Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – arco 7

Capítulo 87: Ódio

Uma vez mais, ele estava em coma.

Olhando para ele de relance, engoli as lágrimas e tentei me concentrar no meu livro.

Era o “Conto de Dois Irmãos”, um relato que muitos duvidavam da credibilidade. Enquanto ele caia em fantasia para as massas, viver com um portador garantiu que aprendesse uma lição importante.

O impossível é apenas uma palavra sem significado algum.

Mesmo assim, muitos do nosso lado duvidavam dessa história em específico. Era o conto de Lur, o primeiro Lobisomem; e Lox, o primeiro Grim. Ambos órfãos, ambos irmãos, ambos dois lados de uma única moeda.

E, mesmo assim, ambos tomaram caminhos opostos.

Ambos foram encontrados, ainda quando crianças, por uma loba que os tomou como filhos. Alguns anos depois, com a chegada do inverno, a “mãe” deles deu a vida e corpo para o fogo, para que sua carne alimentasse os filhos.

Lur, o mais velho, tomou a carne dela e a devorou, prometendo para si mesmo que nunca permitira que ele ou o mais novo passassem fome novamente.

Lox, que acabara de completar nove anos, comeu da carne da mãe com lágrimas nos olhos, jurando para si e para os deuses que cultuavam que jamais comeria de outro ser vivo novamente.

Daquela prova de amor, daquela promessa, daquele momento; ambos tiveram, cada um, uma epifania que os distorceu, mudando-os para algo além da humanidade.

Era uma história que eu estava muito familiarizada. Não com o conteúdo dela, mas sim do que ela queria dizer. A mensagem que trazia.

Amor supera o ódio.

Olhando para o homem que colocou meu irmão nessa cama, nossos olhos se cruzaram e senti, uma vez mais, o ódio dele por mim.

Tá olhando o que? — perguntou, a raiva clara na voz era intimidante, mas não me importei. A lição que Lew me deu ainda estava fresca na memória.

Qual o seu problema comigo? Nunca fiz nada para você.

Lawrence apenas continuou me encarando, a raiva borbulhando atrás do olhar.

Seu tipo fez. — Então era só isso? Ele odeia Nors e quer descontar em mim?

Suspirei e voltei minha atenção para o livro, lendo a passagem em que parei uma vez mais, tentando me acalmar.

O amor super o ódio.

Repeti isso como um mantra, tentando provar para ele que era diferente. Lew pôs sua fé em mim. Ele acreditou que não ia ferir ninguém, que não mataria para comer…

Eu não vou desapontá-lo!

Vejamos, acho que parei aqui

Seu irmão… — A voz dele se perdeu, quase como se tentasse achar as palavras certas para a situação. Estreitei os olhos e voltei a atenção para ele, notando que, apesar do ódio que sentia, também carregava uma culpa enorme que estava o despedaçando lentamente. — Passe esse recado para ele.

Nisso, entregou uma carta para mim e levantou-se da cadeira, caminhando para fora do quarto da pequena estalagem.

Minha atenção voltou-se para fora e, olhando para a janela, vi a neve presente, assim como as pessoas que trabalhavam ali.

Havia uma enorme fila, cada um ali com uma bandeja. O objetivo era a panela de sopa, uma que Theo e Benkei estavam servindo para as pessoas ali.

Ambos tinham sorrisos falsos, tentando convencer os moradores que tudo ficaria bem, que a tragédia que acometeu a cidade deles não se repetiria.

Alguns quilômetros daqui, uma cidade inteira foi apagada…

É bizarro pensar que o clima inteiro da área foi afetado pelo evento, e assustador saber que alguém congelou uma área tão grande assim.

Se esse é o nível dos adversários do Lew… o quão longe será que eu consigo ir? Será que posso mesmo ajudar de alguma forma?

As memórias da luta contra Lawrence voltaram e não pude deixar de grunhir, incomodada.

Não pude ajudar em nada… Nada!

Mesmo depois de brigar com ele, dizendo que queria ajudar, mesmo que um pouco… eu só fiquei no caminho!

Isso não pode continuar assim. Se eu não melhorar, se eu não puder ao menos ajudá-lo, que garantia terei de que não vai morrer na próxima vez que cruze com um adversário desse calibre?

Suspirei, lembrando da oferta que Grishka fez para mim e Benkei.

Ele disse que poderia nos ajudar a ficar mais fortes e eu queria aceitar, mas Lew já havia falado que se encarregaria do meu treino…

Acho que agora é o momento atual para tentar ouvir ele, ainda que toda essa relação que ele tem com Lawrence me deixe um pouco incomodada.

E pensar que alguém que é só dois anos mais velho era um capitão de um grupo de mercenários…

Estou muito atrás. Não posso continuar assim, sem chance.

Levantei-me e deixei a carta na mesinha de cabeceira, então caminhei para fora, pronta para o que viria.

Lew não vai gostar disso, mas me recuso a ser uma inútil de novo!

 

Um sonho.

Era isso ou uma memória… algo que não acontece há algum tempo.

Suspirei enquanto via, pelos olhos de outro, o que acontecia em minha frente. Nela, havia um trono, um que sabia que um dia havia de ser meu.

Uma benção, ou quem sabe uma maldição?

A verdade era que esse trono em específico foi feito com os ossos, sangue e carne de seus inimigos, sejam eles culpados ou não dos crimes que foram acusados.

A dinastia Heinar tinha diversos falsos profetas, aqueles que diziam dominarem a Divinação; e videntes, os primeiros a desenvolver esta arte.

O atual líder dela era Sumnus Holl, avô do Espectro. Ele ocupava o trono, mas não tinha nada de poderoso em sua forma.

Tudo o que via era um velho doente, que logo morreria… Era estranho pensar que tinha apenas cinquenta anos, ao menos se você não fosse filho daquele homem.

Ao meu lado, o herdeiro ao trono de Heinar estava ajoelhado, aguardando as ordens de seu pai e escondendo o pequeno sorriso que ali estava.

Sigurd… diga-me… como estão as… — Irrompeu num ataque de tosse e cobriu o sangue que escorria da boca com a mão. Viver com o médico que era meu pai logo me disse o que precisava saber sobre a doença do homem.

Pneumonia

Elas estão quase completas, meu senhor — disse, levantando a cabeça e parecendo preocupado. — Devo chamar uma serviçal?

Sim, faça-o… E mande o general Arcado mobilizar as tropas da marinha real… Tu e Sigumun hão de zarpar ao amanhecer para Kaira, para exterminar a resistência. — Tossindo mais um pouco, olhou para mim, o sorriso cheio de calor e orgulho. — Está ansioso, Sigmun? Sua primeira batalha será aquela que encerrará essa guerra.

Sim, meu senhor. — Minha voz era a de uma criança, quase metade da minha idade, mas que carregava um senso de dever e obrigação que me assombrou.

Não era a voz que um menino devia ter.

Vai aprender que nada é como parece, principalmente nessa era. — A voz do espectro soou perto de mim e o local mudou, dessa vez um vazio branco, tão extenso que me lembrou da minha primeira lição com ele.

Eu sei o que acontece depois… de alguma forma, eu sei exatamente o que acontece depois — disse, meus olhos cruzaram com os dele, permitindo que visse a mágoa que tentava desesperadamente esconder. — Você… você e seu pai… Vocês quase mataram-na, não é? A líder da rebelião, Inari Okami.

Sim… se não fosse a interferência de um pivete que se tornou meu amigo na época, junto do fundador de Kaira, provável que aquele país não existisse nos dias de hoje.

Grangoll… mesmo que o chame de pivete, ele era mais velho que você. — Uma risada escapou de meus lábios, meus olhos encarando-o e partilhando daquele estranho sentimento.

Nostalgia? Ou só tristeza? Sinto que nunca saberei.

Mas está tudo bem. Esse é o tipo de coisa que não tenho direito de saber. Enquanto a história que se passava na minha cabeça era algo que poucos sabiam, algo que foi apagado da história depois da guerra ter início.

Isso pouco importa — disse, lendo meus pensamentos. Seu olhar fixou-se em mim e o vazio branco começou a se iluminar. — Não importa se a história é conhecida ou não. O que aconteceu, aconteceu. Só… tente não cometer os mesmos erros que eu cometi.

 

Abri meus olhos, vendo a madeira da estalagem e suspirei. Mais um sonho desses

Tentei me levantar, mas senti a fraqueza bater imediatamente. Olhando para fora, vi que estava anoitecendo e senti a fadiga voltar conforme a escuridão tomava conta.

Acho que não vou a lugar algum…

 


 

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