Douluo Dalu Chinesa

Tradução: Brinn

Revisão: Bravo


Volume 45

Capítulo 312: O Deus do Mar e o Deus Asura

Tang San atravessou aquele portão que Bo Saixi havia aberto para ele, chegando do lado de fora do verdadeiro templo do Deus do Mar, mas foi bloqueado pela barreira que o protegia. A primeira ideia que veio a sua mente foi a mais direta: forçar sua entrada. Sem o Coração do Deus do Mar, esse era o método mais rápido em que ele conseguia pensar.

Assim que ele começou a condensar sua energia, pronto para começar, aquela voz fria como gelo de antes ecoou de novo:

— Destruir a barreira do Templo do Deus do Mar fará com que o templo seja esmagado pela pressão da água.

Não tendo muita escolha depois de ouvir essas palavras, ele dispersou a energia que havia acabado de reunir, franzindo as sobrancelhas. E agora? Se não podia quebrar a barreira e também não tinha o Coração do Deus do Mar, como ele entraria no Templo do Deus do Mar?

Se fosse outra pessoa, sua primeira reação podia muito bem ser se virar e olhar na direção de onde tinha vindo, para ver se aquele portão ainda estava lá. Se estivesse, pelo menos ainda haveria um caminho de volta. Tang San, no entanto, não fez isso. No seu coração já não havia mais um caminho de volta. Como sucessor do Deus do Mar e depois do sacrifício de Bo Saixi por ele, recuar agora era impossível.

Olhando para a barreira na sua frente, Tang San tentou recuperar a calma. Apesar de estar ansioso, isso não adiantaria de nada nesse momento.

O Coração do Deus do Mar era a chave para atravessar essa barreira porque esse era seu símbolo. Ele já tinha completado os oito primeiros testes, então não dava para parar agora. Nesse caso, a solução para o problema era bem evidente. Ele precisava provar para essa barreira que era o sucessor do Deus do Mar, seu escolhido. Se provasse isso não seria a mesma coisa que estar em posse do Coração do Deus do Mar?

Pensando nisso, Tang San voltou a focar sua atenção, condensando toda sua força mental e então lentamente a transmitindo para a marca do tridente em sua testa.

Uma rica luz dourada começou a irradiar dela, iluminando a barreira. Como Tang San esperava, ela estremeceu levemente e aquela voz não disse mais nada.

Depois de ser iluminada pela Luz do Deus do Mar, essa barreira que antes parecia tão sólida, começou a amolecer aos poucos. Sua capacidade de conter a água do mar não foi afetada, mas esse resultado ainda reacendeu a esperança no coração de Tang San.

Ao mesmo tempo, ele também controlou a Luz do Deus do Mar para envolver seu corpo e então, começou a se inclinar sobre aquela região amolecida da barreira.

De início, não foi nada fácil, mas sob a influência da Luz do Deus do Mar, ele começou a atravessá-la aos poucos. Ele já não precisava respirar embaixo da água para começo de conversa, então não ser capaz de respirar ali dentro também não era problema. É claro que Tang San não planejava forçar sua entrada. Ele não havia se esquecido do alerta dado por aquela voz. Assim que conseguiu entrar, ele se virou e segurou as duas bordas da parte amolecida, as puxando e fechando o buraco pelo qual havia passado, usando a Luz do Deus do Mar para selá-la logo em seguida. Assim, quando ele atravessasse a parte interna, a parte externa continuaria fechada e impediria que a água do mar entrasse.

Depois de checar repetidas vezes que não havia mais nenhuma rachadura na barreira, Tang San voltou a focar a Luz do Deus do Mar em baixo dele, fazendo com que ela amolecesse ainda mais. Ao mesmo tempo, ele cobriu o tridente com seu poder espiritual, usando sua lâmina principal para ajudar a cortá-la.

Era importante ressaltar que essa barreira era extremamente resistente. Se não fosse pela Luz do Deus do Mar, seria impossível cortá-la sem ter no mínimo detonado alguns dos seus anéis. Sob seu efeito, no entanto, sua resistência diminuiu bastante. Enquanto cortava a barreira com toda a sua força, um som estranho ecoou de repente e seu corpo ficou mais leve. Como se tivesse sido expulso por ela, ele começou a cair. Já a barreira em cima continuou como antes, sem qualquer alteração.

A sabedoria era um poder infinito, Tang San sabia que já havia passado desse primeiro obstáculo.

Ativando sua habilidade de voo, ele recuperou o equilíbrio e começou a flutuar na direção do templo.

Mesmo já sabendo que esse palácio era enorme, ele ainda ficou chocado ao se aproximar.

Parado diante daquele templo, ele se sentia insignificante. Tudo ao seu redor estava em silêncio e, quando olhou para cima, a água do mar do lado de fora da barreira continuava azul e cristalina.

Respirando fundo e ajustando o estado da sua força mental, ele agarrou o tridente com mais força e caminhou para dentro do templo a passos largos.

Seu caminho estava bloqueado por duas enormes portas de correr. O próprio Templo do Deus do Mar tinha uns duzentos metros de altura e essas portas não ficavam muito atrás, sua grossura, no entanto, era um mistério. Além disso, havia padrões esculpidos naquelas duas portas. Na da esquerda tinha o que parecia ser a imagem do próprio Deus do Mar, segurando seu tridente enquanto se erguia acima das ondas. Na da direita também parecia ser ele, golpeando uma enorme baleia que havia pulado de dentro do mar, parecendo até ser o Rei Baleia Demoníaca que ele havia matado.

Só de estar parado diante daquelas portas, Tang San já se sentiu profundamente afetado. Aquelas gravuras não eram muito detalhadas, mas ele ainda sentia como se fosse parte delas. Como se estivesse mesmo presenciando um avanço do Deus do Mar.

— Estimado Senhor Deus do Mar, eu vim aqui para receber sua herança. — Tang San gritou alto. Ao mesmo tempo, ele segurou o Tridente do Deus do Mar com as duas mãos, se curvando levemente em saudação aos dois portões.

— Você já perdeu o Coração do Deus do Mar e, mesmo assim, ainda tenta em vão receber minha força? — Uma voz majestosa ecoou de repente. Não dava para ter certeza de onde ela vinha, mas ainda assim, ele sentiu sua alma tremer.

Abaixando a cabeça e encarando o tridente em suas mãos, a expressão de Tang San foi tomada pela vergonha.

— Sim, eu perdi o Coração do Deus do Mar. Ele me escolheu, mas eu não consegui protegê-lo. Ainda assim, eu desejo herdar seu poder. Eu preciso dele para proteger minha família e amigos, e também para vingar o Coração do Deus do Mar que se quebrou. Por favor, me dê uma chance, eu aceitarei a punição por tê-lo quebrado.

— Se é assim, então entre.

Clang, clang, clang, clang, clang...

Com um estrondo, aqueles enormes portões se abriram. No mesmo instante, uma intensa luz dourada irradiou de dentro do templo, cegando Tang San. Envolvido por aquele vasto poder sagrado, aquela sensação de insignificância mais uma vez tomou conta dele. Era como se ele fosse um simples grão de areia mergulhado no fundo do oceano, tão irrelevante e desprezível.

Esse era o poder dos deuses? De repente, um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, um sorriso repleto de confiança. Ele já havia enfrentado um deus antes. Mesmo sendo apenas uma deusa imatura, Qian Renxue ainda era uma deusa e, apesar de ser muito mais fraco do que agora, ele ainda teve a coragem de lutar contra ela e conseguiu sobreviver. A diferença não podia ser tão grande assim, podia? Agora só lhe faltava esse último passo. Mesmo se fosse apenas um grão de areia no mar, esse grão ainda seria capaz de agitar todo o oceano.

Com esse pensamento em mente, Tang San avançou com um sorriso confiante. Nesse ponto, mesmo sendo tão minúsculo quando comparado ao Templo do Deus do Mar, ele já se considerava o centro desse lugar.

Dentro do palácio, havia trinta e seis pilares de cada lado, suportando o teto e, no meio deles, se estendia um largo corredor de mais de trezentos metros. No fim dessa passagem era possível ver um gigantesco trono e, sentado nesse trono, havia uma pessoa. Não, talvez fosse melhor chamá-lo de gigante.

Tang San parou de andar, um pouco surpreso. Esse gigante não parecia muito diferente de um humano comum, usando lisas vestes brancas e um diadema com uma gema azul em volta da cabeça. Ele também parecia bem familiar, como se fosse aquela sombra liberada pelo Coração do Deus do Mar, só que, daquela vez, ele só conseguiu ver uma silhueta e agora ele era capaz de ver sua verdadeira aparência.

O Deus do Mar?

Apesar da aparência simples, ele ainda tinha uma aura extremamente majestosa. Um par de olhos gentis, mas severos o observaram enquanto ele caminhava pela passagem. A enorme pressão que Tang San havia sentido do lado de fora se tornou ainda mais intensa ali dentro. A sensação era como a de quando ele estava completando seu primeiro teste, Atravessar a Luz do Deus do Mar. Daquela vez, no entanto, ele suportou a pressão com o seu corpo e, dessa vez, era sua alma que estava suportando o peso.

— Olá, reverenciado Senhor Deus do Mar. É uma grande surpresa para mim, saber que você conduzirá pessoalmente a cerimônia de sucessão. — Tang San logo recuperou a calma. Mantendo uma atitude racional, ele observou o Deus do Mar no fim da passagem, usando um tom que não era nem servil, nem tirânico.

— Você me vê, mas não se curva? — disse o Deus do Mar, sua voz majestosa repleta de pressão.

— Eu sou apenas o seu sucessor — respondeu Tang San. — Não um dos seus servos. Então por que eu me curvaria?

O Deus do Mar sorriu, lentamente se erguendo do trono. Assim que ficou de pé, foi como se ele se transformasse em uma imponente montanha e, de fato, ele devia ter pelo menos uns cem metros de altura.

— Você está ressentido pelo sacrifício de Bo Saixi? — O Deus do Mar sorriu para Tang San.

— Considerando tudo o que ela fez para me ajudar, usando sua vida para proteger o seu templo e a sua ilha, até por fim se sacrificar daquele jeito. Como você acha que eu deveria me sentir? — Ele indagou.

Tang San sabia que contradizer um deus não era uma escolha sabia. Porém, sempre que se lembrava da morte de Bo Saixi, a indignação parecia tomar conta do seu coração.

— Ela apenas retornou para os meus braços. De que vale a vida? De que vale a morte? — O Deus do Mar respondeu com indiferença. — As vezes, a vida pode até ser mais dolorosa que a própria morte. Nem mesmo deuses são capazes de escapar disso.

— E foi por isso que você decidiu escolher o destino dela? — Tang San riu com frieza.

— Não, você se enganou. — Ele balançou a cabeça. — Ela escolheu o próprio destino. Nem mesmo deuses são capazes de decidir o destino de outra pessoa. Aquela foi a escolha dela. Todos fazem suas próprias escolhas, inclusive você. Vir aqui foi sua escolha. Os ancestrais de Bo Saixi uma vez foram meus seguidores, assim como de todos os outros membros da Ilha do Deus do Mar. Eles têm protegido a ilha não apenas por ansiar o surgimento de um sucessor, mas também para guardar essas memórias. Essa foi a escolha deles, não uma ordem minha. O que eu deixei para trás foi apenas o caminho que te traria para cá, eu jamais a obriguei a fazer aquilo. Apenas quando a Sumo-Sacerdotisa da Ilha do Deus do Mar acreditasse que valia a pena é que ela faria aquela escolha. Você entende?

Tang San não esperava que o Deus do Mar fosse explicar tudo com tanta calma. Sim, cada pessoa tomava suas próprias decisões, isso não estava errado. Ainda assim, ele não conseguia aceitar o sacrifício de Bo Saixi.

O Deus do Mar voltou a sorrir.

— A morte de uma pessoa na verdade é a separação entre o corpo e a alma. Tang San, diga-me, o que você acha que é mais importante? O corpo ou a alma?

— De certa forma, o corpo deve ser a morada da alma, não me diga que a alma ainda é capaz de existir sem um corpo? Ela provavelmente se dissiparia.

— Se você entende isso, vai ser mais fácil te explicar. — O Deus do Mar assentiu. — De fato, as almas da maioria dos humanos se dispersam assim que eles morrem. Nem mesmo mestres dos espíritos escapam disso. Porém, mesmo depois de morrer, a alma de Bo Saixi não se dispersou. A alma dela foi guiada pelo meu poder para outro mundo. Quando os deuses morrem, também é para esse mundo que suas almas vão.

— Um mundo para onde os deuses vão depois da morte? — Tang San o encarou com uma expressão vazia.

— Nenhum sacrifício é em vão. — Ele continuou sorrindo. — Como eu poderia não estar ciente de tudo o que ela fez? O que eu podia lhe dar em troca era a vida eterna da sua alma. Isso é o que apenas os deuses podem possuir. Apesar de sua forma física não ter alcançado o nível divino, depois da morte ela seria igual a um deus. Você ainda acha que ela de sacrificou em vão? Além disso, você estava ciente dos sentimentos dela. Quando seu bisavô morreu, uma parte de sua alma também já havia sido influenciada pelo poder divino, então eu lhe dei uma mão e permiti que sua alma também continuasse existindo. Assim, apesar de já terem morrido no mundo humano, suas almas jamais se separarão de novo. Agora, então, eu te pergunto: você acha que para ela era melhor estar viva ou morta?

— Isso... — Tang San o encarou sem saber como responder. A única coisa de que ele estava certo era de que aquela indignação de antes já havia desaparecido.

— Você já não acreditava que os deuses não passavam de humanos que haviam alcançado certo nível? Sua hipótese de fato estava correta. Sendo assim, os deuses também são pessoas e suas vidas também são limitadas. Eles apenas vivem muito mais que outros humanos e, depois da morte, suas almas não se dissipam como as deles, se tornando almas divinas ao invés disso. Almas divinas não permanecem no mundo humano, elas no máximo são capazes de persistir por alguns anos, mas no fim, serão transportadas para outro lugar, para outro mundo. Você pode até chamá-lo de reino divino. A passagem entre esse reino divino e o reino humano é unidirecional, apenas almas divinas são capazes de entrar nela e nenhuma delas pode passar de lá para cá.

Nesse ponto, um traço de impotência surgiu na expressão do Deus do Mar.

— Se pudesse reencarnar como um humano, eu com certeza não escolheria me tornar um deus de novo. A vida no reino divino é muito mais entediante que no reino mortal. Sabe, eu sinto um pouco de inveja da Bo Saixi, já que ela foi capaz de se tornar uma alma divina e encontrar seu amado no reino divino, assim ela não vai ficar sozinha. Ficar sozinho é o mais assustador. Lá todos são almas divinas imortais, então nosso poder não tem qualquer valor.

— Não me diga que você nunca buscou por uma parceira? — Tang San não conseguiu evitar a pergunta.

O Deus do Mar riu em auto-depreciação:

— Você acha que é tão fácil assim? E depois, agora já é tarde demais. Como minha divindade ainda precisa ser herdada, eu não tenho tanta liberdade assim. Depois de tanto tempo eu finalmente o escolhi e você não me desapontou, chegando até aqui. Você é excelente, muito melhor do que eu podia imaginar. De início, eu achei que você encontraria alguma forma inteligente de ainda receber minha herança, mas por causa da morte de Bo Saixi, você decidiu diretamente desafiar minha autoridade. Só essa sua personalidade já é o suficiente para qualificá-lo como meu sucessor.

Tang San olhou para o Tridente do Deus do Mar em suas mãos:

— Infelizmente, eu não consegui proteger o Coração do Deus do Mar. Sua divindade me salvou mais de uma vez.

O Deus do Mar suspirou.

— Quando estive no reino mortal, eu escolhi a estrada mais rápida para me tornar um deus, usando toda a minha vida para dominar os oceanos. Foi só quando cheguei ao reino divino que comecei a me arrepender, isso porque nenhum dos meus amigos foi capaz de me acompanhar nessa cultivação. De início, eu pensei que não seria capaz de encontrá-lo antes de lhe passar minha herança, para mim, essa é uma rara chave de me comunicar com os mortais. Por sorte, eu consegui impedir o Deus Asura de te roubar. Herdar o poder divino é extremamente doloroso. Sem a proteção de uma ferramenta divina, as chances do seu corpo não conseguir aguentar são grandes. No entanto, você é diferente de outros humanos, já que possui dois espíritos. Sua configuração de anéis é ainda mais extraordinária, o que te garante uma condição física muito superior do que a de qualquer outra pessoa. Ainda assim, eu preciso alertá-lo: durante o processo de sucessão, você não pode usar o poder do seu Martelo Céu Claro. Isso porque ele já foi contaminado com o poder divino do Deus Asura e pode influenciar a transmissão do meu poder divino para você. O processo é dividido em oito partes e cada uma lhe trará um tipo de dor e desafio diferente. Com esse seu corpo, você ainda deve ter uma chance. Lembre-se, por mais doloroso que isso possa ser, você precisa manter o seu coração firme. Para se tornar o novo Deus do Mar, sua fé precisa ser inabalável.

Se Qian Renxue visse essa cena, ela com certeza ficaria ainda mais amargurada. Ambos se tornaram sucessores de um deus, então porque o seu tratamento foi tão diferente? A alma divina do Deus dos Anjos sequer havia entrado em contato com ela, que dirá lhe oferecer algum tipo de conselho. Mesmo tendo completado o processo de sucessão, no fim ela acabou com um demônio em seu coração que criou essa grande falha que Tang San agora ocupava. Ele, por outro lado, recebeu instruções diretas da própria alma divina do Deus do Mar e, mesmo não sendo muita coisa, isso ainda foi o suficiente para aliviá-lo do peso das mortes de seu bisavô e de Bo Saixi, permitindo que seu coração pudesse se concentrar plenamente no processo de sucessão. Além disso, aquela explicação havia aumentado ainda mais sua confiança nas suas capacidades e o alertou contra uma rota perigosa.

Se existisse algum tipo de auxílio nesse processo, então Tang San com certeza havia acabado de recebê-lo. É claro que ele não tinha como saber como havia sido o processo de sucessão de Qian Renxue, então também não dava para ele saber quantas vantagens havia ganhado.

No entanto, o Deus do Mar ainda achava que isso não era o suficiente, continuando:

— Oh, é claro, eu quase me esqueci. Sabe aquela pérola que você tirou da cabeça do Rei Baleia Demoníaca? Use-a na última parte do processo. Isso vai te poupar uma boa dose de esforço.

Ouvindo isso, o coração de Tang San acelerou, se apressando em perguntar:

— Então a última parte dele está relacionado com o tridente? Essa pérola pode me ajudar a restaurá-lo?

Assim que ele perguntou isso, a expressão do Deus do Mar mudou, aquela gentileza de antes desaparecendo num piscar de olhos.

— Quem é que vai receber a herança aqui, você ou eu? Chega de bobagens. O processo começa agora. — Enquanto falava, os olhos dele brilharam, como se fossem dois sóis. Tang San só sentiu sua alma sendo sugada e, num instante, o mundo ao seu redor se tornou irreal. Uma densa névoa dourada pareceu cobrir tudo e ele conseguiu ver até algumas bolhas douradas flutuando no meio dela.

Com um flash de luz, um gigantesco globo dourado surgiu sobre o peito do Deus do Mar. No mesmo instante, luz irradiou dele e o templo inteiro tremeu, como se estivesse sendo purificado.

Humm...

Perdido no meio daquela luz dourada, Tang San desapareceu assim que aquele globo gigante explodiu e o Templo do Deus do Mar também como que se despedaçou e se reformou sob o efeito dela.

Soltando lentamente o ar, o Deus do Mar limpou um suor inexistente da testa. Olhando o lugar de onde Tang San havia desaparecido, ele murmurou consigo mesmo:

— Essa criança é esperta demais, por sorte eu fui capaz de reagir antes que ele se tornasse vítima da própria ingenuidade. Humf, humf, de qualquer forma, eu não dei nenhuma instrução clara, então nem mesmo os executores do reino divino podem me culpar. Hehe, hehehehe...

Se Tang San pudesse ver a expressão do Deus do Mar agora, ele provavelmente ficaria surpreso ao perceber que ele se parecia tanto com um de seus companheiros. Aquele sorriso no rosto dele era igualzinho aquele sorriso vulgar do Tio da Salsicha Grande, Oscar. Ele só tinha um pouco mais de classe.

Harumf... — Uma voz fria como gelo ecoou de repente. Isso fez o templo inteiro tremer e aquele sorriso vulgar no rosto do Deus do Mar congelou, seu olhar se tornava vigilante enquanto recuperava aquela aura majestosa, se virando para olhar na direção da entrada.

Uma figura igualmente enorme, porém, envolta por padrões mágicos vermelhos e pretos surgiu. A cada passo seu, era como se aquela imensa construção também tremesse. As luzes que cintilavam ao seu redor, impediam que sua aparência fosse vista. A única coisa visível era sua armadura coberta por aqueles padrões.

Até a atmosfera dentro do templo pareceu congelar e a expressão do Deus do Mar piorou ainda mais:

— Asura, o que você veio fazer aqui?

O homem que o Deus do Mar chamou de Asura respondeu com frieza:

— Bo Saidong, não me diga que você não compreende o que acabou de fazer?¹

A voz dele era tão sonora quando ferro golpeando o ouro e a cada palavra sua, o ar parecia congelar um pouco mais.

Os lábios do Deus do Mar se torceram em desdém:

— Eu não tenho a menor ideia do que você está falando.

— Você vai mesmo agir como se fosse burro agora? — Ele rebateu no mesmo tom. — Você não apenas desceu pessoalmente até o local de sucessão, como até mesmo instruiu seu sucessor e tentou diminuir a dificuldade do processo. Com isso você já quebrou as regras do reino divino. Você deve saber quais são as consequências. Aqueles que se opõem as regras do reino divino, são eliminados.

A expressão do Deus do Mar mudou, sua voz se tornando igualmente fria:

— Asura, já chega dessas difamações. Não pense que você pode armar para outros deuses só porque você é um executor do reino divino. Quando foi que você me ouviu dar instruções ao meu sucessor que diminuiriam dificuldade?

Nesse ponto, Asura já estava apenas cinco passos do Deus do Mar, os dois deuses igualmente altos se encarando face-a-face.

— Não me diga que você já se esqueceu do que aquele humano chamado Tang San acabou de dizer?

O Deus do Mar de repente sorriu, um sorriso ainda mais vulgar do que antes.

— Haha, hahahaha...

Os olhos vermelhos sangue de Asura no mesmo instante se tornaram ainda mais frios.

— Do que você está rindo? Não me diga que você ainda acha que pode escapar das regras do reino divino?

O Deus do Mar o encarou de volta, parecendo um tanto despreocupado.

— Quem disse que eu vou ser punido? Asura, tudo o que o irmãozão aqui fez estava de acordo com as regras do reino divino. Não me diga que você não conhece as regras de quando o sucessor é capaz de obter uma afinidade acima do limite?

— Afinidade acima do limite? Você está dizendo que...

Antes que ele pudesse terminar, o Deus do Mar o interrompeu:

— Isso mesmo, ao completar os oito primeiros dos meus nove testes, Tang San obteve um total de cento e cinquenta pontos de afinidade. Apesar de ser possível sentir noventa e nove pontos por causa da quebra do Coração do Deus do Mar, no fim das contas, isso só aconteceu por causa da interferência da sucessora do Deus do Anjos. O fato de outro poder divino ter impedido que sua afinidade fosse calculada corretamente não afeta o resultado final, então seus cento e cinquenta pontos ainda são válidos. Não me diga que você não sabia disso? Meu senhor executor.

Asura ficou em silêncio, incapaz de refutar as palavras do Deus do Mar, que aproveitou para continuar:

— Se, antes de iniciar o processo de sucessão, o sucessor tiver alcançado cem por cento de afinidade com um deus, a alma divina dele pode descer até o local onde esse processo será realizado para lhe dar algumas instruções. Sendo assim, minha presença aqui está completamente de acordo com as regras do reino divino. Porém, até onde eu sei, mesmo sendo um executor você não pode simplesmente deixar o reino divino assim e vir aqui. Mesmo que os lugares reservados para as heranças sejam consideradas zonas neutras entre os reinos divino e humano, os deuses ainda não podem ficar indo e vindo aqui sem um motivo especial. Apesar de ser um executor, você ainda assim decidiu quebrar as regras. É melhor tomar cuidado para eu não reportar esse seu mau comportamento para o comitê do reino divino.

Asura o encarou de volta com frieza:

— Acho que eu não preciso nem elogiar essa sua língua afiada, não é? Eu ouvi o que você acabou de dizer para o Tang San. E você ainda se atreve a dizer que não passou dos limites? As instruções que você deu para ele foram claras demais.

— Não diga isso. — O Deus do Mar replicou. — Eu iniciei o processo antes que ele pudesse compreender o que de fato estava acontecendo. Oh, Asura, não pense que eu não sei o porquê de você ter vindo correndo até aqui. Não foi por causa do Tang San? Ele não escolheu o seu poder divino e isso o fez ser suprimido pelo meu, então você pretendia abusar da sua autoridade para influenciar a herança dele. Você com certeza esperava que ele não fosse capaz de obter a divindade do Deus do Mar por causa da quebra do Coração do Deus do Mar e pretendia salvá-lo no meio, fazendo com que ele herdasse a sua divindade ao invés disso, não é? Mas só nos seus sonhos que eu permitiria que isso acontecesse. Depois de tantos anos, você acha que foi fácil para mim encontrar um sucessor como esse? Depois que ele já completou oito dos meus testes, você resolve aparecer pra vir tentar colher os frutos já maduros. Mas nem mesmo pense nisso. Quem foi que disse que não é possível se tornar o Deus do Mar sem o Coração do Deus do Mar? Isso só deixa as coisas um pouco mais perigosas. E depois, lembra daquela baleiazinha que costumava me incomodar? Foi o Tang San que a matou e até obteve a sua pérola. Com ela em mãos, restaurar o Coração do Deus do Mar não vai ser um problema.

Asura continuou encarando o Deus do Mar com frieza:

— E por acaso foi graças ao seu poder que ele conseguiu matar o Rei Baleia Demoníaca?

— Eh...

De repente, o Deus do Mar se lembrou de que um dos principais motivos de Tang San ter conseguido matar o Rei Baleia Demoníaca foi graças a mutação do Domínio do Deus da Morte, que invocou o poder do Deus Asura e, com sua poderosa aura de massacre, foi capaz de suprimi-lo, garantindo sua vitória. Além disso, o fato de a afinidade de Tang San com o Deus do Mar já ter passado dos cem por cento não significava necessariamente que o Deus do Mar podia estar ali. Porém, ele sabia que o Deus Asura estava pensando em roubá-lo, por isso ele correu para lá o mais rápido que pôde, torcendo para não ocorrer algum problema durante o processo de sucessão que desse uma chance para o Deus Asura. O poder divino não podia afetar o mundo dos mortais, apenas aquele traço de intenção divina deixado antes de partirem podia ajudar seu escolhido a passar pelos testes e mesmo assim, eles ainda não podiam agir por egoísmo. Do contrário, o Deus do Mar já teria usado seu poder para se livrar de Qian Renxue no momento em que ela ameaçou a vida de Tang San. O plano do Deus do Mar era primeiro ajudar Tang San a completar o processo de sucessão o mais rápido possível, assim, se surgisse alguma objeção mais tarde, o arroz já estaria cozido e mesmo com sua posição elevada no reino divino, o Deus Asura não seria mais capaz de roubar Tang San à força.

— E daí se ele usou o seu poder? Você sabia muito bem que ele era meu sucessor e ainda assim tentou se meter. Asura, nós dois somos deuses principais e essa sua ameaça de me denunciar para o comitê do reino divino não me assusta nem um pouco. O que você está olhando? Ainda não entendeu? Não adianta me encarar com esses olhos de peixe morto. Lembre que estamos no meu templo, se lutarmos agora, você pode não ser capaz de me enfrentar.

O Deus Asura não se deixou levar pela provocação, sua voz continuava tão fria e sonora quando antes:

— Você está mesmo usando a carta do quem chega primeiro tem a preferência contra mim?

O Deus do Mar inflou o peito.

— Isso mesmo. Não me diga que você não conhece a ordem da chegada. Você esperou até ele ter completado o meu oitavo teste para aparecer como um ladrão. Considerando sua posição de executor, isso não é o mesmo que propositalmente quebrar as regras?

Asura assentiu lentamente.

— Certo, então eu vou discutir com você a ordem de chegada no comitê do reino divino. Só permita-me lhe perguntar uma coisa: como é que o Tang San foi capaz de usar meu poder enquanto caçava o Rei Baleia Demoníaca? Eu não seria capaz de ajudá-lo com meu próprio poder considerando que já estou aqui no reino divino, então o que eu dei para ele? Bo Saidong, nós nos reencontraremos no comitê do reino divino.

Tendo dito isso, o Deus Asura imediatamente se virou e andou para fora do templo.

A princípio o Deus do Mar ficou sem reação, mas logo a ficha caiu e ele não conseguiu segurar a língua.

— Puta que me pariu. — Ele disse com uma expressão estranha.

Ele sempre pensou que o Deus Asura havia aparecido de repente, para tentar colher os frutos maduros quando Tang San estava prestes a completar os Testes do Deus do Mar e receber sua divindade, mas com essas palavras, o Deus Asura o lembrou que Tang San já possuía o Domínio do Deus da Morte muito antes de ter obtido o Coração do Deus do Mar. Aparentemente, era isso que carregava a presença do Deus Asura e também era uma marca dos seus escolhidos.

 


Notas:

1 – Bo Saidong - (波塞东) O sobrenome e a primeira metade do nome são os mesmo de Bo Saixi, apenas o último caractere é diferente, sendo “leste” ao invés de “oeste”.



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