Diários de uma Apotecária Japonesa

Tradução: Noelle Tokito

Revisão: Kessel


Volume 1

Capítulo 19: Após as Festividades

— Você é uma provadora de comidas bem enérgica.

Maomao acabara de enxaguar a boca e olhava fixamente para o vazio quando um eunuco inesperado — e completamente subutilizado — apareceu. Ela mal podia acreditar que ele a havia encontrado tão longe do banquete.

Pouco antes, Maomao havia detectado veneno no prato servido logo após o peixe cru. Cuspiu-o e se afastou da celebração.

Acho que a maioria das damas de companhia teria sido repreendida por fazer algo assim.

Ela desejava ter sido mais discreta, mas simplesmente não era possível. Aquele veneno era o primeiro que sentia em muito tempo, e era convidativo, quase delicioso. Ela poderia ter engolido sem problemas. Mas, se uma provadora de comidas engolisse com entusiasmo todo veneno que encontrasse, não conseguiria fazer seu trabalho. Maomao precisara se afastar antes que a situação saísse do controle.

— Bom dia para o senhor, mestre Jinshi — saudou-o com sua habitual expressão impassível, embora sentisse as bochechas um pouco menos rígidas do que de costume; talvez um pouco do veneno ainda estivesse em seu organismo. Ela se ressentia de que isso pudesse fazer parecer que estava sorrindo para ele.

— Eu diria que quem está tendo um bom dia é você. — Ele segurou-a pelo braço. Parecia, na verdade, bastante chateado. 

— Posso saber o que está fazendo?

— Levando você para ver o médico, obviamente. Seria absurdo consumir veneno e simplesmente sair andando.

Na realidade, Maomao era a própria imagem da saúde. Quanto à toxina daquele prato — desde que não tivesse engolido, dificilmente faria mal. Mas o que teria acontecido se ela tivesse engolido em vez de cuspir? A curiosidade a invadia.

Era bem provável que ela já começasse a sentir um formigamento naquele momento.

— Eu não devia ter cuspido. Talvez ainda não fosse tarde para tomar um pouco da sopa que sobrara — perguntou a Jinshi se isso seria viável.

— Você é estúpida? — respondeu ele, escandalizado.

— Prefiro dizer que estou sempre ansiosa para me aprimorar. — Embora soubesse que nem todos aprovassem esse tipo de “autoaperfeiçoamento”.

De qualquer forma, Jinshi já pouco exibia seu brilho característico, apesar de ter recolocado o grampo no cabelo e usar as mesmas roupas elegantes de antes. Espere — seu colarinho não estava ligeiramente torto? Estava sim! Então era isso — o canalha! Sem dúvida, alegara estar com frio só para arranjar uma desculpa para agir de forma bajuladora.

No momento, não havia doçura na voz dele, nem aquele sorriso melódico no rosto.

Será que esse brilho era algo que ele podia ligar e desligar? Ou estaria apenas cansado, depois de tudo o que havia acontecido? Talvez a razão da ausência dele no banquete fosse que passara o tempo inteiro abordando — ou sendo abordado por — damas de companhia, oficiais civis, militares e eunucos. Sim, era essa a versão que Maomao escolheria. Realmente, um homem que se mantinha ocupado.

Não gostaria de estar no lugar dele.

Ele podia ser bonito, mas, do ponto de vista dela, ele parecia muito mais jovem do que ela suspeitava que fosse. Mais jovem, talvez. Teria que pedir a Gaoshun que, dali em diante, Jinshi só a visitasse depois de ter feito alguma coisa indecente.

— Deixe-me lhe dizer uma coisa. Você saiu de lá tão animada que alguém chegou a comer a bendita sopa, pensando se tinha mesmo veneno!

— Quem seria tão estúpido? — disse ela. Havia muitos tipos de veneno. Alguns só manifestavam seus efeitos muito tempo depois de consumidos.

— Um ministro estava com dormência. A situação estava um caos. 

Ah, então o futuro da nação estava potencialmente em risco.

— Queria ter sabido antes — disse ela, tirando um saquinho de pano do pescoço, escondido bem debaixo do acolchoamento do peito. Continha um emético que havia preparado silenciosamente na noite anterior. — Fiz tão forte que faria você vomitar até o estômago.

— Isso parece veneno por si só — disse Jinshi, desconfiado. — Temos nosso próprio médico aqui. Pode deixar tudo nas mãos dele.

De repente, Maomao parou no meio do caminho, pensativa.

— O que foi? — perguntou Jinshi.

— Tenho um pedido. Gostaria de levar alguém conosco, se possível. — Havia um assunto que Maomao estava desesperada para esclarecer, e só havia uma pessoa que poderia ajudá-la nisso.

— Quem? Me dê um nome — Jinshi franziu a testa.

— A concubina Virtuosa, senhora Lishu. Você poderia chamá-la? — respondeu Maomao, calma e confiante.

Quando Lishu atendeu ao chamado, sorriu para Jinshi com uma gentileza de primavera, mas lançou a Maomao apenas um olhar de total desprezo. Quem é essa? parecia querer saber, enquanto esfregava inquieta a mão esquerda com a direita. Era jovem, mas já era aquela criatura chamada mulher.

Tentaram ir ao consultório médico, mas como todos os tipos importantes e vaidosos achavam que precisavam estar lá, a multidão tornou-se impossível. Jinshi, Maomao e Lishu foram forçados a se dirigir a um escritório administrativo vazio. Isso deu a Maomao a chance de perceber como a arquitetura diferia entre o palácio interior e o exterior. A sala era simples, porém imensa.

A concubina Lishu estava parecendo emburrada. Maomao pediu a Gaoshun que afastasse a maioria das damas de companhia de Lishu, que os tinham seguido em bando, para que apenas uma permanecesse junto à concubina.

Maomao tomou um antídoto para acalmar a cabeça. Ela estaria perfeitamente segura sem ele, mas preferiu garantir, além de estar curiosa para ver como alguém mais preparava o remédio. Nesse caso, o antídoto causou um vômito poderoso, suficiente para expelir todo o conteúdo do estômago — um emético delicioso. Diferente do charlatão do palácio interior, o médico da corte principal era extremamente competente. Jinshi observava Maomao sorrindo durante todo o tempo em que ela vomitava, como se não pudesse acreditar no que via. Ela achou meio grosseiro ele ficar olhando para uma jovem enquanto vomitava.

Agora bem mais revigorada, Maomao fez uma reverência a Lishu. A concubina a fitou com um olhar desconfiado.

— Com licença — disse Maomao, aproximando-se de Lishu. A concubina ficou surpresa quando Maomao segurou sua mão esquerda, puxando a manga longa para trás e revelando um braço pálido. 

— Eu sabia — afirmou Maomao. Ela viu exatamente o que esperava: uma erupção vermelha que pontilhava a pele normalmente lisa e sem manchas. — Havia algo no prato de peixe que você não deveria ter comido.

Lishu recusou-se a olhar para Maomao.

— O que exatamente quer dizer com isso? — disse Jinshi, cruzando os braços. Seu jeito celestial havia retornado silenciosamente, mas ele ainda não sorria.

— Algumas pessoas simplesmente não podem comer certas coisas. Não apenas peixe. Algumas não toleram ovos, ou trigo, ou laticínios. Eu mesma preciso evitar trigo sarraceno. Jinshi e Gaoshun ficaram impressionados. Isso vindo da garota que casualmente ingeria veneno!

Deixem-me em paz, Maomao implorou silenciosamente. Ela havia tentado acostumar-se ao trigo sarraceno, mas isso fazia seus brônquios se contraírem, ameaçando sua respiração. Também lhe causava erupção cutânea, mas só depois que era absorvido pelo estômago, então era difícil medir a dose certa, e os efeitos demoravam a passar. No fim, desistira de tentar se acostumar com aquilo. Ainda tinha esperança de tentar de novo algum dia, mas não no palácio interno, onde sua única esperança, se algo desse errado, era um médico charlatão.

— Como você sabia? — Lishu perguntou, trêmula.

— Primeiro, me responda uma coisa. Como está seu estômago? Você não parece sentir náuseas nem cólicas. Maomao então se ofereceu para preparar um purgante, mas a concubina Lishu balançou a cabeça vigorosamente. Era humilhante demais pensar nisso bem ali, na frente do único aristocrata que todos parecem obcecados. Era o jeito de Maomao se vingar do desprezo de Lishu.

— Nesse caso, por favor, sente-se — disse Gaoshun, mais solícito do que parecia à primeira vista, puxando uma cadeira. Lishu sentou-se.

— O problema é que a sua refeição foi trocada com a da senhora Gyokuyou. A senhora não é exigente com a comida, então ela costuma comer basicamente o mesmo que o Imperador — explicou Maomao. — Mas, neste caso, um ou dois ingredientes diferiram entre as refeições de vocês. — Cavala e abalone — foi o que você não pode comer, certo?

A concubina assentiu. A expressão de surpresa no rosto da dama que a acompanhava não passou despercebida por Maomao.

— Quem não tem essas restrições alimentares muitas vezes não entende que isso vai além de preferência — disse Maomao. — Neste caso, as consequências não foram piores que uma erupção, mas às vezes certos alimentos podem causar dificuldades respiratórias ou até problemas cardíacos. Eu diria que, se alguém te desse de propósito uma comida que você não pode comer, seria o mesmo que te servir veneno. Essa palavra provocou uma reação imediata no restante da sala.

— Entendo que, dadas as circunstâncias, tenha sido difícil para a senhora se opor, mas você se colocou em um perigo enorme. — O olhar de Maomao passeou entre a dama e sua acompanhante. — Peço que não esqueçam essa lição no futuro.

Ela falava com ambas. Após uma pausa, acrescentou a Jinshi:

— Por favor, certifique-se de que o chef habitual dela esteja ciente também.

Lishu e sua acompanhante, no entanto, ainda pareciam não compreender. Maomao explicou com detalhes o perigo para a dama de companhia e anotou o que fazer caso Lishu tivesse outra reação. A mulher estava pálida, assentindo de forma convulsiva e hesitante com a cabeça.

Então é assim que é ameaçar alguém.

A dama que havia permanecido com Lishu era sua provadora de alimentos. Aquela que estava rindo.

Depois que a concubina Lishu se retirou, Maomao sentiu uma atmosfera quase viscosa atrás de si e finalmente sentiu uma mão em seu ombro. Ela lançou um olhar frio para o dono da mão; teria sido melhor se ela o tivesse olhado do jeito que olharia para uma minhoca.

— Sou apenas uma pessoa comum e preferiria que não me tocasse. Em palavras menos elegantes: “Vá se catar.”

— Você é a única que me diz essas coisas.

— Imagino que todo mundo seja mais educado. 

Maomao se afastou devagar de Jinshi. Suspirou como se estivesse com azia e procurou Gaoshun, na esperança de que ele pudesse lhe servir de um tônico, mas, sempre leal ao seu mestre, ele olhou para ela com uma expressão que dizia: Por favor, aguente-o.

— Bem, preciso voltar e dar o relatório para a senhora Gyokuyou — disse Maomao.

— Diga-me por que pediu para que a provadora de alimentos da concubina viesse conosco — disse Jinshi, pulando direto no cerne da questão. Era por isso que era tão difícil lidar com ele.

— Não faço ideia do que quer dizer — Maomao respondeu com a expressão impassível.

— Você acha que quem preparou as refeições cometeu um erro, então?

— Eu não saberia. — Ela ia fingir ignorância até o fim. 

— Então me responda isso, pelo menos. A concubina virtuosa estava sendo alvo deliberado?

— Se não houver veneno em nenhuma das outras tigelas...

Então teria que ser intencional.

Maomao saiu da sala enquanto Jinshi mergulhava em pensamentos. Assim que ficou segura do lado de fora, recostou-se na parede e soltou um longo suspiro.


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