Volume 1 – Parte 1
Capítulo 7
O sol batia sobre a cabeça de duas figuras, que para muitos, não deviam estar no lugar onde estavam. Pensamento tolo, mas inevitável naquele momento.
Dois homens, ambos de pele negra, vestiam roupas que tentavam se misturar ao ambiente. Vestimentas simples, não eram encardidas ou furadas. De boa qualidade, de um tecido claro e pouco perigoso. Tentavam de todas as formas evitar chamar a atenção da vizinhança para ambos.
Faziam alguns dias que estavam nesta rotina de caminhadas por aquele bairro. Se fossem parados, o que com toda a certeza foram, mais de uma vez, e pela polícia, diriam que estavam num circuito de caminhada que por acaso passava por ali. A tal justificativa não seria plausível para o guarda, que consternado e agitado, prenderia ambos os homens de pele negra — pois isso era motivo o suficiente para o policial desconfiar de algo.
Mas a situação não havia mudado, eles ainda precisavam passar por aquele bairro todos os dias e pelo máximo de tempo possível. Eis então que outra dupla de homens seria mandada, e todo o processo se repetiria.
O dia presente não poderia ser diferente. A dupla da vez era composta por um homem corpulento, de ombros largos, cabeça chata e cabelo liso — não era seu cabelo natural — com lábios grossos e um nariz pouco empinado; seu parceiro era um homem pequeno, de pele parda, quase branca, no entanto, isso não era razão para não ser parado pela policia vez ou outra.
Não era a primeira vez daqueles dois neste bairro da upper east side. Na verdade, eles foram os primeiros a começar a rondar por ali. Também foram os primeiros a serem presos, e ficaram na cadeia por um vagaroso tempo de vinte dias. Uns diriam que foram soltos por sorte, mas ambos sabiam que não havia sido.
Agora, após outros seis dias aproveitando a liberdade, estavam nas ruas mais uma vez.
As regras eram simples, todas feitas para se evitar o inevitável de um vizinho desconfiar da presença dos dois ali. Primeiro, nunca olhem ao mesmo tempo para a casa; segundo, andem juntos, em ritmo de exercício, rápido o suficiente para evitar serem observados por muito tempo; terceiro, sempre observem todo e qualquer movimento na casa, e anote o horário do ocorrido.
E a quarta regra. Caso fossem presos, ou se avistasse alguém próximo da casa, deveriam ligar para ele por um telefone público.
— A gente deveria fazer essa vigia com aquele branquelo… — O pequeno disse, sua voz sendo grave demais para o seu porte de um metro e meio. Thomas era seu nome, apelidado de Big Tom por razões temperamentais e irônicas. — teríamos evitado muita dor de cabeça.
— O sotaque dele entregaria e seríamos presos por espionagem. — O homem corpulento respondeu, calmo em demasiado e apenas aproveitando a caminhada. Seu nome era Jerry, e ele estava apreciando aquele momento de liberdade e de ar fresco, após aquele curto mas horroroso tempo na cadeia. Ele sabia que aquilo não duraria muito tempo. — Vinte dias seriam incontáveis anos.
Foi num silêncio desconfortável que eles dois continuaram a caminhar, em seu trote rápido o suficiente para não chamarem a atenção. Desaceleraram somente quando começaram a passar em frente a casa mais uma vez. Era a segunda vez naquele dia, a primeira sendo no período da manhã.
— Você vai olhar? — Jerry perguntou.
— Não, você que vai. — E Big Tom retrucou, de maneira impaciente.
— Eu já olhei quando viemos de manhã. Não gosto de olhar para aquele lugar.
— E acha que eu gosto? O lugar me dá arrepios em lugares demais.
— Mas eu já olhei de manhã.
— E eu olhei quando viemos aqui pela primeira vez, e fomos presos não é? — Thomas disse, dando um sorriso pelo canto de sua boca. Já havia vencido aquela discussão com uma simples frase. — Não queremos dar este azar de novo, não é?
Big Tom e Jerry se conheciam há muito tempo. Muito antes de começarem a andar por estas vizinhanças e conhecerem aquela casa.
Jerry, apesar do tamanho, era supersticioso. Seu medo de boatos, superstições e histórias vinha da família, também supersticiosa, e ele desde o início das rondas odiava encarar aquela casa. No entanto, temia muitas vezes mais ser preso mais uma vez, e não daria combustível ao azar. O pequeno sabia disso.
Relutante, o homem corpulento olhou em direção a casa e para sua linda fachada. Estava da exata mesma forma de quando vieram pela primeira vez. Suas janelas estranhamente limpas e trincadas em algumas partes, que davam visão plena para a parte interna da casa, por mais que estivessem ambos a quase duzentos metros de distância dela. A porta, o batente, a entrada da casa em um geral, estava em perfeito estado, contradizendo com o restante do imóvel. A óbvia aparência de abandonada era maculada por aquela entrada polida, pouco suja e sem nenhuma ranhura. Indistinta, perfeita, mas que necessitava de uma limpeza, e uns cuidados… talvez os músculos de Jerry viessem a calhar e ele poderia limpar todo aquele lugar para si.
Parou de olhar no instante em que pensou nisto. Balançou a cabeça com força e sentindo um arrepio crescer lentamente por suas costas, como se uma mão o direcionasse para aquela imaculada porta.
— Viu alguma coisa nas janelas?
— Nada no primeiro andar.
— E no segundo?
— Não vou olhar para o segundo andar! — Jerry resmungou, batendo os pés e entregando a Thomas uma expressão que ele pouquíssimas vezes havia visto. Os olhos dele se espremiam, enquanto as rugas de sua testa desapareciam por completo com sua testa esticando-se por completo. As sobrancelhas se apertavam, a boca se abria para mostrar os dentes amarelados e enraivecidos. Era uma raiva, misturada à apreensão de alguém que ansiava fugir.
— Tá legal grandão, se acalma. — Foi enquanto dizia isso que Thomas viu, pelo canto do olho, uma figura se aproximando da casa. Jerry ainda explicava para o seu amigo as diversas razões para ele não querer olhar o segundo andar, mas não lhe deu ouvidos. Apenas viu aquele homem gordo e branco, relutantemente se aproximando da casa. — Temos que ligar para o Lorenzo.