Volume 2
Capítulo 1: Servindo no Pátio Externo
— Eu tinha a nítida impressão de que voltaria para o palácio interno. — Maomao se viu usando uma roupa de algodão. Quando se lembrou do grosseiro vestido de cânhamo que lhe haviam dado como serva no palácio interno, aquilo parecia incrivelmente luxuoso.
— Você foi dispensada, receio. Não pode simplesmente voltar para lá. Não, é aqui que você vai trabalhar de agora em diante. — Quem a guiava pelo palácio era o assistente de Jinshi, Gaoshun, que lhe ensinava os nomes dos diversos edifícios e dos escritórios que neles funcionavam. Dada a extensão do próprio palácio, o passeio prometia ser atordoante.
O palácio interno fazia parte do pátio interno, onde residia a família imperial. Seu novo local de trabalho, porém, era o pátio externo. Em resumo, o mesmo espaço de inúmeros funcionários que administravam os diversos órgãos governamentais.
— Do lado leste daqui você encontrará muitos soldados e militares, então sugiro que evite a área.
Maomao assentiu, mas ao mesmo tempo observava a vegetação em volta. Eu sabia. Muito mais ingredientes cresciam no palácio interno. Ela suspeitava que fora seu pai, Luomen, quem havia plantado a grande variedade de ervas úteis durante o tempo em que servira lá. Isso explicaria a abundância de plantas medicinais em um espaço tão limitado.
Enquanto caminhavam e Gaoshun lhe explicava isto e aquilo, Maomao sentiu um arrepio estranho na nuca. Lançou um olhar para trás e percebeu que algumas mulheres da corte externa a observavam. Ou melhor, a encaravam de forma hostil.
Assim como existem coisas entre os homens que apenas eles compreendem, há situações que apenas mulheres compartilham de modo instintivo. Os homens tendem a resolver diferenças pela força; as mulheres, muitas vezes, recorrem a meios emocionais. E aquelas, ao que parecia, avaliavam a recém-chegada.
Não gosto nada disso, pensou Maomao. Mostrou a língua para elas e correu atrás de Gaoshun até o próximo prédio.
Descobriu-se que as funções de Maomao no pátio externo seriam muito semelhantes às que desempenhava no palácio interno: limpar os cômodos que lhe mandavam limpar e fazer trabalhos ocasionais e pequenas tarefas quando e conforme lhe fosse solicitado. Jinshi, ela deduziu, tinha planos maiores para ela, mas nunca teve a chance de concretizá-los: Maomao falhou no teste.
— Como você pôde ter falhado?!
E por que eu deveria ter passado?
Jinshi e Gaoshun ficaram igualmente chocados. Aparentemente, haviam simplesmente presumido que Maomao seria aprovada. Criada no distrito da luz vermelha, ela sabia ler e escrever, e recebera ao menos uma educação básica em canto e na prática do erhu. A prova em questão não era tão difícil quanto os exames para o serviço público civil, e eles pareciam ter imaginado que, com um pouco de estudo, Maomao passaria com facilidade.
[N/T: Erhu é um dos instrumentos musicais mais famosos da China. É conhecido como o Violino Chinês]
Desculpem-me por não corresponder às suas expectativas, pensou ela, esfregando com raiva a moldura de uma janela. Estava no corredor do escritório de Jinshi. A arquitetura era mais simples do que a dos prédios do palácio interno, ainda que um pouco mais alta. As paredes envernizadas em vermelho-vivo reluziam intensamente, renovadas todos os anos.
A verdade era que Maomao não gostava de estudar e provavelmente tinha menos aptidão que a média para memorizar assuntos que não a interessavam. Drogas, ervas e remédios eram uma coisa; mas por que alguém se daria ao trabalho de aprender história? Que utilidade teria? Quanto às leis, mudavam constantemente. Qual o sentido de decorá-las? Maomao infelizmente era incapaz de investir esforço nessa direção. Era natural, portanto, que tivesse fracassado no teste.
Ela até abrira os materiais que recebera para estudar, decidida a lê-los do início ao fim, mas, quando percebia, já havia amanhecido. Isso se repetiu várias vezes. Assim, consolou-se de que o resultado fora inevitável. Assentiu, concordando com a própria conclusão.
Não esperava que este lugar fosse tão sujo.
Por um lado, um espaço tão grande tinha pontos difíceis de alcançar e fáceis de esquecer na limpeza; por outro, Maomao suspeitava de certa negligência. As mulheres que serviam ali haviam conquistado seu lugar por meio de prova, muito diferente das criadas recrutadas, vendidas ou sequestradas para o palácio interno. Elas tinham famílias, educação e o orgulho correspondente. Provavelmente viam o trabalho de limpeza como algo abaixo delas. Mesmo que percebessem poeira, dificilmente moveriam um dedo para removê-la.
Para ser justa, não é parte da função delas, pensou Maomao.
As damas da corte externa eram como secretárias; limpar não fazia parte de suas atribuições. Mas isso não significava que não devessem fazê-lo. Desde o reinado do antigo imperador, o governo deixou de possuir escravos, e os burocratas passaram a contratar serviçais para os trabalhos menores.
Agora, Maomao era uma dessas serviçais, atuando diretamente sob as ordens de Jinshi.
Na sua experiência, as mulheres do palácio interno eram chamadas de mulheres do palácio, enquanto as da corte externa recebiam o título de damas da corte. Talvez não estivesse completamente certa quanto à distinção, mas era um termo que Jinshi e outros como ele usavam em suas conversas.
Muito bem, qual é o próximo passo a fazer? Ela se voltou para o escritório de Jinshi. O cômodo era grande, mas nada luxuoso; na verdade, bastante simples. O ocupante principal era um homem atarefado; raramente retornava logo depois de sair. Isso facilitava a limpeza de Maomao, mas havia um problema.
— Com licença, mas o que exatamente você pensa que está fazendo?
Ela percebeu que um grupo de damas desconhecidas a havia cercado. Todas eram mais altas que Maomao; uma delas chegava a ser uma cabeça maior.
Quanto melhor comem, maiores ficam, refletiu, notando instintivamente tanto a altura quanto os bustos das garotas. A que lhe falara era notavelmente alta, sinal de uma criação refinada.
— Está me ouvindo? — insistiu a mulher, enquanto Maomao se distraía com aqueles pensamentos inconvenientes.
Em resumo, as damas estavam irritadas por Maomao servir diretamente a Jinshi. Queriam saber por que ela recebera tamanho privilégio. Infelizmente, Maomao não sabia o que se passava na mente de Jinshi; apenas sabia que ele a havia contratado. Se tivesse sido uma dama estrangeira bem relacionada, como Gyokuyou, ou tivesse a beleza voluptuosa de Lihua, ou ainda a sensualidade de Pairin, ninguém se oporia. Mas Maomao parecia apenas uma galinha magricela, sardenta e sem graça. As garotas não suportavam vê-la ao lado do deslumbrante eunuco. Fariam qualquer coisa para trocar de lugar com ela.
Hmm, pensou Maomao, o que fazer agora? Ela nunca foi a mais rápida de raciocínio ao falar; muitas vezes preferia permanecer em silêncio. Mas ali, o silêncio parecia irritá-las ainda mais do que qualquer resposta que ela daria.
Resolveu ir direto ao ponto: — Eu entendi direito? Estão dizendo que estão com inveja de mim? — Foi mais que suficiente para enfurecê-las. Só depois de levar um tapa no rosto Maomao percebeu que talvez tivesse escolhido as palavras erradas.
Havia cinco mulheres ao seu redor, e Maomao esperava evitar que a matassem ali mesmo. Mas elas a empurraram para um canto escuro do corredor. Sem ter muito a perder, decidiu tentar escapar pela conversa. — Não podem realmente acreditar que recebo tratamento especial, podem?
Os rostos das damas se contorceram ainda mais. Antes que a agredissem de novo, Maomao prosseguiu: — Isso é absurdo, e todas sabemos. O que uma criatura desagradável como eu poderia ter a ver com alguém que bem poderia ser a encarnação de uma ninfa celestial? — Baixou os olhos enquanto falava, mas não deixou de notar os leves espasmos nos rostos delas. Talvez funcione, ela pensou. — Um homem tão nobre, objeto de tanta admiração, teria gosto tão pobre? Quando iguarias como abalones e carne de javali são servidas, quem escolheria roer um osso de galinha descartado? Só alguém com propensões muito... específicas.
Essas últimas palavras provocaram mais um espasmo nas mulheres.
— Eu mesma não sei, mas acreditam que alguém de beleza tão etérea, com aquele sorriso celestial, teria tais predileções? Ah, então estão dizendo que as preferências dele são...
— N-Nada disso! Isso é ridículo!
— Sim, ridículo!
Um alvoroço geral se instaurou entre as mulheres. Maomao pensou que tinha escapado por um triz, mas uma das mulheres a observava com desconfiança. — Mas nada disso muda o fato de que você foi contratada, não é? — disse a mulher comparativamente calma. Ela era a mais alta entre elas, com o rosto frio e sereno. Agora que Maomao refletia sobre isso, percebeu que essa mulher havia permanecido distante durante toda a discussão anterior. Como as outras mulheres, ela havia dado um meio passo para trás, mas continuava a observar Maomao atentamente. Parecia ser o tipo de pessoa que seguiria uma multidão apenas para ver aonde ela ia, embora não fizesse parte dela.
Bem, se isso não for suficiente para afastá-las... Maomao pensou, e então disse: — Este é o motivo. — Ela ergueu o braço esquerdo e arregaçou a manga. Em seguida, começou a desenrolar a bandagem que ia do pulso ao cotovelo.
— Eita! — gritou uma delas, e todas elas olharam para ela, sem palavras. Cicatrizes cruéis cobriam a pele de Maomao.
Aqueles experimentos com queimaduras que fiz recentemente deixaram algumas marcas bem desagradáveis, pensou Maomao. As jovens aristocratas devem ter ficado enojadas.
— O coração daquele a quem tanto admiram é tão puro quanto seu sorriso. Posso atestar: ele me concedeu alimento e abrigo mesmo sendo eu assim. — Enquanto falava, Maomao enfaixava novamente o braço, baixando os olhos com falsa modéstia.
— Vamos embora — disse uma das mulheres. Sem mais interesse em Maomao, retiraram-se. Apenas a mais alta olhou para trás antes de partir.
Pronto. Enfim acabou, Maomao pensou consigo mesma. Estalou o pescoço e pegou de novo o pano de limpeza. Estava prestes a procurar outro local para tirar o pó quando percebeu um belo eunuco encostado na parede, com a cabeça apoiada.
— Posso perguntar o que está fazendo, Mestre Jinshi?
— Nada. E você? Elas sempre lhe causam problemas? Estava levantando o braço esquerdo?
— Está tudo bem. Francamente, são menos incômodas que as garotas do palácio interno. Mas, se me permite, por que está parado assim?
Ela ignorou a pergunta sobre o braço. Parecia que Jinshi não havia visto toda a cena. A postura dele não condizia com alguém de sua posição, pensou Maomao. Julgando pela forma como ele estava segurando sua cabeça em suas mãos, Gaoshun, atrás de Jinshi, parecia concordar.
— Se não se importa, vou continuar a limpeza, senhor. — Com Jinshi presente, não seria possível limpar o escritório, então procuraria outro lugar para trabalhar. Saiu com o pano e o balde, mas ouviu Jinshi murmurar atrás dela: — “Propensões..”
Não acho que tenha dito nada errado, Maomao disse a si mesma. Mesmo que Jinshi tivesse testemunhado os últimos momentos daquele confronto, ela não via motivo especial para que ele ficasse chateado. Em vez disso, concentrou-se na limpeza.
Não há muita coisa por aqui no inverno, não é?
Sentada de pernas cruzadas em seu quarto, os braços cruzados sobre o peito, ela resmungou para si mesma. Durante a tarde, entre uma tarefa e outra, Maomao conseguira roubar alguns momentos para coletar algumas ervas, mas a oferta era escassa, e ela ainda não tinha quantidade suficiente para trabalhar adequadamente. Sem muitas opções, limitou-se a limpá-las, enxugou o máximo de água que pôde e, em seguida, pendurou-as na parede do quarto para secar. Ela fazia isso desde que chegara ao pátio externo, e o quarto de Maomao havia se transformado em um verdadeiro espetáculo: ervas secando por toda parte.
O quarto que lhe fora designado era relativamente bom para os aposentos de uma criada residente, mas ainda assim, era um pouco apertado. Não era muito maior do que os aposentos que tinha no palácio interno. A diferença era que, no Pavilhão de Jade, ela podia pedir permissão para usar a cozinha, e, combinada com a abundância de recursos disponíveis, produzir suas misturas era uma tarefa simples, o que tornava o tamanho reduzido de seu quarto menos incômodo.
O que fazer, o que fazer? Maomao olhou para o baú de paulownia que havia colocado cuidadosamente em cima de seu baú de vime. Dentro do baú, que estava selado com um cordão de seda, estava a erva que crescia de um inseto. Chamava-se dong chong xia cao, verme do inverno, erva do verão, também conhecida como fungo da lagarta, que Jinshi trouxe junto com o dinheiro, quando foi ao distrito do prazer. A simples visão da erva fez Maomao assinar o contrato sem hesitar, mas agora ela se perguntava se não havia se vendido barato demais. Contudo, seria impossível superar seu desejo por aquela erva extraordinária.
[N/T: Paulownia é uma árvore bem comum na China e no Leste Asiático. Já dong chong xia cao é uma erva proveniente dos Cordyceps, fungos parasitas popularmente conhecidos como fungos zumbis, o mesmo parasita que The Last of Us usou de inspiração na franquia.]
Ela abriu a tampa e olhou para o fungo, e um sorriso inconsciente se espalhou pelo seu rosto. Logo, tornou-se uma risada aberta, e suas bochechas começaram a tremer. Não, não, preciso parar. No dia anterior, deixou o tremor se transformar em um grito tão alto que os vizinhos, duas portas adiante, bateram em sua porta para reclamar. Aparentemente, não se devia gritar no meio da noite. As pessoas tentavam dormir, ou algo assim.
Maomao pressionou os dedos nas bochechas para relaxar o sorriso e, em seguida, deitou-se na cama. O trabalho de uma criada começava cedo, ainda antes do galo cantar. A pessoa a quem servia poderia estar faltando algo muito importante, mas ainda era magnífico e de alta posição. Não se devia desagradar alguém assim.
Ela puxou o lençol fino, junto com várias camadas de roupas externas que serviam como coberta, e fechou os olhos.
— Seu quarto atual não é um pouco pequeno? — perguntou o belo eunuco durante o café da manhã.
Maomao piscou e respondeu: — Eu diria que é mais do que generoso para uma simples criada como eu. Ela mesma entendia que dificilmente poderia revelar seus verdadeiros sentimentos. (“Sim, é apertado pra caramba. Se possível, gostaria de pedir um quarto com uma lareira generosa, de preferência ao lado de um poço.”)
[Kessel: Engraçado que ela poderia realmente responder isso e ele simplesmente daria o quarto para ela. Se não existisse, ele mandaria construir. Igual fez com a sauna no Volume 1. kkk]
— Você está falando sério?
Dessa vez, ela simplesmente não respondeu.
O eunuco acabara de acordar e ainda não estava completamente arrumado para o dia enquanto tomava seu café. O cabelo, normalmente bagunçado, estava preso por uma fita simples. Era um pouco problemático, dado o quão chamativo parecia.
Gaoshun estava no quarto junto com Maomao, assim como uma dama de companhia já na primeira fase da velhice. Eram os únicos permitidos ali, e Maomao compreendia o motivo. Uma mulher poderia enlouquecer de desejo com o que Maomao via naquele momento, e até mesmo um homem poderia esquecer os limites de gênero. Essa pessoa estimada, concluiu ela, poderia ser realmente pecaminosa.
Ele é como um inseto no cio. Algumas fêmeas de insetos produzem aromas exóticos para atrair parceiros. Uma única fêmea pode atrair dezenas ou até centenas de machos. Maomao mesma já se aproveitara dessa característica para coletar insetos necessários como ingredientes.
Sob esse ponto de vista, a constituição de Jinshi poderia ser considerada extremamente interessante. Se eu pudesse capturar esse aroma sutil e transformá-lo em incenso, aposto que venderia bem. Era com esse pensamento que Maomao observava seu potencial ingrediente para a poção do amor, ou seja, Jinshi. Infelizmente, quando Maomao se concentrava em um pensamento particular, algo que não tinha a ver com a situação presente, sua atenção tendia a se afastar do momento atual. Isso frequentemente a impedia de acompanhar conversas ao redor, hábito agravado por seu costume de assentir com a cabeça mesmo quando não estava ouvindo de fato.
— Se desejar, posso preparar um quarto novo para você.
Hã?
Jinshi, visivelmente satisfeito consigo mesmo, pedia mais mingau a Suiren. Ela era uma das poucas damas de companhia que haviam servido Jinshi. Pela aparência, Maomao deduziu que ela já tinha bem mais de cinquenta anos. O rosto de Suiren permaneceu impassível enquanto servia uma nova tigela de mingau, cobrindo-o com vinagre preto.
Maomao não seguira a conversa completamente, mas entendia que Jinshi estava disposto a lhe dar um quarto melhor. Então, seus olhos encontraram os de Gaoshun, que novamente escondia o rosto nas mãos. O assistente sempre cansado parecia querer dizer algo a Maomao, mas ela apenas ergueu uma sobrancelha. Se quer me dizer algo, tem de falar. Não sou vidente. Ela conteve-se de falar isso em voz alta, pois sabia que muitas vezes não conseguia se expressar com clareza também.
— Talvez um estábulo perto de um poço, então — sugeriu, revelando seu verdadeiro desejo.
— Um estábulo — repetiu Jinshi.
— Sim, senhor. Um estábulo.
Para ela, esse era o local em que seria menos provável ser interrompida enquanto preparava suas misturas, mas não pôde deixar de notar que Gaoshun balançava a cabeça, formando um X enfático com as mãos. Então ele tem um lado brincalhão, observou Maomao.
— Sem estábulos — disse Jinshi, firmemente.
Sim, acho que faz sentido, pensou Maomao, mas limitou-se a dizer: — Certo, senhor.
Após o café da manhã, Jinshi saiu para trabalhar. Frequentemente ficava em seu escritório pela manhã, e a limpeza de sua residência particular muitas vezes cabia a Maomao.
— Fico muito feliz que tenha vindo, minha querida. Começo a sentir minha idade quando tenho de limpar este lugar inteiro sozinha — disse Suiren, sorrindo abertamente. Antes da chegada de Maomao, Suiren era responsável por todo o grande edifício, mas aos cinquenta anos, o corpo começava a sentir cansaço. — Você não é a primeira garota nova que temos aqui, devo acrescentar. Mas, bem, sabe como é. Coisas acontecem, e nenhuma delas permaneceu. Acho que você vai se sair bem nesse ponto, Xiaomao. A alegre dama de companhia parecia ter adotado o apelido que Gaoshun dera a Maomao.
[N/T: Xiao, em chinês, significa algo como “pequena criança”. Nesse contexto, Xiaomao quer dizer “pequena Mao”, mas uma outra tradução possível seria “Maozinha”, assim como chamamos Maria de Mariazinha. Entretanto, vou preferir manter o original Xiaomao. Apenas tenham em mente de que isso significa “pequena Mao” ou “Maozinha” daqui em diante!]
Além de faladora, a vasta experiência de Suiren fazia dela uma trabalhadora rápida, e suas mãos nunca paravam de se mover. Ela polia utensílios de prata num piscar de olhos. A limpeza do quarto veio em seguida. Maomao tentou impedir, obviamente era trabalho de criada, mas Suiren apenas disse: — Bem, mas então nunca teríamos tempo para as tarefas da tarde.
Estava explicado. Desde algumas falhas das criadas e damas anteriores, Suiren assumiu a responsabilidade exclusiva pela limpeza dos quartos.
Incidentes de furto, talvez? pensou Maomao. E provavelmente não apenas de dinheiro, ela supôs, facilmente imaginou outros alvos para tais atividades.
Segundo Suiren, as coisas não apenas desapareciam; às vezes, se descobria que haviam mais pertences do que antes. — Qualquer um ficaria chateado ao encontrar roupas íntimas desconhecidas na gaveta — disse ela. Feitas de cabelo humano, ainda por cima! E com um nome cuidadosamente bordado. Maomao ficou arrepiada. Não era bem a explicação que esperava. — Deve ter sido muito difícil, senhora.
— Eu lhe digo, fiquei traumatizada!
Enquanto Maomao polia diligentemente outra moldura de janela, refletiu como a vida poderia ser melhor se aquele eunuco usasse uma máscara sempre que saísse.
Concluíram a limpeza dos aposentos privados de Jinshi e fizeram uma refeição tardia. O próximo seria o escritório dele. Em princípio, era mais fácil do que limpar seus quartos pessoais, porque a sala era menos elaborada. Mas, como não poderiam ser vistos limpando por pessoas importantes, exigia certa discrição.
O que devo fazer hoje? Maomao se perguntou. Quando Jinshi recebia visitas em seu escritório, Maomao tinha tempo livre. Nesses momentos, costumava percorrer os jardins do pátio externo sob o pretexto de algum compromisso. Já explorei bastante o lado oeste.
Um mapa se abriu na mente de Maomao. Gostaria de verificar o lado leste, mas algo a detinha. Era onde estava a base militar. Não se agradariam se uma criada fosse farejar nos arbustos próximos ao acampamento. Poderia facilmente ser confundida com espiã e presa. Além disso, Gaoshun especificamente recomendou que evitasse o local.
Além disso, ela pensou, falando em militares… Involuntariamente, todos os músculos de seu rosto se contraíram em uma carranca. Era a medida exata da razão forte que tinha para se afastar do lugar, mas, ao mesmo tempo, uma área inexplorada poderia esconder novas ervas.
Maomao estava de braços cruzados, profunda em pensamento, quando algo bateu na parte de trás de sua cabeça.
Que diabos? Virou-se, esfregando a cabeça e lançando um olhar irritado, e encontrou uma dama alta e refinada do pátio externo. Tenho a sensação de já tê-la visto em algum lugar, pensou Maomao, e então lembrou-se da mulher da multidão que a abordara alguns dias antes. A maquiagem era mínima, mas Maomao notou que ela desenhara sobrancelhas grossas. Possuía lábios cheios e carnudos, mas só havia aplicado um pouco de batom. O visual geral era limpo, mas estranhamente desapontador.
Ela poderia fazer muito melhor, pensou Maomao. Ela tinha ossos perfeitos e um rosto bonito, mas a maquiagem a deixava menos impressionante do que realmente era. Se afinasse as sobrancelhas, aplicasse um leve batom nos lábios e prendesse o cabelo em um coque ostentoso, poderia facilmente ser confundida com uma das flores do palácio interno. Porém, a maioria das pessoas provavelmente não perceberia o potencial de beleza dessa mulher. Maomao, que passara a vida observando garotas de rua se transformarem em borboletas cativantes da noite, conseguia ver as possibilidades.
— Pessoas como você não deveriam ir mais adiante — disse a mulher, de forma direta, mas soando cansada. Maomao apenas desejou que a mulher tivesse começado falando, em vez de bater.
A seguir, ela passou, como se quisesse comunicar que, como dama certificada do pátio externo, não tinha mais nada a dizer a uma criada como Maomao. Em suas mãos carregava um pequeno pacote embrulhado em tecido, segurando-o de forma protetora.
Hã? Maomao farejou o ar. Havia aroma de sândalo, misturado com um odor amargo distinto. Ela inclinou a cabeça, curiosa, olhando para a direção em que a mulher fora.
Talvez sirva a um dos soldados? Ela se perguntou. A mulher vinha da direção do acampamento militar. De fato, se passasse tempo ali, optar por uma maquiagem discreta seria sensato. O acampamento podia não ser tão perigoso quanto as ruas do distrito do prazer, mas havia muitos homens jovens (e nem tão jovens) por lá, e uma jovem atraente faria bem em evitá-los.
O que Maomao realmente ponderava, porém, era a origem daquele cheiro. Sua reflexão foi interrompida pelo toque de um sino. Acho que vou ter que esquecer isso hoje, pensou. Ela deu meia-volta e seguiu em direção ao escritório de Jinshi, esperando que o mestre estivesse ausente quando chegasse.
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