Diários de uma Apotecária Japonesa

Tradução: Mon

Revisão: Sakuta404


Vol 1

Capítulo 6 - A Provadora de Venenos

Jinshi considerou essa uma reviravolta extremamente conveniente. A garota peculiar que ele descobrira por puro acaso agora o ajudaria a resolver um de seus muitos problemas.

 

A Dama Gyokuyou, a concubina favorita do Imperador, tinha atualmente quatro damas de companhia. Para uma concubina comum, talvez isso fosse suficiente, mas para uma consorte de alto escalão como Gyokuyou, parecia um número excessivamente reduzido. No entanto, as damas insistiam que as quatro eram perfeitamente capazes de cuidar de tudo o que precisava ser feito, e a própria Gyokuyou não demonstrava interesse em exigir mais servas. 

 

Jinshi entendia muito bem o motivo. A Consorte Gyokuyou era uma pessoa alegre e geralmente tranquila, mas também inteligente e cautelosa. No jardim de mulheres que era o palácio traseiro, uma mulher que recebia o favor imperial e não desconfiava dos outros estava em perigo mortal. Na verdade, já haviam ocorrido várias tentativas contra a vida de Gyokuyou—especialmente quando ela engravidou da criança que viria a se tornar a Princesa Lingli. 

 

Assim, embora inicialmente tivesse dez damas de companhia, agora restavam menos da metade. Normalmente, uma dama só trazia suas próprias servas quando chegava ao palácio traseiro, mas Gyokuyou usara um privilégio especial para trazer aquela ama. Ela jamais aceitaria uma serva anônima de um canto remoto do palácio como uma de suas damas. Mas, ela tinha sua posição como alta consorte a considerar. Certamente poderia aceitar pelo menos mais uma mulher.

 

E foi aí que a garota sardenta entrou. Ela salvou a filha de Gyokuyou—dificilmente a consorte a rejeitaria. Além disso, a garota entendia sobre venenos. Isso só poderia ser útil. Existia também, é claro, a possibilidade de que a sardenta usasse seu conhecimento para fins malignos, mas se ela tentasse algo, bastaria encurralá-la em um lugar onde não pudesse causar dano. Era tudo tão simples.

 

[Mon: Tão simples…]

 

Se tudo isso falhasse, Jinshi pensou com um sorriso, ele sempre poderia recorrer aos seus encantos. 

 

Sim, ele achava tão repugnante quanto qualquer outro o fato de estar tão disposto a se aproveitar de sua beleza etérea. Mas não tinha intenção de mudar seus hábitos. Afinal, sua aparência era o que valorizava a vida de Jinshi. 

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Quando alguém se tornava uma serva designada a uma senhora específica — e ainda mais uma dama de companhia da concubina favorita do Imperador — o tratamento melhorava consideravelmente. Maomao, que até então estava, firmemente, no fundo da hierarquia do palácio, de repente se viu no meio da escala. Informaram-lhe que seu salário teria um aumento significativo, embora vinte por cento do que ganhasse fosse para sua "família", ou melhor, os mercadores que a venderam para essa vida. Um arranjo desagradável, em sua opinião. Um sistema criado para que funcionários gananciosos enchessem os bolsos.  

 

Ela também ganhou seu próprio quarto — apertado, mas muito melhor dos alojamentos superlotados que dividiu no passado. De um simples tapete de palha e um lençol único como roupa de cama, agora tinha uma cama de verdade. Claro, ela ocupava metade do quarto, mas Maomao estava realmente feliz por poder se levantar de manhã sem pisar em suas colegas.

 

E havia mais um motivo para comemorar, embora só descobrisse mais tarde. 

 

O Pavilhão de Jade, onde Gyokuyou vivia, abrigava outras quatro damas de companhia além de Maomao. Uma ama havia sido recentemente dispensada, supostamente porque a princesa estava sendo desmamada, mas Maomao suspeitava do verdadeiro motivo. Era um número muito pequeno de mulheres, considerando que a Consorte Lihua tinha mais de dez damas de companhia. As damas de Gyokuyou ficaram mais do que surpresas ao descobrir que uma das pessoas menos importantes do palácio havia sido subitamente elevada ao posto de colega, mas nunca a importunaram da maneira que Maomao meio que esperava. Na verdade, pareciam até solidárias com ela. 

 

Mas por quê?, ela pensou. 

 

Não demoraria a descobrir. 

 

Uma refeição palaciana, repleta de ingredientes tradicionalmente considerados benéficos para a saúde, foi colocada diante dela. Uma por uma, Hongniang, a líder das damas de companhia de Gyokuyou, pegou amostras e as colocou em pequenos pires, dispondo-os à frente de Maomao. Gyokuyou observou a cena com um ar apologético, mas não fez nada para interromper. As outras três damas também assistiam com olhares de pena.

 

O local era o quarto de Gyokuyou, decorado com o mais alto requinte, onde a consorte fazia todas as refeições. Antes que a comida chegasse a ela, passava pelas mãos de muitas pessoas — e, sendo a favorita do Imperador, era prudente considerar que uma ou mais dessas mãos poderiam tentar envenená-la. 

 

Daí a necessidade de uma provadora de comida. Todos estavam tensos por causa do que acontecera com o jovem príncipe. Corriam rumores de que a princesa poderia ter sido intoxicada pelo mesmo veneno que matou o bebê. As damas de companhia não haviam sido informadas sobre a substância tóxica encontrada e, por isso, estavam compreensivelmente paranoicas, achando que poderia estar em qualquer coisa. 

 

Não seria estranho se vissem a humilde serva enviada a elas naquele momento — especificamente para ser uma provadora — como nada mais que um peão descartável. Maomao era encarregada não somente de provar as refeições de Gyokuyou, mas também a comida do bebê servida à princesa. Nas ocasiões em que Sua Majestade estava presente, ela também era responsável por degustar os manjares luxuosos oferecidos a ele. 

 

Depois que Gyokuyou engravidou, Maomao soube que houve duas tentativas de envenenamento. Em uma, a provadora escapou ilesa, mas outra fora vítima de uma neurotoxina que deixou seus braços e pernas paralisados. As damas restantes tiveram que verificar a comida por conta própria, com muito medo e tremor, então certamente ficaram aliviadas com a chegada de Maomao. 

 

Maomao franziu a testa ao olhar para o prato à sua frente. Era de cerâmica.

 

Se estão com tanto medo de veneno, deveriam estar usando prata. Ela pegou um pouco de vegetal em conserva com seus pauzinhos e o examinou criticamente. Cheirou-o, depois colocou na língua, verificando se causava algum formigamento antes de engolir.  

 

Não acho que eu seja realmente qualificada para isso, refletiu. Venenos de ação rápida eram uma coisa, mas quando se tratava de toxinas lentas, ela seria praticamente inútil. Em nome da ciência, Maomao havia acostumado seu corpo a vários venenos através de exposição gradual e suspeitava que poucos teriam um efeito sério nela agora. Isso não fazia parte de seu trabalho como apotecária — era puramente uma forma de satisfazer sua curiosidade intelectual. No Ocidente, ouviu dizer chamarem pesquisadores que faziam coisas sem sentido de cientistas loucos. Até seu pai, que lhe ensinara o ofício, ficava exasperado com seus pequenos experimentos. 

 

Quando teve certeza de que não havia efeitos adversos e nenhum veneno conhecido, a refeição finalmente pôde ser servida a Gyokuyou. 

 

Em seguida viria a comida insossa do bebê. 

 

“Acho que seria melhor trocar os pratos por outros de prata” disse ela a Hongniang, o mais neutralmente possível.

 

Maomao foi chamada ao quarto de Hongniang para relatar seu primeiro dia de trabalho. Os aposentos da dama-chefe eram espaçosos, mas sem adornos frívolos, refletindo sua natureza prática.

 

Hongniang, uma mulher atraente de cabelos negros, ainda com trinta anos não completos, suspirou. 

 

“Jinshi já tinha tudo planejado.” 

 

Ela confessou, com certo constrangimento, que haviam evitado de propósito usar talheres de prata por instrução do eunuco.

 

Maomao tinha uma forte suspeita de que também fora Jinshi quem ordenou sua nomeação como provadora. Ela lutou para não deixar sua expressão já fria se transformar em um olhar de completo nojo enquanto ouvia Hongniang falar.

 

“Não sei por que você decidiu esconder seu conhecimento, mas é impressionante que saiba tanto sobre venenos e remédios. Se tivesse dito desde o início que sabia escrever, poderia ter ganhado muito mais dinheiro.” 

 

“Meu conhecimento vem da minha vocação, eu era boticária. Até ser sequestrada e vendida para cá. Meus captores ainda recebem parte do meu salário. Só de pensar, meu estômago embrulha.” 

 

As palavras de Maomao saíram afiadas e rápidas, mas a dama-chefe não a repreendeu.

 

“Então você preferiu receber menos do que valia só para garantir que eles tivessem menos uma taça de vinho para festejar.” 

 

Hongniang, ao que parecia, era perspicaz o suficiente para entender as motivações de Maomao. 

 

“Sem contar que mulheres sem distinção servem por alguns anos e depois seguem suas vidas. Existem muitas substitutas por aí.”

 

Ela não precisava entender tão bem assim. 

 

Hongniang pegou uma jarra da mesa e a entregou a Maomao.

 

“O que é isso?” perguntou Maomao, mas mal as palavras saíram, uma dor aguda percorreu seu pulso. Ela deixou a jarra cair no chão, surpresa. Uma grande rachadura se espalhou pelo vaso de cerâmica. 

 

“Oh, nossa, isso é uma peça bastante cara. Certamente algo que uma simples dama de companhia não poderia pagar. Você não vai mais poder enviar dinheiro para sua família com essa dívida, na verdade, provavelmente devemos cobrar deles.” 

 

Maomao entendeu imediatamente o que Hongniang queria dizer, e um leve sorriso irônico surgiu em seu rosto normalmente impassível. 

 

“Minhas mais sinceras desculpas” disse ela. “Por favor, deduza do valor do meu salário que é enviado para casa todo mês. E se não for suficiente, sinta-se à vontade para tirar da minha parte também.” 

 

“Obrigada, vou avisar a Matrona das Servas para fazer isso. E mais uma coisa.”

 

Hongniang colocou a jarra quebrada de volta na mesa antes de pegar um rolo de tiras de madeira de uma gaveta e escrever nele com traços rápidos. 

 

“Isso detalha seu salário adicional como provadora de comida. Podemos chamar de pagamento por risco.” 

 

O valor era quase o mesmo que Maomao já recebia. E como nada seria descontado para seus captores, Maomao saía ganhando. 

 

Essa mulher sabe mesmo como usar a cenoura, pensou ela, curvando-se profundamente antes de sair da sala. 

 

N/T: Aqui cenoura é usado como na expressão cenoura e porrete, a cenoura é a recompensa pelo trabalho bem feito e o porrete a punição pelo mal feito.

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