Diários de uma Apotecária Japonesa

Tradução: Noelle Tokito

Revisão: Kessel


Volume 2

Prólogo

— Você está falando sério? — perguntou Jinshi. À sua frente, um homem estava reclinado em um divã. Um governante de meia-idade, dono de uma barba prodigiosa, que agora assentia lentamente com a cabeça.

Eles se encontravam em um pavilhão específico no pátio externo. Pequeno, mas com excelente visibilidade; nem mesmo um rato poderia entrar ali sem ser notado. O governante apoiava-se em seu divã adornado de marfim e serviu vinho em uma taça de vidro. Embora estivesse diante da pessoa mais nobre da nação, Jinshi também se sentia à vontade. Pelo menos, até um instante atrás.

O Imperador acariciou a barba e sorriu. Seria indelicado se Jinshi sugerisse que não gostava dela? Mas, de fato, a barba caía muito bem em Sua Majestade. No quesito pelos faciais, Jinshi não tinha como competir.

— Então, o que você pretende fazer agora, ó zelador do nosso jardim de belas flores? — disse Sua Majestade.

Sem se deixar levar pela provocação do Imperador, Jinshi conteve um sorriso irônico e, em vez disso, ofereceu um sorriso como de uma ninfa celestial, uma expressão capaz de derreter qualquer coração que ele escolhesse. Pode não parecer modesto, mas Jinshi estava confiante em sua aparência, e em mais nada.

Que grande ironia, que a única coisa que ele realmente queria, ele não podia ter. Por mais que se esforçasse, suas habilidades não passavam de medianas. Ainda assim, aos olhos dos outros, ele parecia alguém extraordinário.

Aquilo sempre o incomodava, mas ele acabara por aceitar. Se sua inteligência e proeza física fossem irremediavelmente medianas, então ele faria tudo o que pudesse com a única vantagem que possuía. Assim, tornou-se o deslumbrante supervisor do palácio interno. Sua beleza, sua voz, pareciam doces demais para pertencerem a um homem, e ele as empregava ao máximo.

— O que Vossa Majestade desejar — declarou Jinshi, com um sorriso ao mesmo tempo gracioso e determinado, curvando-se diante do Imperador.

O Imperador tomou um gole de vinho e abriu um sorriso que o incitava a fazer o seu pior. Jinshi sabia muito bem que não passava de uma criança. Uma criança dançando na imensa palma da mão do Imperador. Mas ele faria isso. Ah, sim, faria. Ele satisfaria até mesmo os desejos mais ultrajantes de Sua Majestade. Esse era o dever de Jinshi, assim como sua aposta com o Imperador.

Ele tinha de ganhar aquela aposta. Era a única maneira para que Jinshi pudesse escolher seu próprio caminho. Talvez existissem outras. Mas, para alguém de inteligência comum como Jinshi, não conseguia imaginá-las.

Assim, ele escolheu o caminho que agora seguia. 

Jinshi levou a taça aos lábios, sentiu o vinho adocicado molhar sua garganta, com um sorriso celestial sem escapar do seu rosto.

○●○

— Aqui está. Leve isto, e isto... ah, e vai precisar de um desses também.

Maomao estremeceu diante da quantidade de coisas que voavam em sua direção. Quem atirava o pó facial, o batom e as roupas era a cortesã Meimei. Estavam no quarto dela, na Casa Verdigris.

— Irmã, não preciso de nada disso — disse Maomao, pegando os cosméticos um a um e devolvendo-os às prateleiras.

— Como não precisa — retrucou Meimei, exasperada. — Todas as outras terão coisas ainda melhores que essas. O mínimo que pode fazer é ao menos tentar parecer decente.

— Só cortesãs se enfeitam assim para trabalhar.

Maomao desviou o olhar, desejando em silêncio poder misturar as ervas que coletou no dia anterior, quando um feixe de tiras de madeira com escritos lhe foi arremessado. Sua estimada irmã mais velha era atenciosa, mas às vezes tinha um temperamento explosivo. — Você finalmente consegue um trabalho que vale a pena e nem tenta agir como se pertencesse a ele? Ouça bem: o mundo está cheio de gente que mataria para estar no seu lugar. Se não for grata pelo que tem, sua clientela conquistada com tanto esforço vai desaparecer!

— Está bem... — cedeu Maomao. A educação na Casa Verdigris, fosse pela Senhora ou por Meimei, podia ser dura, mas havia verdade em suas palavras.

Maomao pegou as tiras de madeira, meio contrariada. O material já estava escurecido de tanto ser escrito e apagado; naquele momento, exibia a letra delicada de uma canção. Meimei já tinha idade para cogitar a aposentadoria como cortesã, mas sua inteligência mantinha sua popularidade em alta. Escrevia canções, jogava Go e Shogi, divertindo assim sua clientela. Era o tipo de cortesã que vendia mais suas habilidades do que o próprio corpo.

— Você conseguiu um bom trabalho agora. Guarde todo o dinheiro que puder ganhar. — A mulher que momentos antes lhe lançou objetos agora era substituída pela doce e carinhosa irmã mais velha. Com uma mão bem cuidada, acariciou a face de Maomao e ajeitou um fio de cabelo rebelde atrás da orelha.

Dez meses antes, Maomao fora sequestrada e vendida como criada no palácio interno. Nem em seus sonhos mais malucos imaginara que, após conseguir voltar ao distrito do prazer, retornaria a trabalhar lá. Para os que a cercavam, era uma oportunidade única na vida, por isso o olhar severo de Meimei.

— Sim, Irmã — respondeu Maomao, obediente, e Meimei sorriu com o sorriso gracioso de uma cortesã.

— Espero que consiga mais do que dinheiro. Arrume também um bom partido, está bem? Deve haver muitos deles cheios de grana por lá. Ah, e eu ficaria muito contente se trouxesse alguns para serem meus clientes. — O sorriso dessa vez não foi tão gentil; havia um claro cálculo por trás dele. A irmã risonha parecia um pouco com a velha que administrava o lugar, refletiu Maomao. Nesse meio, uma garota precisava pensar em si mesma para sobreviver.

No fim, Maomao saiu carregando um enorme fardo abarrotado de roupas e cosméticos. Voltou cambaleando para sua casa modesta, sufocada pelo peso.

O dia em que o nobre deslumbrante apareceu no distrito do prazer, duas semanas após sua saída do palácio interno, ainda estava fresco em sua memória. O eunuco, com suas inclinações peculiares, felizmente levara a sério as palavras que Maomao proferira em tom de brincadeira. Apresentou-se à dona com dinheiro suficiente para quitar as dívidas da jovem, e ainda tivera a decência de oferecer uma rara erva medicinal como presente. O contrato fora selado em menos de meia hora.

E assim, Maomao retornaria a trabalhar naquele lugar tão renomado. Estava um pouco relutante em deixar o pai novamente para viver no emprego, mas as condições do novo contrato pareciam bem mais brandas que antes. Além disso, desta vez não desapareceria sem deixar rastro. Seu pai lhe disse com um sorriso suave para fazer o que desejasse, mas sua expressão se escureceu por um instante ao olhar o contrato. O que aquilo significava?

— Parece que foram bem generosos — comentou o pai de Maomao, enquanto um grande pote de ervas medicinais fervia ao lado. Maomao, enfim, largou o embrulho coberto de pano e esticou os ombros. A casa precária era tão fria que nem a lareira conseguia aquecê-la, e os dois vestiam várias camadas de roupa. Ela o viu esfregar o joelho, sinal certo de que a velha ferida o incomodava.

— Não vou poder levar muita coisa comigo — disse Maomao, olhando a bagagem já preparada. O pilão e o almofariz eram indispensáveis, e não podia ficar sem o caderno de anotações. E estava receosa de se desfazer de mais roupas íntimas…

[N/T: Lembrando que estamos usando o itálico para pensamentos, conforme o material oficial em inglês.]

Enquanto ela franzia a testa e resmungava, o pai retirou o pote do fogo e aproximou-se. — Minha Maomao, não sei se poderá levar isto com você — disse, tirando o pilão e a almofariz de seu embrulho, o que lhe rendeu um olhar fulminante. — Você não é médica. Se tentar entrar com isso, podem desconfiar de que pretende envenenar alguém. Vamos, não me olhe assim. A decisão já foi tomada, não há como voltar atrás.

— Temos certeza disso? — murmurou Maomao, desabando no chão de terra. O pai percebeu de imediato o que ela queria dizer.

— Muito bem, termine de se preparar e vá para a cama. Você pode pedir para eles deixarem você levar suas ferramentas com o tempo. Seria rude não se dedicar ao trabalho, pelo menos no primeiro dia.

— Sim, tudo bem... — Maomao recolocou os utensílios de apotecária na prateleira de má vontade, escolheu alguns dos presentes mais úteis que havia recebido e os colocou no fardo. Olhou com desdém para o pó facial e para o batom, mas acabou levando o segundo, que não ocupava muito espaço. Entre os presentes, havia um excelente casaco acolchoado de algodão. Talvez alguém tivesse aproveitado para se desfazer de um item esquecido por um cliente; com certeza não parecia algo que uma cortesã utilizaria.

Maomao observou o pai guardar o pote e colocar lenha no fogo. Depois, ele mancou até o leito, uma simples esteira de junco, e deitou-se. Suas roupas de cama eram apenas outra esteira e um manto gasto.

— Quando terminar, eu apagarei a luz — disse ele, puxando o candeeiro de óleo de peixe para perto. Maomao arrumou o resto das coisas e foi se deitar na outra extremidade do quarto. Mas uma ideia lhe ocorreu, e ela arrastou a esteira para junto da do pai.

— Ora, já faz tempo que não faz isso. Achei que não fosse mais criança.

— Não sou, mas estou com frio. — Talvez tenha ficado óbvio demais o modo como desviou o olhar. Recordava-se de que devia ter uns dez anos quando começou a dormir sozinha. Já fazia muito tempo. Acomodou o casaco acolchoado novo entre si e o pai e deixou as pálpebras se fecharem. Virou-se de lado, encolhendo o corpo em posição fetal.

— Ah, vai ficar solitário por aqui de novo — disse ele calmamente.

— Não precisa. Desta vez posso voltar quando quiser. — O tom de Maomao foi curto, mas não deixou de perceber o calor do braço do pai em suas costas.

— Sim, claro. Volte sempre que quiser. — Uma mão bagunçou seus cabelos. Ela o chamava de papai, velho, mas sua aparência lembrava a de uma velha senhora, e todos concordavam que seu jeito era materno.

Maomao não tinha mãe. Não de fato. Mas tinha o pai que cuidava dela, a velha senhora tagarela e as irmãs mais velhas, sempre tão cheias de vida.

E podia voltar para vê-los sempre que quisesse. Sentiu o calor da mão do pai, mirrada como um galho seco, ainda acariciando seus cabelos, enquanto sua respiração se tornava lenta e ritmada no sono.

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