Volume 1
Capítulo 20: Dedos
Ao retornar ao Pavilhão de Jade, Maomao foi submetida a cuidados minuciosos. Trocaram-lhe a roupa por uma limpa e a colocaram na cama — não no quarto apertado que ocupava normalmente — mas em um quarto de hóspedes muito maior, equipado com uma cama de verdade. Depois de descansar um pouco sobre a nova roupa de cama de seda, Maomao pensou no tapete de palha onde costumava dormir e sentiu como se tivesse ascendido de um pântano para as nuvens.
— Eu já tomei o remédio, e não há nada de errado comigo fisicamente — protestou. Por “remédio”, ela queria dizer o emético, mas não havia necessidade de esclarecer.
— Não seja ridícula. Você devia ter visto o ministro que comeu aquela comida. Não me importa se você conseguiu expulsar tudo do seu organismo, não há como estar perfeitamente bem — disse Yinghua, pressionando um pano úmido contra a testa de Maomao com preocupação.
“Estúpido, estúpido ministro”, pensou Maomao. Ela se perguntou se ele realmente tinha conseguido eliminar tudo com a primeira medicação que recebeu, mas sua curiosidade não lhe traria liberdade naquele momento. Resignou-se a esse fato e fechou os olhos.
Foi um dia agonizantemente longo.
Maomao devia estar mais cansada do que imaginava, pois já era quase meio-dia quando acordou. Isso não era nada bom para uma dama de companhia. Ela saltou da cama, trocou de roupa e saiu à procura de Hongniang.
“Não, espere. Primeiro...”
Maomao voltou ao seu próprio quarto para pegar o pó facial que sempre usava. Não o pó clareador com o qual todos pareciam tão preocupados, mas aquele que criava as sardas em seu rosto. Usando uma folha de bronze polida como espelho, ela deu leves batidinhas com a ponta do dedo ao redor das tatuagens, prestando atenção especial nas marcas acima do nariz.
De jeito nenhum vou sair sem minha maquiagem novamente. Era simplesmente trabalhoso demais ter que explicar. Passou-lhe pela cabeça que poderia fingir ter usado maquiagem para esconder as “sardas”, mas a ideia só a deixou constrangida. Provavelmente esperavam que ela reagisse como uma virgem envergonhada toda vez que alguém mencionasse o assunto.
O estômago de Maomao roncou, e ela pegou um dos bolinhos lunares que haviam sobrado como lanche. Gostaria de ter tempo para se limpar, mas não tinha tempo. Seguiu direto para onde os outros estavam trabalhando.
Hongniang estava com a concubina Gyokuyou, cuidando da Princesa Lingli. Mal desviava o olhar da jovem senhorita, que se movia bastante, certificando-se de que a princesa permanecesse sobre o tapete ou segurando cadeiras para que não caíssem quando ela tentava se apoiar para ficar de pé. A menina parecia bastante precoce.
— Minhas mais sinceras desculpas por ter dormido demais — disse Maomao, fazendo uma reverência.
— Dormido demais? Você deveria ter tirado o dia de folga. — Gyokuyou pousou uma mão preocupada sobre a bochecha de Maomao.
— De forma alguma, senhora. Se precisar de mim, por favor me chame — respondeu Maomao. No entanto, sabia muito bem que raramente lhe davam trabalho sério e que provavelmente seria deixada em paz.
— Suas sardas... — comentou Gyokuyou, fixando-se imediatamente na única coisa que Maomao menos queria que notasse.
— Eu me sinto muito melhor com elas. Se a senhora não se importar.
— Sim, claro — disse Gyokuyou, deixando o assunto de lado muito mais facilmente do que Maomao esperava. Ela lançou à concubina um olhar investigativo, mas Gyokuyou apenas comentou: — Absolutamente todos queriam saber quem era aquela dama de companhia minha. Achei que as perguntas nunca iriam acabar!
— Minhas desculpas.
Maomao suspeitava que as pessoas não viam com bons olhos uma criada que, após declarar a presença de veneno, simplesmente deixava um banquete por vontade própria. Em segredo, ela até se preocupou se seria punida por isso, e ficou aliviada ao perceber que nenhuma repreensão estava a caminho.
— Pelo menos, com essas sardas, as pessoas não vão reconhecê-la de imediato. Talvez seja o melhor — comentou Gyokuyou.
Maomao achava que tinha sido mais sutil do que isso, mas talvez estivesse enganada. Onde teria cometido o erro?
— Ah, mais uma coisa. Gaoshun passou aqui esta manhã procurando por você. Você vai recebê-lo? Ele parecia ter tempo de sobra, então mandei-o arrancar ervas no jardim.
Arrancar ervas?
Era verdade que a tarefa viera da concubina favorita do imperador, mas ainda assim, Gaoshun não era um simples criado. Ou talvez ele mesmo tivesse se oferecido para o trabalho. Maomao tinha a impressão de que Gaoshun ocupava uma posição razoavelmente alta na hierarquia, mas também parecia ter um coração mole. Não seria difícil imaginar várias damas do palácio se apaixonando por ele. Ela tinha, inclusive, a forte sensação de que os olhos de Hongniang brilhavam sempre que Gaoshun estava por perto. A chefe das damas de companhia tinha cerca de trinta anos e, apesar de sua beleza, sua competência notável tinha o efeito colateral de afastar possíveis pretendentes.
— Podemos usar a sala de estar? — perguntou Maomao.
— Podem, sim. Vou chamá-lo imediatamente — respondeu Gyokuyou, tomando a princesa dos braços de Hongniang. A dama de companhia saiu para buscar Gaoshun. Maomao estava prestes a segui-la, mas Gyokuyou a deteve com um gesto e a encaminhou para a sala de estar.
— O mestre Jinshi enviou isto, com os cumprimentos dele — anunciou Gaoshun assim que entrou, colocando sobre a mesa um embrulho de tecido. Maomao o abriu e encontrou uma tigela de prata cheia de sopa. Não era a que Maomao havia provado, mas sim o prato do qual a concubina Gyokuyou estava prestes a comer. Ele havia se recusado a lhe dar na noite anterior, mas no fim das contas, fora gentil o bastante para providenciá-la. Estava sendo cortês, mas Maomao também suspeitava que aquilo fosse, na verdade, uma ordem para investigar.
— Por favor, não coma isso — disse Gaoshun, com um claro tom de preocupação.
— Longe de mim tal ideia — respondeu Maomao. Mas apenas porque a prata acelerava a decomposição. Comida oxidada nunca tem um bom sabor.
Gaoshun parecia não perceber que ela tinha suas próprias razões para não beber a sopa. Ele a observava com desconfiança, enquanto Maomao fitava a tigela, tomando o cuidado de não tocá-la diretamente. E ela olhava para a tigela — não para o conteúdo.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou Gaoshun.
— Você tocou nisso com as próprias mãos?
— Não. Apenas retirei um pouco do conteúdo com uma colher para confirmar se era realmente venenoso.
Ele então embrulhara a tigela em um pano para trazê-la até Maomao, aparentemente receoso de tocar em um recipiente cheio de veneno.
Isso fez Maomao lamber os lábios, animada.
— Tudo bem. Espere aqui um instante.
Ela deixou a sala de estar e foi até a cozinha, vasculhando as prateleiras em busca de algo. Depois voltou ao quarto onde havia descansado mais cedo. Inclinou-se sobre a cama luxuosa, rasgou a costura do tecido e retirou parte do que havia dentro, antes de retornar para onde Gaoshun a aguardava. Aos olhos dele, Maomao carregava apenas um punhado de pó branco em uma das mãos e um pedaço de enchimento macio na outra.
Maomao amassou o enchimento e polvilhou farinha sobre ele. Em seguida, bateu levemente contra a tigela de prata. Gaoshun a observava com curiosidade.
— O que é isso? — perguntou ele, reparando nas marcas que surgiam no metal.
— Vestígios de toque humano.
Dedos humanos facilmente deixavam marcas no metal. Especialmente na prata. Quando era pequena, o pai de Maomao costumava passar corantes nos recipientes que ela não devia tocar, para impedi-la de se meter em encrenca. Seu truque com a farinha agora fora um lampejo de inspiração nascido dessa velha lembrança — e até ela se surpreendeu com o quão bem funcionara. Se a farinha fosse um pouco mais fina, talvez as impressões até ficassem mais nítidas.
— Recipientes de prata são sempre polidos antes do uso. Afinal, não teriam valor se estivessem embaçados.
Vários conjuntos diferentes de marcas eram visíveis na tigela. Pela posição e tamanho, era possível deduzir como ela havia sido segurada, mesmo que o desenho exato das impressões não estivesse perfeitamente definido.
— Esta tigela foi tocada... — Maomao começou, mas interrompeu-se.
Gaoshun era perspicaz demais para não notar a pausa.
— Sim? O que houve?
— Nada. — Não adiantava esconder segredos de Gaoshun. Ainda que isso tornasse inútil toda a encenação do dia anterior. Maomao soltou um pequeno suspiro.
— Eu diria que esta tigela foi tocada por quatro pessoas ao todo. — Ela apontou para os diferentes padrões no pó branco, tomando cuidado para não tocar na superfície. — Não se segura a tigela enquanto se a está polindo, então podemos presumir que as impressões pertencem à pessoa que colocou a sopa, à que a serviu, a provadora de comida da concubina Virtuosa... e a mais uma pessoa não identificada.
Gaoshun lançou-lhe um olhar intenso. — Por que a provadora de comida?
Maomao queria que aquilo terminasse sem alarde, mas tudo dependeria de como aquele homem reservado reagiria. — É simples. Porque suspeito que a provadora de comida trocou deliberadamente as tigelas. — Ela conhecia perfeitamente o que sua senhora podia ou não comer e havia trocado as tigelas de propósito. Com plena intenção maliciosa. Maomao pousou a tigela sobre a mesa, um brilho desagradável passando por seu rosto. — É uma forma de bullying.
— Bullying... — repetiu Gaoshun, como se não pudesse acreditar. E quem poderia culpá-lo? Uma dama de companhia fazer algo assim a uma concubina de alto escalão era impensável. Impossível.
— Vejo que não está convencido — disse Maomao. Se Gaoshun não parecia querer saber, ela também não tinha inclinação para contar. Não gostava de falar baseada apenas em suposições. Mas talvez tivesse de fazê-lo, se quisesse explicar por que as impressões digitais da dama de companhia estavam naquela tigela. Decidiu que seria melhor dar sua opinião honesta do que tentar qualquer manobra malfeita para despistá-lo.
— Você poderia me contar o que está pensando? — perguntou Gaoshun, cruzando os braços enquanto a observava.
— Muito bem, senhor. Mas entenda que, no fim das contas, isso é apenas especulação da minha parte.
— Está bem.
Para começar, considere a situação incomum da concubina Lishu. Ela se tornou concubina do antigo Imperador ainda muito jovem e, logo depois, acabou tornando-se freira quando ele morreu. Muitas mulheres — especialmente as ricas — eram ensinadas de que era seu dever como esposas dedicar-se totalmente, de corpo e espírito, aos maridos. Embora pudesse compreender as razões políticas, Lishu deve ter achado terrivelmente anti-virtuoso casar-se com o filho de seu antigo esposo.
— Você viu o que a concubina Lishu estava vestindo na festa no jardim? — perguntou Maomao. A concubina Virtuosa usava um vestido rosa chamativo que parecia estar muito acima de sua posição.
Gaoshun nada disse, o que sugeria que a reputação dela não era boa nos círculos que ele frequentava.
— Foi... digamos, um tanto deselegante? — comentou Maomao. Mas as damas de companhia de Lishu, por sua vez, usavam todas roupas predominantemente brancas. — Em uma situação normal, as damas de companhia convenceriam coletivamente sua senhora a vestir algo mais discreto, ou então coordenariam suas próprias roupas com a dela. Em vez disso, o que fizeram foi deixar a concubina Lishu parecendo uma palhaça.
Uma dama de companhia existia para apoiar sua senhora. Era algo que Hongniang havia ensinado às outras damas da concubina Gyokuyou. Yinghua dissera algo parecido durante o banquete — sobre usar roupas discretas para que sua senhora se destacasse ainda mais. Com isso em mente, a discussão com as damas de companhia da concubina Lishu sobre vestimenta assumia um novo significado.
As damas da concubina Pura estavam repreendendo-as por seu comportamento inadmissível.
A inexperiente Lishu estava à mercê de suas criadas, que provavelmente a bajularam e insistiram que o vestido rosa lhe cairia bem. Para Maomao, não havia dúvida: no palácio interno, inimigos cercavam por todos os lados; as únicas pessoas em quem se podia confiar eram as próprias damas de companhia. E aquelas damas haviam traído essa confiança para humilhar a sua senhora.
— E você acredita que elas também trocaram a comida apenas para tornar a vida da concubina Lishu mais difícil? — perguntou Gaoshun, hesitante.
— Sim. Curiosamente, no entanto, isso acabou salvando-a.
Havia muitos tipos de veneno. Alguns eram bastante potentes, mas não apresentavam efeitos imediatos. Em outras palavras, se as tigelas não tivessem sido trocadas, a provadora de Lishu não teria mostrado nenhum sintoma, e a concubina provavelmente teria bebido a sopa, presumindo que estivesse tudo bem.
Acho que já chega de especulações por hoje. Maomao pegou a tigela novamente e apontou para a borda.
— Suspeito que essas sejam as digitais de quem colocou o veneno aqui. Talvez tenha segurado a borda da tigela enquanto fazia isso.
Nunca se deve tocar a borda de um recipiente de comida — outra regra que Hongniang lhes ensinara. Os dedos não podem sujar nada que possa encostar nos lábios de algum nobre.
— Essa é a minha visão do que aconteceu — disse Maomao.
Gaoshun coçou o queixo, fitando a tigela. — Posso te perguntar uma coisa?
— Sim, senhor? — Maomao passou o recipiente, ainda enrolado no pano, de volta para Gaoshun.
— Por que tentou proteger aquela mulher? — Em contraste com a expressão tensa de Maomao, Gaoshun parecia genuinamente curioso.
— Comparada a uma concubina — respondeu Maomao —, a vida de uma dama de companhia é muito barata. Principalmente a de uma provadora de comida.
Gaoshun assentiu como quem entende. — Vou garantir que o Mestre Jinshi compreenda a situação.
— Agradeço — Maomao observou Gaoshun sair com educação, e então se deixou cair em uma cadeira. — Certo. Certo. Vou ter que agradecer a ela, afinal.
Já que foi gentil o bastante para trocar as tigelas.
Maomao realmente deveria ter bebido a sopa, pensou.
⭘⬤⭘
— … É assim que estão as coisas, senhor — disse Gaoshun, concluindo seu relato sobre o que aprendera no Pavilhão de Jade. Jinshi, que estava ocupado demais para ir pessoalmente, passou a mão pelos cabelos pensativamente. Papéis se amontoavam sobre sua mesa, e seu carimbo estava na mão. No amplo, porém vazio, escritório administrativo, apenas ele e Gaoshun estavam presentes.
— Nunca deixo de me impressionar com o quanto você fala bem — comentou Jinshi.
— Se o senhor diz, senhor — respondeu seu assistente sempre sério, com voz curta.
— Seja como for, foi claramente um trabalho interno.
— As circunstâncias parecem indicar isso — disse Gaoshun, franzindo a testa. Ele sempre ia direto ao ponto.
A cabeça de Jinshi doía. Ele queria parar de pensar. Entre outras coisas, não dormira desde o dia anterior, nem sequer tivera tempo para trocar de roupa. Era suficiente para fazê-lo querer ter um acesso de birra.
— Sua, hum, cara de pôquer está vacilando, senhor.
O costumeiro sorriso doce de Jinshi desapareceu. Ele ostentava uma expressão carrancuda, que parecia mais adequada para um homem jovem como ele. E Gaoshun parecia lê-lo como um livro aberto.
— Não tem mais ninguém aqui. Isso importa mesmo?
Seu acompanhante é sempre tão rigoroso.
— Eu estou aqui.
— Você não conta.
— Conto sim.
Jinshi esperava que a brincadeira o livrasse daquela situação, mas Gaoshun, sério e diligente, nunca tinha senso de humor na hora certa. Que fardo era ter alguém vigiando cada movimento seu desde o dia em que nasceu.
— Você ainda está usando o seu grampo de cabelo — disse Gaoshun, apontando para sua cabeça.
— Ah, merda. — Jinshi não costumava falar assim. — Estava bem escondido. Duvido que alguém tenha notado. — Jinshi puxou o grampo, revelando um acessório de considerável trabalho artesanal. Era esculpido na forma do mítico qilin, uma espécie de cruzamento entre um cervo e um cavalo. Diziam que era o chefe das bestas sagradas, e o direito de usar sua imagem era conferido apenas àqueles de grande status.
— Aqui. Guarde em um lugar seguro. — Jinshi jogou o grampo para Gaoshun despreocupadamente.
— Tenha cuidado com isso. É imensamente importante.
— Eu entendo.
— Com certeza não entende.
E então, após conseguir a última palavra, o homem que cuidava de Jinshi há quase dezesseis anos saiu do escritório. Jinshi, ainda se comportando como uma criança, deitou-se sobre a mesa. Ele ainda tinha muito trabalho a fazer. Precisava se apressar e arranjar um tempo livre para si mesmo.
— Tudo bem, vamos começar. — Ele deu um grande bocejo e pegou seu pincel. Para conseguir algum tempo de sobra, ele precisava primeiro terminar o trabalho.
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