Diários de uma Apotecária Japonesa

Tradução: Noelle Tokito

Revisão: Kessel


Volume 1

Capítulo 21: Lihaku

Pelo visto, a tentativa de envenenamento era um assunto muito mais sério do que Maomao havia imaginado. Xiaolan a importunava sem descanso a respeito do assunto. Um canto atrás do galpão da lavanderia havia se tornado o local favorito das criadas para fofocar; agora, Maomao e Xiaolan estavam sentadas ali, sobre caixas de madeira, comendo espetos de frutos de espinheiro caramelizados — um petisco de que Xiaolan parecia amar especialmente.

Ela nunca acreditaria que eu estivesse bem no meio de tudo aquilo.

Xiaolan parecia mais jovem do que realmente era enquanto devorava os doces, balançando as pernas no ar. Também havia sido vendida para o palácio interno, mas, ao que parecia, a filha de camponeses não se importava com o destino que lhe coubera. Alegre e falante, parecia menos abatida pelo fato de os pais a terem vendido como serva do que contente por agora ter comida suficiente.

— Aquela que comeu o veneno… foi uma das damas companhia do lugar em que você trabalha, não foi, Maomao?

— Sim, foi — respondeu ela. Não estava mentindo. Só não estava dizendo toda a verdade.

— Eu não sei muito sobre isso. Você acha que ela vai ficar bem?

— Acho que ela está bem. — Maomao não tinha certeza de que tipo de “bem” Xiaolan queria dizer, mas uma resposta afirmativa parecia adequada. Sentindo-se extremamente desconfortável com o rumo da conversa, Maomao desviou de mais algumas perguntas até que Xiaolan franziu os lábios e desistiu. Ficou ali, segurando um espeto com apenas uma fruta restante. Para Maomao, aquilo lembrava um grampo de cabelo adornado com coral vermelho-sangue.

— Certo. E você conseguiu ganhar algum grampo de cabelo? — arriscou Xiaolan.

— Acho que sim. — Quatro, na verdade, contando o que havia recebido por obrigação. E, se fosse incluir, também o colar da concubina Gyokuyou. (Por que não?)

— Olha só! Então você pode sair daqui. — Xiaolan sorriu despreocupadamente.

— Hm? — Isso despertou o interesse de Maomao. — O que você disse?

— Como assim, o que eu disse? Você não vai embora?

Yinghua havia sido enfática sobre o mesmo assunto, mas Maomao praticamente a ignorou. Agora, percebeu que foi um erro. Levou as mãos à cabeça e mergulhou em autocensura.

— O que foi? — perguntou Xiaolan, olhando-a com preocupação. 

— Conte-me mais sobre isso.

Ao perceber que Maomao, de repente e finalmente, parecia interessada no que dizia, Xiaolan estufou o peito.

— Pode deixar! — E então, a tagarela jovem contou tudo o que sabia sobre como os grampos de cabelo eram usados.

⭘⬤⭘

A convocação chegou para Lihaku justamente quando ele terminava o treino. Enxugando o suor, atirou sua espada — cuja lâmina estava trincada — para um subordinado próximo. O campo de prática cheirava a suor e carregava no ar o calor do esforço recente.

Um oficial militar esguio lhe entregou uma tira de madeira com inscrições e um grampo de cabelo feminino ornamentado. O acessório, decorado com coral rosa, era apenas um dos vários que ele distribuíra recentemente. Presumia que as mulheres entenderiam que estava oferecendo aqueles enfeites por obrigação, não por interesse genuíno, mas aparentemente ao menos uma delas não havia interpretado assim. Não queria constrangê-la, embora pudesse ser um problema se ela realmente estivesse levando a sério. Por outro lado, se fosse bonita, seria um desperdício não ao menos conhecê-la. Divagando sobre como a dispensaria de forma delicada, Lihaku olhou para a tira de madeira. Estava escrito: Pavilhão de Jade — Maomao.

Ele só havia dado um grampo de cabelo a uma das mulheres do Pavilhão de Jade: aquela dama de companhia de olhos frios. Lihaku acariciou o queixo, pensativo, e foi trocar de roupa.

Homens eram, em geral, proibidos de entrar no palácio interno. Isso, é claro, aplicava-se a Lihaku, que ainda possuía todas as suas partes. Ele não esperava servir no palácio interno; na verdade, estava bastante preocupado com o que significaria se isso acontecesse.

Por mais intimidador que o lugar pudesse ser, havia casos especiais em que mulheres podiam ser chamadas de seus recintos. Um dos meios possíveis para isso era justamente um grampo de cabelo como aquele. Lihaku aguardava na guarita junto ao portão central para que a jovem fosse trazida até ele. O espaço, um tanto apertado, tinha cadeiras e mesas para duas pessoas, além de eunucos em pé, um de cada lado da porta.

Pela porta que dava para o lado do palácio interno, surgiu uma jovem de estatura baixa. Sardas cercavam seu nariz. Era um rosto raramente simples em um lugar povoado por belezas impecáveis.

— E quem é você? — rosnou Lihaku.

— Costumam me perguntar isso — respondeu a garota com indiferença, escondendo o nariz atrás da palma da mão. De repente, ele a reconheceu. Era justamente a mulher que o havia chamado ali.

— Já lhe disseram que você parece muito diferente com maquiagem?

— Muitas vezes. — A jovem não pareceu se incomodar com a observação, admitindo o fato com franqueza.

Lihaku compreendia, racionalmente, que era ela — a dama de companhia, a provadora de comida. Mas, em sua mente, não conseguia conciliar aquele rosto salpicado de sardas com o sorriso sedutor da cortesã. Era algo estranho.

— Escute, você entende o que significa me chamar aqui assim, não entende? — Lihaku cruzou os braços e, para reforçar a postura, também cruzou as pernas. Mas a jovem de porte miúdo, nada intimidada pelo oficial robusto, respondeu com a voz completamente neutra:

— Quero voltar para a minha família. — Ela soou completamente desprovida de emoções.

Lihaku coçou a cabeça. — E você acha que eu vou ajudar?

— Sim. Ouvi dizer que, se o senhor responder por mim, talvez eu consiga uma licença temporária.

Essa garota dizia cada coisa… Ele se perguntou se ela realmente sabia para que os grampos de cabelo eram usados de verdade. Pelo visto, Maomao queria aproveitá-lo para conseguir voltar para casa. Não estava simplesmente pescando um oficial bonitão para si. Seria ousadia ou imprudência?

Lihaku apoiou o queixo nas mãos e bufou. Não se importava que ela achasse aquilo grosseiro, era assim que ele ia ser. — Então o quê? Eu devo simplesmente cooperar com você? — Lihaku era conhecido por sua decência e bom coração, mas, quando queria, seu olhar podia ser intimidador. Ao repreender subordinados preguiçosos, até quem não tinha nada a ver com o assunto acabava pedindo desculpas. E, ainda assim, Maomao não franziu sequer a testa. Apenas o encarou, inexpressiva.

— Não exatamente. Creio que tenho um modo de demonstrar minha gratidão. — Ela colocou sobre a mesa um maço de tiras de madeira com escrita. Parecia ser uma carta de apresentação.

— Meimei, Pairin, Joka. — Eram nomes de mulheres. E Lihaku já os tinha ouvido antes. Muitos homens tinham.

— Talvez… uma excursão para apreciar as flores na Casa Verdigris.

Eram nomes de cortesãs da mais alta categoria, mulheres com quem se podia gastar o equivalente a um ano inteiro de salário em prata em uma única noite. As citadas na carta eram conhecidas coletivamente como as Três Princesas — as mais populares de todas.

— Se tiver alguma preocupação, basta mostrar isto a elas — disse Maomao, e um leve sorriso brincou em seus lábios.

— Isso só pode ser uma piada.

— Garanto a você que é muito sério.

Lihaku mal podia acreditar. Para uma simples dama de companhia ter ligação com cortesãs que até oficiais de alta patente tinham dificuldade de conhecer era algo quase impensável. O que estava acontecendo ali? Lihaku passou a mão pelos próprios cabelos, completamente perdido, e a jovem suspirou antes de se levantar.

— O quê? — perguntou Lihaku.

— Vejo que não acredita em mim. Peço desculpas por ter desperdiçado seu tempo. — Maomao retirou silenciosamente algo da gola do uniforme. Na verdade, dois objetos: grampos de cabelo, um de quartzo e outro de prata. A mensagem era clara, ela tinha outras opções. — Mais uma vez, desculpe. Pedirei a outra pessoa.

— E-ei, espere um instante. — Lihaku bateu a mão sobre o maço de tiras de madeira antes que Maomao pudesse retirá-lo da mesa.

Ela o fitou, impassível. — Aconteceu alguma coisa? — perguntou, sustentando o olhar que era capaz de intimidar até veteranos de guerra. E Lihaku teve de admitir que havia sido derrotado.

⭘⬤⭘

— Tem certeza disso, senhora Gyokuyou? — Hongniang observava Maomao por uma fresta na porta. O semblante dela parecia mais saudável que o habitual; havia até um ar quase animado enquanto arrumava suas coisas. O curioso era que a própria Maomao parecia acreditar que estava absolutamente normal.

— São apenas três dias — respondeu a concubina.

— Sim, senhora, mas... — Hongniang ergueu a pequena princesa, que se agarrava às suas saias pedindo colo. — Tenho certeza de que ela não entende de fato.

— Sim, imagino que você tenha razão.

As outras damas de companhia haviam cercado Maomao de felicitações, mas ela não parecia compreender exatamente o motivo. Limitou-se a prometer, despreocupada, que traria lembranças.

Gyokuyou permaneceu à janela, olhando para fora. — Na verdade, de todos, a pessoa a quem mais lamento é... bem. — Soltou um longo suspiro, mas um sorriso malicioso surgiu em seu rosto. — Ainda assim, é bastante divertido. — Falou quase em sussurro, mas as palavras não escaparam aos ouvidos de Hongniang.

A chefe das damas de companhia ficou apreensiva: para ela, parecia inevitável que surgisse outra discussão.

Tendo finalmente concluído seus afazeres e voltado à vida ociosa, Jinshi visitou o Pavilhão de Jade — apenas para descobrir que havia perdido Maomao por um único dia.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora