forte…

E, mesmo assim, não considerei como as coisas eram para os outros ao meu redor.

Minha irmã, ela não nasceu forte.

Ao contrário, a conexão dela era fraca e seu controle quase inexistente. Só tinha uma habilidade marcial um pouco melhor que os demais…

Naturalmente, eu a superei nas primeiras semanas, e a distância só aumentou desde então. Eu, na minha arrogância e egoísmo, não vi o sofrimento que ela passou, sendo desde aquele dia a mais fraca, tendo a posição de herdeira cada vez mais ameaçada.

A única coisa que ainda a mantinha como herdeira era o gênero dela, e, ainda assim, lentamente eu conseguia mais e mais suporte.

Até mesmo algumas anciãs começaram a notar meus talentos. E, como era de se esperar da Leide Sombria, ela não gostou nada disso.

Minha mãe fez o possível para me sabotar, chegando ao ponto de eu começar a odiá-la após fazer onze anos.

E o que se seguiu no meu décimo segundo aniversário só justificou esse ódio.


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