Diários de uma Apotecária Japonesa

Tradução: Sakuta404

Revisão: Mon


Vol 1

Capítulo 7 - Galho

As quatro damas de companhia que sempre atendiam Consorte Gyokuyou eram incrivelmente dedicadas. É verdade que o Pavilhão de Jade não era um lugar muito grande, mas todas elas mantinham tudo funcionando em perfeita ordem. As garotas do shangqin — o Serviço de Limpeza, encarregado de manter os cômodos em ordem — até apareciam de vez em quando, mas, em geral, eram as próprias damas de companhia que cuidavam da faxina e da arrumação. Para constar: isso não era algo que damas de companhia costumavam fazer.

 

Tudo isso significava que a nova funcionária, Maomao, não tinha quase nada para fazer além de provar a comida. Com exceção de Hongniang, nenhuma das outras damas pedia nada a ela. Talvez sentissem pena por Maomao ter ficado com a tarefa mais ingrata, ou talvez só não quisessem que ela se metesse no território delas. Seja como for, mesmo quando Maomao se oferecia para ajudar, elas a dispensavam gentilmente com um "Ah, não se preocupe com isso", e logo a mandavam de volta ao seu quarto.

 

Como é que eu vou me adaptar aqui...?

 

Confinada em seus aposentos, era chamada duas vezes ao dia para as refeições, uma vez para o chá da tarde e, de alguns em alguns dias, para provar os banquetes luxuosos oferecidos durante as visitas do Imperador. E somente isso. Hongniang até se esforçava para encontrar pequenas tarefas para ela, mas nunca era nada difícil — e tampouco levava muito tempo.

 

Além de seu dever como provedora, Maomao começou a perceber que suas próprias refeições estavam mais sofisticadas. Doces eram servidos com chá, e, quando sobravam, acabavam indo parar em seu quarto. E como ela já não trabalhava feito uma formiga, como nos velhos tempos, todos aqueles nutrientes extras começaram a se transformar em uma saborosa carne.

 

Estou me sentindo como um bicho de criação.

 

Sua nomeação como provedora trouxe também outra coisa que Maomao detestava.

Ela sempre fora bem magra, o que significava que, caso um veneno a fizesse definhar, seria difícil notar a diferença. Juntando isso com a dose de qualquer veneno capaz de matar estava diretamente ligada ao tamanho do corpo. Um pouco de peso extra poderia aumentar suas chances de sobrevivência.

 

Na cabeça de Maomao, não havia como deixar passar despercebido um veneno tão forte a ponto de fazê-la definhar — e, enquanto isso, ela acreditava piamente que conseguiria resistir a uma dose normalmente letal de muitas toxinas. Mas ninguém ao seu redor parecia compartilhar desse otimismo. Tudo o que viam era uma garota pequena e frágil sendo tratada como uma peça descartável. E por isso, olhavam para ela com piedade. Serviam-lhe mingau mesmo quando ela já estava satisfeita, e sempre colocavam um pouco mais de vegetais em sua tigela.

 

[Mon: akkakaka Maomao sendo um palito de gente, coitada…]

 

Elas me lembram as moças do bordel, pensou Maomao. Ela podia ser fria, reservada e sem grandes sentimentalismos — mas, por algum motivo, as mulheres sempre gostaram dela. Sempre tinham algum petisco sobrando ou algo a mais para oferecer.

 

Embora Maomao não se desse conta, havia um motivo para as pessoas tenderem a olhar para ela com tamanha ternura. Ao longo de seu braço esquerdo corria uma coleção de cicatrizes. Cortes, perfurações, queimaduras e marcas que pareciam resultado de repetidas picadas de agulha. Ou seja, para os outros, Maomao parecia uma garota frágil, muito magra, com feridas visíveis no braço. Suas mãos viviam enfaixadas, seu rosto por vezes pálido — e, de vez em quando, ela até desmaiava. As pessoas logo supunham, com os olhos marejados, que sua frieza e isolamento eram o reflexo natural de abusos sofridos ao longo da vida. Tinham certeza de que ela fora maltratada. Mas estavam errados.

 

Maomao havia feito tudo aquilo consigo mesma.

 

Ela se interessava profundamente por descobrir os efeitos de diversos medicamentos, analgésicos e outras misturas — com base na própria experiência. Tomava pequenas doses de veneno para criar resistência, e não era raro deixá-la ser picada por cobras venenosas. Quanto aos desmaios... Bem, às vezes a dosagem não saía exatamente como o planejado. Era também por isso que as marcas se concentravam no braço esquerdo: era melhor sacrificar o membro não dominante, em vez da mão direita.

 

[Mon: Não tentem nada nisso em casa, leitorada!]

 

Nada disso vinha de algum prazer masoquista por sentir dor. Tudo era movido puramente pelo impulso de uma garota cuja curiosidade intelectual pendia perigosamente para os domínios da medicina e dos venenos. E fora seu pai quem arcara com esse fardo a vida inteira. Foi ele quem ensinou Maomao a ler e quem lhe transmitiu os primeiros conhecimentos sobre medicina — na esperança de que ela visse um caminho possível na vida que não fosse a prostituição — ainda que ele tivesse sido forçado a criá-la dentro e ao redor do distrito da luz vermelha. Quando percebeu que tinha uma aluna boa demais nas mãos, já era tarde demais. As calúnias começaram a se espalhar. Poucos eram os que compreendiam — bem poucos. A maioria lançava ao pai de Maomao olhares frios e implacáveis. Ninguém sequer cogitava que uma menina daquela idade pudesse se machucar sozinha... Em nome da curiosidade científica.

 

E assim, a história parecia completa. Após anos de abuso pelas mãos do próprio pai, a pobre criança havia sido vendida ao palácio interno — onde agora seria sacrificada para provar venenos na comida da consorte. Uma história triste, comovente.

 

E da qual a própria protagonista não fazia ideia.

 

Desse jeito, vou virar um porquinho! Pensava Maomao, já preocupada com os efeitos colaterais de tanta comida. E foi justamente quando esse pensamento começou a se enraizar que ela recebeu uma visita das mais indesejadas.

 

“Está um pouco tarde para você, não acha?”, disse a Consorte Gyokuyou, ao notar a chegada de um visitante.

 

O intruso, desta vez, era o mesmo eunuco de aparência celestial — acompanhado por um de seus colegas. Aparentemente, aquele belo jovem fazia rondas regulares pelos aposentos das consortes de alto escalão. Maomao, como de costume, provou os docinhos trazidos pelo companheiro para verificar se havia veneno, e depois recuou discretamente para trás de Gyokuyou, que repousava em uma chaise longue. Na ausência de Hongniang, que havia ido trocar a fralda da princesinha, cabia a Maomao se fazer, às vezes, de acompanhante — mesmo que improvisadamente. Eram eunucos, sim, mas ainda assim, não podiam conversar com uma consorte sem a presença de uma dama de companhia.

 

“Recebemos notícias de que a tribo bárbara foi finalmente subjugada.”

 

“É mesmo? E o que vão fazer com isso?”, respondeu Gyokuyou, os olhos brilhando de curiosidade. O assunto bastava para despertar o interesse de um pássaro enjaulado como ela — ainda mais sendo presa no confinamento dourado que era o harém imperial. Apesar de ser a favorita do Imperador, Gyokuyou ainda era jovem — não devia ter mais do que dois ou três anos a mais do que a própria Maomao — ao menos, era o que ela compreendia da situação.

 

“Não sei se é apropriado discutir esse tipo de coisa na frente de uma dama como a senhora...”, disse Jinshi, hesitante.

 

“Se eu não suportasse tanto a beleza quanto o horror deste mundo, não estaria aqui”, respondeu Gyokuyou com ousadia.

 

Jinshi lançou um olhar breve e avaliador à Maomao — que logo sumiu como se nunca tivesse existido. Disse que o assunto não tinha nada de interessante, mas mesmo assim começou a falar sobre o mundo além da gaiola dourada.

 

      ⭘⬤⭘

 

Dias antes, um destacamento de guerreiros havia sido enviado após informações sugerirem que uma tribo estava novamente tramando algo. O país, em geral, vivia em paz, mas situações como essa ainda surgiam de tempos em tempos.

 

Os guerreiros conseguiram repelir os batedores bárbaros que haviam invadido o território, praticamente sem baixas. O problema surgiu no caminho de volta. A comida no acampamento foi contaminada, e quase uma dúzia de soldados sofreram envenenamento alimentar. Muitos outros ficaram profundamente abalados. Os suprimentos haviam sido obtidos em uma vila próxima, pouco antes do encontro com os bárbaros. Essas vilas, embora tecnicamente pertencentes ao império, mantinham laços antigos com as tribos bárbaras.

 

Um dos soldados, armado, prendeu o chefe da aldeia. Alguns moradores tentaram resistir — e foram mortos no ato, acusados de conspiração com os bárbaros. O destino dos demais dependeria do que fosse decidido a respeito do líder.

 

⭘⬤⭘

 

Jinshi encerrou o relato com um gole de chá.

 

Isso é absurdo. Maomao queria levar as mãos à cabeça. Arrependeu-se de ter ouvido aquela história. Havia tantas coisas neste mundo que era melhor não saber. O eunuco notou a expressão franzida dela e virou seu belo rosto em sua direção.

 

Não olhe pra mim.

 

Ah, se ao menos desejar bastasse 

 

Os lábios de Jinshi formaram um leve arco ao observar a expressão de Maomao.

Era como se aquele sorriso a testasse. “Está pensando em algo?”

 

Aquilo soava menos como uma pergunta e mais como uma ordem. Ela precisava dizer algo.

 

Será que vai fazer alguma diferença?, pensou. Mas uma coisa era certa: se ela ficasse em silêncio, ao menos uma vila seria varrida do mapa da fronteira.

 

“É apenas uma opinião pessoal”, disse Maomao. Em seguida, pegou um galho de um arranjo de flores próximo. Era de rododendro — o mesmo tipo de galho onde ela havia deixado uma mensagem. Destacou uma folha e colocou-a na boca.

 

“É saborosa?”, perguntou a Consorte Gyokuyou.

 

Maomao balançou a cabeça.

 

“Não, senhora. O contato pode causar náusea e dificuldade para respirar.”

 

“E mesmo assim você acabou de colocá-la na boca”, disse Jinshi, com um olhar inquisitivo.

 

“Não precisa se preocupar de forma alguma” respondeu Maomao, pousando o galho na mesa. “Mas veja: até mesmo nos jardins do harém existem plantas venenosas. No caso do rododendro, o veneno está nas folhas — em outras, está nos galhos ou nas raízes. Algumas liberam toxinas apenas por serem queimadas.” Essas pistas, imaginava Maomao, seriam suficientes para levar os eunucos — e a perspicaz Gyokuyou — à conclusão desejada. Apesar de achar desnecessário continuar, ela o fez: “Durante uma campanha, os soldados costumam fazer seus hashis e fogueiras com os materiais do local, certo?”

 

“Ah...” disse Jinshi.

 

“Mas isso significa que...” completou Gyokuyou.

 

“que os aldeões haviam sido punidos injustamente.”

 

Maomao observou Jinshi coçar o queixo, pensativo.

 

Não sei o quão importante esse Jinshi é…

 

Mas esperava que ele pudesse ajudar de alguma forma, mesmo que pequena. Hongniang voltou com a princesa Lingli, e Maomao se retirou do cômodo.

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