Volume 1 – Parte 2
Capítulo 11
Goldberg possuía um seguro hospitalar, que o seu emprego no banco lhe ofereceu. Era, até certo ponto, muito decente e de excelente cobertura.
Possui até tratamento dentário?! Pensou consigo mesmo no primeiro dia que começou a trabalhar. Nunca de fato havia precisado do seguro e agora percebia que ele de nada adiantava.
Mesmo com os descontos, ainda teve de pagar 500 dólares por todo o tratamento, que consistiu em massagens cardíacas, remédios e uma diária no hospital, além de também ter precisado um caríssimo exame de raio-x. Ele havia chegado ao meio-dia, e seriam três horas da tarde quando saiu de lá.
Nota do autor: Em conversão de janeiro de 1969 para janeiro de 2022, são $3,984.78. No entanto, este é um serviço de saúde. O valor pode ser várias vezes superior.
Após a enfermeira sair de seu quarto, um médico veio lhe atender. O homem agiu de forma apressada, colocando o estetoscópio em suas costas e peito, e respondendo às perguntas de Samuel, tudo ao mesmo tempo. Sequer o olhou nos olhos.
— O que aconteceu comigo?
— Você desmaiou por falta de oxigênio. — Deu uma pausa, pedindo para o banqueiro que respirasse, completando em seguida — Foi asfixia.
— Asfixia?
— Sim.
— Não foi afogamento? — Perguntou, sem saber ao certo por que aquilo lhe pareceu algo pertinente.
— Não. Você chegou seco aqui. — Explicou de maneira fria o médico, retirando o gélido aparelho das costas de seu paciente e o colocando no pescoço. — E não tem água em seus pulmões.
— Como sabem? — Samuel implicou. Acreditava fielmente que sua falta de ar havia acontecido por aquele liquido doce e esquisito.
— Tiramos raio-x de seus pulmões… — O médico completou. Goldberg já tentava contabilizar em sua cabeça os valores daquilo em sua cabeça. Sua conta nunca chegou perto do real valor do gasto que teria, nem levou em conta os descontos fajutos e específicos que seu seguro possuía — além, claro, de serem porcentagens extremamente baixas.
Além disso tudo, porém, uma dúvida pairava sobre a cabeça de Samuel. A casa… Como saí daquela casa? Como cheguei aqui? — Quem me trouxe aqui? — Perguntou por fim, ao médico, que por alguma razão já estava prestes a sair da sala. Este foi todo o meu tratamento?
— Um grupo de negros te trouxe aqui. — Negros?! — Eles não podiam entrar no hospital e te deixaram aqui.
— Quantos eram? — Perguntou, indo por impulso até seus bolsos. Seus objetos pessoais, carteira e caderneta de anotações, não estavam ali. As enfermeiras o guardaram em um armário para pacientes, que ficava dentro do quarto. No entanto, Goldberg teve a certeza de que aqueles homens o haviam roubado.
— Três. Vieram com pressa. Pareciam preocupados. — Foi tudo o que o médico disse antes de sair por definitivo do cômodo, deixando ele sozinho na sala, com seus débios e encharcados pensamentos.
Entre idas e vindas, pelos próximos trinta minutos, Samuel Goldberg pensou na casa e odiou ter sido capturado por crioulos. Ele foi salvo, na verdade, mas não conseguia acreditar nisso. Estava com raiva, sentindo suas veias saltarem. Sentia também um efermo medo, com uma lenta e viscosa adrenalina caminhando por suas veias, ao se lembrar do que havia visto na casa.
Como pode um coração se dividir tanto, entre dois sentimentos tão contrários? Talvez não fossem tão contrários assim. Seu ódio e medo eram semelhantes, pois vinham de uma enraizada ignorância. Ainda assim, em meio a tudo isso, no fundo, como soterrado por cinco séculos de injusto sofrimento, havia amor.
Ainda amava a casa. Ansiava visita-la novamente apesar de ter se asfixiado naquele terreno maldito. Podia consertar aquele lugar, pois era impossível que um mal tão pequeno pudesse diminuir a qualidade daquele lugar. Bastava contratar alguém… um padre, um exorcista, um engenheiro, não importa! Alguém pode consertar aquele lugar!
Estes eram seus pensamentos quando terminou de pagar pela exorbitante conta de hospital e saiu daquele lugar efêmero e que exalava doenças e produtos químicos. Seus pés pisaram na calçada da frente do prédio e sentindo seus objetos pessoais — pegou eles no tal armário para pacientes minutos antes — suspirou aliviado. Tinha de voltar para seu escritório e avisar seu chefe que não pôde contabilizar a casa. Então, após trabalhar algumas horas, iria para casa avisar sua esposa do que aconteceu. Sim… Isso mesmo… Seu trabalho vinha em primeiro. Como vou pagar por uma casa como aquela se não trabalhar?
Trabalho… Dinheiro… A casa, por acaso, tinha uma mulher encharcada que o… Me asfixiou? Afogou? De fato não sabia. Deu um primeiro em direção a longe dali, mas foi impedido.
— Olá, banqueiro. — Disse alguém pelas suas costas. Se virou, estando completamente despreparado para quem estava prestes a ver. — Fico feliz que você esteja acordado.
Lorenzo disse isso, com braços apoiados ao lado do corpo, e com um grande sorriso. Ao seu lado, outros dois homens o acompanhavam, Big Tom e Jerry, mas Samuel não os conhecia. Em sua cabeça limitada e fechada, aqueles três estavam ali para arrancar todos os últimos recursos que possuía, após sair do hospital — por mais que um deles fosse aparentemente rico.
— Eu… não tenho dinheiro… — Disse, temendo o pior que nunca veio a acontecer.
— Há! Ouviu isso, Lorenzo? — Falou Big Tom, com sua voz excessivamente grave. — O banqueiro, aí, acha que vamos roubar ele.
— Tom, vai assustar ele desse jeito… — Enfatizou Jerry, cruzando as mãos pelas suas costas. Queria logo ir para casa e tomar um banho de sal. O que aconteceu naquela casa fez ele temer que estava amaldiçoado.
— Mais? Seria un puta prazer. — Com este comentário extremamente amigável, Thomas avançou na direção do banqueiro, enquanto batia suas mãos uma contra a outra, de forma ameaçadora. Em uma situação normal, Samuel poderia até ver certa graça em um homem de 1,50 se aproximar de sua direção daquela forma. No entanto ele é negro.
Sentia o medo lhe escapar pelos esporos, quando Big Tom foi segurado pela nuca e puxado. O italiano havia feito isso, e sequer olhou no rosto de seu colega, apenas continuava olhando na direção de Samuel.
— Lorenzo! Pra quê essa merda?
— Acalma o tranco, Tom… Precisamos dele.
Isso pareceu silenciar a todos, incluindo o gigantesco trânsito de Nova Iorque.
— Precisamos? — Jerry perguntou, genuinamente confuso e curioso.
— Sim, precisamos. — Soltando o colarinho do homenzinho e olhando nos olhos do banqueiro, Lorenzo Lessley disse. — Precisamos de sua ajuda para destruir aquela casa, senhor Goldberg.
O banqueiro nada disse, sentia apenas que estava prestes a desmaiar mais uma vez.