Volume 1

Capítulo 7: ??????

 

20-10-12800 - registro n°10!?359!2 - Hora de registro - 6:00am   origem: I҉a҉R҉I҉b҉l҉  - tipo de registro… Contador;

Localização: Vila Carmim - Atual Reino Thorem; 

Tempo estimado de registro: 12 horas… 

Objetos de registro: Akai -; Nystin Pendraco; 

 

 Os objetos de registro saíram sem fazer barulho, passaram pelos pássaros que dormiam nos telhados, passaram pelo poço da vil passaram sem serem vistos pelo guarda que ainda não havia descansado, rumavam para o Sul, onde as montanhas riscavam o céu, um atrás do outro, homem e tartaruga, casco e barril sobre as costas. 

Escalaram a montanha mais alta como se fosse a mais baixa, subiram passo após passo, sem palavra pronunciar. Quando chegaram ao pico da montanha, onde as nuvens cobriam seus pés, deixaram seus pertences caírem ao chão e pararam para respirar. Foi a tartaruga quem enfim quebrou o silêncio, dizendo:

— Ufa, o último lugar parecia mais perto… ao menos a vista não perde em nada pro antigo.

— Tu tá ficando velho, isso sim. Da última vez, chegamos bem antes do meio-dia. Na próxima te carrego nas costas, vai demorar menos que ficar dependendo dessas perninhas curtas. 

— Como se eu fosse maluco de fazer isso duas vezes na mesma vida, tartarugas não foram feitas para voar…

— Se fossem feitas teriam nascido com asas e não cascos, eu sei, eu sei. Recuperou o fôlego? Ótimo, falta pouco agora…

Seguiram assim, com novo silêncio formado, até chegarem próximos à uma velha árvore que tentava esticar seus galhos para o azul do céu. O ruivo se ajoelhou perto de uma de suas raízes e com as mãos nuas, começou a tirar terra e pedra até encontrar um pequeno jarro, um jarro escurecido pelo tempo, enrolado em tecidos que um dia foram belos. Novamente, foi a tartaruga quem quebrou o silêncio:

— Parece ter sido mais cedo dessa vez… Tem certeza que vai ficar bem?

— Talvez sim, talvez não, não é como se eu não pudesse lidar com os peixes pequenos, o que me preocupa é outra coisa…

— E posso saber o quê tanto te preocupa? — Em resposta, o ruivo apenas apontou para o pé da montanha com a cabeça, onde uma vilazinha amarela mal podia ser vista entre as nuvens — Não entendo o que você viu nesse fim de mundo… A calmaria é até boa, mas não se compara com as facilidades da cidade…

— Me pergunto a mesma coisa todo dia… — O homem sussurrou alto o suficiente para que apenas o animalzinho em seu bolso ouvisse.

Quando o pequeno jarro já estava fora da terra e esmagando uma violeta azarada no chão, ambos os sujeitos, tartaruga e homem viram o pico da montanha se iluminar ao terem tirado a firme tampa do pote de barro. Lá no interior do jarro, envolto em luz e cheiro de vinho azedo, morava um pequeno ponto de escuridão, um pontinho escuro, pequeno como um ponto no céu, pequeno como semente de maçã.

Uma mão escamada tirou o pontinho de sua cama branca, levantou-o para o céu e disse:

— É, talvez dure mais três ou quatro meses… com sorte cinco…

— Droga… odeio aquele lugar. Me passa logo o barril pra gente sair daqui…

A cama de luz e vinho azedo foi trocada por uma nova de escuridão com cheiro de uva, e o pontinho preto só parou de se contorcer nas mãos escamosas quando uma canção de ninar foi recitada, com tanta energia fechando a tampa do pote, que a montanha poderia desmoronar a qualquer momento. O céu que antes era azul, por um momento, se fez estrelado e preto como vinho, ondulando como se uma pedra caísse sobre ele. Apenas os dois objetos tiveram o prazer de ver tal cena, antes que as estrelas voltassem a se tornar nuvens.

O que os objetos de registro não viram de cima da montanha, foram as criaturas que gritavam e arranhavam o ar ondulante, ou o buraco que tentavam cavar ali.

 

 

Depois de enterrarem o pote de barro e antes de voltarem à vila amarela no pé da montanha, a tartaruga disse ao homem:

— Nystin, precisamos conversar.

— Sobre?

— Sobre Miguel, Nystin. O garoto tem potencial, é simples mas tem potencial, ele tem aquele fogo nos olhos, sabe? Parece até que vai queimar se ficar parado.

— Não.

— Não? Como não?

— Não, simples assim. É sempre a mesma coisa, você encontra algum melequento no meio do caminho e joga ele pra cima de mim quando vê que o pirralho não tem talento pra feitiçaria.

— Ele é diferente, Nys… é verdade que não tem talento pro oficio, mas ele pode aprender com você, como os outros aprenderam. Eu sei que ele vai, ele precisa aprender…

— Como os outros!? Sabe o que aconteceu com os outros!? Estão todos mortos! Tive que ver todos eles tentarem e quebrarem tentando, fosse pelos demônios ou por eles mesmos, todos acabaram do mesmo jeito! Ainda estariam vivos se você não os tivesse trazido. 

— Ele não vai quebrar Nys… O garoto é forte, você leu a carta. 

— Hahaha! Só porque algum emplumadinho salvou o garoto agora ele é “especial” e “forte”? Isso acontece o tempo todo e a benção sempre acaba, você sabe que acaba.

— Não foi benção, Nys, e eu sei que esse teu nariz empinado te disse isso no momento que sentiu ele chegando. Não sei o que você viu dentro dele, mas eu tenho certeza que você não tentaria espremer ele no chão se não tivesse visto algo. Aquilo que ele fez não foi benção, Nys, foi mana pura, mais pura do que eu poderia criar em um mês, tão pura que aquele pesadelo tentou engolir o menino na hora que colocou os olhos nele.

— A minha resposta continua sendo não e ponto final! Não vou ensinar o garoto, deixe que aqueles escrotos de Nubius ensinem o pirralho, talvez ele não exploda até lá. Melhor ainda, mande o garoto para casa, vai ser melhor!

— Ele não tem mais casa Nys, aquele pesadelo destruiu tudo! Estraçalhou todas as plantações antes de ir brincar na cidade e quando chegou lá, levou metade do lugar com ele. Os pais do menino deixaram ele sob meus cuidados para que ele não voltasse para lá. E é exatamente isso que vou fazer.

O homem simplesmente virou suas costas para a tartaruga e começou a caminhar em direção a vila, como se as palavras da tartaruga nunca tivessem existido, mas a tartaruga prosseguiu:

— Ele me lembra dela, Nys! Quando estávamos vindo para cá, perguntei ao garoto o que ele queria fazer quando crescer, e adivinhe! Ele me disse que quer caçar sonhos, dá pra acreditar? Ele disse que quer fazer os outros sorrirem Nys, ele quer ser como você era, como ela era! Se não por mim, faça por ela! É o que a Frey iria querer.

O frio que por muitos anos manteve a neve fofinha naquele pico, foi aos poucos dando lugar a um aveludado calor de verão, que passou para o que poderia facilmente ser descrito como um passeio em um vulcão. No meio disso, havia um homem, e mesmo que suas roupas voassem com o vento escaldante e que o anel em seu dedo anelar estivesse vermelho como as flores que dançavam lá embaixo, ele parecia não ligar, talvez nem percebesse o inferno que estava formando ali e lá de dentro, disse: 

— Não ouse dizer o nome dela… não me diga o que ela iria querer… você acha que eu não sei? Acha que eu não sonho com essa maldita promessa toda noite? Mas adivinha Akai, eu não consigo mais… eu tentei, tentei e tentei e sempre acabo falhando. Eu juro, Akai, eu tento mas não consigo mais aguentar… As vezes acho que deveria ir com ela… mas nem isso consigo fazer… 

As lágrimas que escorriam de seus olhos mal conseguiam cair, formavam pequenas nuvens sempre que tentavam ajudar as folhas no chão escuro. A tartaruga ficou quieta, talvez não soubesse o que dizer ou simplesmente não pudesse dizer, mas, diferente da tartaruga, um animalzinho se mexeu, escalou as asas de tecido que lutavam contra o vento escaldante até o pescoço do homem. Quando a criaturinha chegou ali, começou a limpar as lágrimas, parecia querer dizer que estava tudo bem, talvez o homem tenha percebido, já que caiu de joelhos enquanto abraça a criatura.

O inferno que por alguns minutos manteve as pedras fofinhas naquele pico, foi aos poucos dando lugar a um aveludado calor de verão, que passou para o que poderia facilmente ser descrito como um passeio no lago. No meio disso, havia um homem, e mesmo que suas roupas se sujassem com o pó do chão e que o anel em seu dedo anelar estivesse azul como o céu que corria lá em cima, ele parecia não ligar, talvez nem percebesse a neve que caía.

 

Fim de registro.



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