Vol 1
Capítulo 8 - Poção do amor
Lá estava o jovem de beleza quase inumana e sorriso divino constante. Até mesmo o modo como se sentava no sofá coberto de tecido na sala de estar era elegante.
“O que será que esse cara quer hoje?”, pensou Maomao.
Sua frieza era um contraste nítido com as três damas de companhia, que coraram e se apressaram para preparar o chá para o visitante. Ela pôde ouvi-las discutindo no cômodo ao lado sobre quem teria a honra de fazê-lo. Por fim, uma Hongniang exasperada tomou para si a tarefa e mandou as outras três de volta aos seus quartos.
Elas se retiraram de ombros caídos, um retrato vivo da decepção.
Maomao, como de costume, pegou a xícara de prata e deu uma leve cheirada no chá antes de tomar um gole. Jinshi a observava o tempo todo, o que a deixava extremamente inquieta. Ela quase fechava os olhos para não ter que encarar o olhar dele.
A maioria das moças ficaria encantada com a atenção de um homem tão bonito — mesmo sendo um eunuco. Mas não Maomao. Ela não compartilhava dos mesmos interesses da maioria das pessoas. Ainda que reconhecesse, racionalmente, a intensa beleza de Jinshi, observava-o à distância, com desconfiança.
“Recebi alguns petiscos. Poderia experimentá-los para mim?” Jinshi indicou um cesto cheio de baozi.
[Mon: Baozi é um tipo de pão chinês, cozido no vapor, recheado de carne ou legumes.]
Maomao pegou um dos pãezinhos e o abriu. O recheio era de carne moída com legumes.
Ela tinha sentido o cheiro — havia um leve aroma medicinal que ela reconheceu na hora.
Era o mesmo estimulante que provara no outro dia.
“Um afrodisíaco”, disse.
“Consegue saber sem nem provar?”
“Não é nada grave. Pode levá-los com você e aproveitá-los à vontade.”
“Não sei se conseguiria, sabendo quem me mandou.”
“De fato. Acho que você terá uma visita esta noite.” — Maomao fez questão de soar absolutamente indiferente.
Jinshi, que claramente não esperava tal reação, pareceu desconcertado. Teve sorte de ela não lhe lançar seu olhar “encarando uma minhoca”. Oferecer-lhe um baozi sabendo que havia um afrodisíaco dentro!
Restava a questão: quem teria dado os pãezinhos a ele? Consorte Gyokuyou riu ao ouvir a conversa, sua risada tilintando como um sino. A princesa Lingli dormia tranquilamente a seus pés.
Maomao fez uma reverência e se preparou para sair do aposento.
“Só um momento, por favor.”
“Precisa de algo mais, senhor?”
Jinshi e Gyokuyou trocaram um olhar e assentiram um para o outro. Parecia que já haviam discutido previamente o assunto — e que envolvia Maomao.
“Talvez você pudesse preparar uma poção do amor.”
Por um instante, os olhos de Maomao brilharam com uma mistura de surpresa e curiosidade. O que isso quer dizer...?
Ela não fazia ideia do que pretendiam com tal coisa, mas o tema era um que ela adoraria explorar. Forçando-se a não sorrir, respondeu: “Vou precisar de três coisas: utensílios, ingredientes e tempo.”
Conseguiria preparar uma poção do amor? Ah, sim. Sem dúvida.
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Jinshi se perguntava o que havia de errado. Suas sobrancelhas se franziram como galhos de salgueiro curvados, e ele cruzou os braços.
Jinshi era uma pessoa de tamanha beleza que diziam que, se tivesse nascido mulher, já teria o país inteiro na palma da mão. Na verdade, sustentava-se que, se quisesse, poderia até convencer o próprio Imperador de que gênero não significava absolutamente nada. Mas tais "elogios" não lhe traziam prazer algum.
Naquele dia, ao circular pelos aposentos do harém, mais uma vez se viu alvo de algo parecido com galanteios — desta vez vindos de uma consorte de nível médio, duas de nível inferior, e até mesmo de dois oficiais do palácio: um militar e um burocrata. O oficial militar chegou a lhe oferecer dim sum com um tônico de vigor misturado.
[Mon: Dim sum é um bolinho chinês. Um aperitivo bastante popular.]
Diante disso, Jinshi decidiu não continuar suas rondas naquela noite e se recolher aos seus aposentos. Não era negligência — era por autopreservação.
Anotou rapidamente alguns nomes no pergaminho aberto sobre sua mesa — os nomes das consortes que haviam lhe dirigido palavras naquele dia. Mesmo que não recebessem visitas frequentes do Imperador, era de uma ousadia enorme tentar atrair outro homem para seus aposentos.
Aquela lista não era um relatório oficial, mas Jinshi suspeitava que essas mulheres teriam ainda menos chances de receber visitas imperiais dali em diante.
Ele se perguntava quantos daqueles “pássaros” enjaulados sabiam que sua própria beleza era usada como pedra de toque para testar as mulheres do harém imperial.
As consortes eram escolhidas, antes de tudo, com base no prestígio de suas famílias — mas beleza e inteligência também contavam. E entre essas qualidades, a inteligência era a mais difícil de medir. Além disso, esperava-se delas uma formação condizente com o papel de mãe da nação, e, claro, uma conduta irrepreensivelmente casta.
O Imperador, em uma de suas ironias cruéis, havia feito de Jinshi o critério para a escolha de consortes. Foi Jinshi quem recomendara tanto Gyokuyou quanto Lihua.
Gyokuyou era atenta e perspicaz. Lihua era mais emotiva, mas possuía uma etiqueta impecável. Ambas tinham lealdade inquestionável a Sua Majestade — sem a menor sombra de sentimentos indevidos.
Mas agora, Consorte Lihua parecia ter sido completamente esquecida pelo Imperador.
O Imperador era seu senhor, sim, mas, na visão de Jinshi, também era um homem terrível. A cada concubina escolhida por sua utilidade ao país, ele as engravidava — e, se as crianças não demonstrassem talentos especiais, simplesmente as descartava.
Jinshi suspeitava que, no futuro, o afeto do Imperador ficaria maior cada vez mais para Gyokuyou. A morte do jovem príncipe marcara a última visita imperial a Lihua, que agora parecia um espectro, uma presença apagada.
E Lihua não era a única consorte que já não tinha utilidade para Sua Majestade. Essas mulheres seriam discretamente enviadas de volta às suas casas em momento oportuno — ou então oferecidas como esposas a oficiais do governo.
Jinshi puxou um determinado documento de sua pilha. Referia-se a uma consorte intermediária do Quarto Escalão Superior, de nome Fuyou. Ela acabara de ser prometida em casamento ao líder do ataque à tribo bárbara, em reconhecimento por seu valor militar. Para ser sincero, valorizavam menos a destruição enérgica que o homem infligira ao inimigo do que o fato de ter contido certos elementos impulsivos entre suas próprias tropas. O fato de que uma pequena vila fora culpada e punida por algo que não fizera não era algo tornado público. Assim era a política.
"Agora, então, será que tudo vai correr bem?"
Se tudo acontecesse exatamente como ele calculara mentalmente, não haveria problemas. Talvez tivesse que recorrer à fria farmacêutica para ajudá-lo com algumas coisas, no entanto. Ela havia se mostrado ainda mais útil do que ele esperava.
Ela não era a única que não demonstrava interesse por ele, mas foi a primeira a encará-lo como se estivesse olhando para um verme. Parecia achar que escondia bem esse sentimento, mas o desprezo estava claro em seu rosto.
Jinshi sorriu apesar de si. Aquele sorriso, que alguns diziam ser como néctar dos céus, continha apenas um leve toque de algo maldoso. Ele não era exatamente um masoquista, mas achava a reação da garota intrigante. Sentia-se como uma criança com um brinquedo novo.
"Sim, aonde tudo isso vai levar?"
Jinshi colocou os papeis sob um peso de mesa e decidiu dormir. Certificou-se de trancar a porta, caso recebesse visitantes indesejados durante a noite.
Falava-se muito em "curas milagrosas", mas, na verdade, não existia remédio que curasse tudo. Seu pai sempre insistira nisso, embora Maomao tivesse passado por uma fase em que rejeitava essa afirmação. Quisera criar um remédio que funcionasse para qualquer um, em qualquer condição. Foi isso que a levou a infligir aquelas feridas horríveis em si — o que, de fato, resultou na criação de alguns medicamentos novos —, mas uma panaceia verdadeira permanecia sendo nada além de um sonho.
Por mais que odiasse admitir, a história que Jinshi lhe trouxe foi o bastante para despertar o interesse de Maomao. Desde que chegara ao palácio dos fundos, ela não conseguira fazer muito além de chá doce de amacha. Para sua surpresa, diversas ervas medicinais cresciam nos jardins do palácio, mas lhe faltavam os instrumentos necessários para usá-las adequadamente. Além disso, tentar fazer algo com elas atrairia uma atenção indesejada em seus aposentos apertados, então forçou-se a deixá-las em paz.
[Mon: Chá doce de Amacha… Tisana japonesa feita a partir das folhas de hortênsias.]
Era isso o que ela mais gostava em ter um quarto só seu. Agora, só precisava de desculpas para sair coletando ingredientes — lavar roupa era uma desculpa conveniente. Suspeitava que Hongniang logo daria um jeito de fazer com que ela ficasse encarregada de toda a lavanderia.
Agora, Maomao chegou ao quarto que lhe disseram ser o do médico, supostamente para entregar roupas limpas. Entrou no cômodo e encontrou o lamentável charlatão em pessoa, junto com o eunuco que costumava acompanhar Jinshi. O médico tinha um bigode que o fazia parecer um tipo estranho de peixe bolha, e o alisava enquanto lançava a Maomao um olhar avaliador. Parecia se perguntar o que aquela jovem pequena fazia em seu território.
Não olhe assim tão fixamente para uma jovem moça, pensou Maomao.
O eunuco, em comparação, foi tão cortês como se Maomao fosse sua própria senhora, guiando-a com graça para dentro do cômodo. Quando Maomao viu o espaço, cercado por armários de remédios por três lados, abriu o maior sorriso que já dera desde que chegara ao palácio dos fundos. Suas bochechas coraram, os olhos brilharam, e seus lábios, antes uma linha fina e implacável, se curvaram suavemente.
O eunuco a observou surpreso, mas o que ela se importava? Fitava os rótulos nas gavetas, fazendo uma espécie de dancinha sempre que encontrava um medicamento especialmente raro. A alegria era simplesmente demais para conter, era impossível guardar tanta animação dentro de si.
"Ela está sob algum tipo de feitiço?" Maomao já estava nesse estado de êxtase havia pelo menos meia hora, sem notar que Jinshi havia entrado na sala. Ele a observava com uma mistura de curiosidade e pura perplexidade.
Maomao ia fileira por fileira, reunindo qualquer ingrediente que pudesse utilizar. Cada um ia para um saquinho separado, com o nome cuidadosamente escrito no pacote. Numa época em que a maior parte da escrita ainda era feita em tiras de madeira, esse uso extenso de papel era um luxo. O médico do bigode de peixe-do-pântano espiou pela porta, curioso para saber quem ou o que estava ali dentro, mas o eunuco fechou a porta em sua cara.
O nome do eunuco, Maomao descobriu, era Gaoshun. Ele tinha um semblante firme e um corpo bem definido, e, se não estivesse no palácio dos fundos, ela certamente o tomaria por algum oficial militar. Parecia ser o assistente de Jinshi, e era frequentemente visto ao seu lado.
Gaoshun pegava gentilmente os remédios nas gavetas muito altas para Maomao alcançar. Seu superior, por outro lado, não fazia nada. Maomao mantinha uma expressão neutra, mas no íntimo desejava que, se ele não fosse útil, ao menos fosse embora.
Maomao avistou um nome familiar numa das gavetas mais altas e esticou o pescoço para ver melhor. Gaoshun lhe passou o conteúdo, e ela o observou maravilhada. Algumas pequenas sementes repousavam na palma de sua mão. Era exatamente o que ela precisava, mas não havia o suficiente.
"Preciso de mais dessas."
"Então simplesmente iremos consegui-las", disse o eunuco indolente com um sorriso indulgente. Como se fosse tão fácil assim.
"Vêm de bem ao oeste, depois ainda mais ao oeste, e então ao sul."
"É questão de comércio. Vamos verificar as mercadorias que chegam e aposto que encontraremos algumas." Jinshi pegou uma das sementes entre os
dedos. Ela se assemelhava com a semente de um damasco, mas tinha um aroma único. "Como se chama?"
"Cacau", respondeu Maomao.
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