Destino Elementar Brasileira

Autor(a): Rose Kethen


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 2: Sequências de Emoções

O sentimento de perigo eminente, que deveria estar me fazendo querer largar daqui o mais rápido possível, na verdade estava me deixando em frenesi. Tantas... Tantas bestas querem nos matar... Meu coração palpitava em anseio. O suor frio das minhas costas agora é a maior prova do medo, mas antecipação também.

Quero lutar! Meu espírito grita agora.

O que é toda essa vontade de querer me envolver em uma batalha sangrenta, que é impossível de sobreviver?!

Não que eu nunca tivesse sentido isso antes, mas, na minha vida anterior, era só causada durante batalhas envolventes, e muitas vezes nem sequer percebia isso, de tão discreto que era.

Será que essa raça “Homem-Fera” é doente por lutas? Como é que isso ajuda em algo?

Mas, agora, nessa forma, é um desejo ardente, beirando o suicídio; selvagem. Acho que até na forma de Tigre Amba, que é uma besta, ainda tem mais pensamentos de sobrevivência.

Eu quero ver o quão forte são. Eu quero ver o quão forte são. Eu quero ver o quão forte são. Eu quero ver o quão forte são.

Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder. Eu quero poder.

Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar. Eu quero lutar.

Em poucos segundos, minha mente estava coberta de pensamentos repetitivos e ferozes.

Cerrei os dentes e agarrei com mais força a roupa do Jubão.

Está clara a diferença da natureza dessas duas espécies. Cada uma tem seu próprio desenvolvimento, pensamentos e vontades naturais. As Bestas Mágicas, no caso, os Tigres Amba, são territoriais e raramente buscam algo novo; sempre protegendo os seus territórios, presos em suas raízes. Tanto que o meu pai, Zan, foi um dos anormais, buscando algo novo, mas acabou por ser enganado.

Enquanto os Homens-Fera, consigo dizer agora que estou na pele; loucos pelo poder, sedentos por uma força inigualável. Anseia por inimigos mais e mais fortes, para alcançar o limite.

— AMON! A ESFERA NEGRA! — Meu monólogo foi quebrado pelo grito desesperado do Ragnar. Até os pensamentos suicidas foram jogados para longe.

Uma gargalhada louca ecoou pela cratera gigante. Vi a sombra de um par de asas obscurecendo sobre a horda da entrada, aumentando conforme subia ao céu.

Kasmet estava segurando os pés de Amon; então os dois iriam de encontro com a horda que estava voltando para o interior.

E como vamos parar a saída dos que estão vindo?!

A resposta veio logo em seguida, com a berro do Jubão. — FILHOTE! ABAIXE AS ORELHAS E SEGURE FIRME!

Ragnar saiu da parede que colidimos em um salto explosivo, alcançando a fuga do Sha’l, que foi o último a sair da entrada enorme. Sem dizer nada, tanto ele quanto o Jubão, cruzaram um pelo outro.

Na mesma hora, abaixei as orelhas e senti o corpo musculoso se retorcer durante a queda. Ele tá tentando virar uma bala de novo?! Quase fomos esmagados contra a parede antes!

Mas, diferente da fuga, dessa vez, a explosão foi uma só...

BBBBOOOOOOOOOMMMMMMM!

Veio de trás de nós. Mas, antes que pudesse sequer saber o que aconteceu, já estávamos rocha adentro.

Sem brincadeira, eu estava para morrer já. O som e o impacto reverberaram pelo meu corpo inteiro. Não adiantou de nada abaixar as orelhas se eu ia quase morrer! Queria expressar isso, mas minha situação estava crítica. Senti alguns ossos trincarem. Meus ouvidos zumbiam pelo barulho.

Não conseguia nem me mexer um pouco, sentindo peso por cada centímetro do meu corpo. Eu tô soterrado!

Então tudo em minha volta reverberava sem parar.

Huh...?  Algo me puxou pela roupa rapidamente, me tirando debaixo do solo. Ah... Parece que não fiquei cego ainda...

Quem tinha me tirado de lá era o Jubão, mas não conseguia focar bem no rosto dele, já que tô todo fodido. Espero que esteja se sentindo culpado por me fazer passar por isso...

Ele agarrou e me segurou contra seu peito.

— P▀▀meto q▀▀ va▀▀▀ sa▀▀ ▀▀qui...

Por mais que eu não entendesse por completo, já tinha alguma noção do que estava dizendo.

Espero o mesmo, Jubão...

Minha visão estava voltando a focar, mas o zumbido não ia parar tão cedo.

Então nem para ele foi fácil isso... Assim que parei para observar, notei que as roupas dele estavam rasgadas em diversos lugares, e ele inteiro estava todo sujo de poeira e terra.

Começamos a subir, então olhei com dificuldade o que aconteceu dentro do interior, já que eu queria ver o que quase me matou.

Mentira... O que vi era uma cratera ainda mais profunda do que antes. Parecia como se um meteorito tivesse caído e explodido ali dentro. E cadê a entrada...?

Não havia sinal mais da entrada existindo ali. O DESGRAÇADO TINHA DESTRUIDO AQUELA FODENDO ENTRADA EM UM ATAQUE!

COF! COF! Tossi forte, senti até algumas pedras saírem da minha garganta, de tanta indignação. Seu marombeiro desgraçado... Se eu não morrer hoje você vai ter que me ensinar isso!

Comecei a focar o meu Chi para circular nas áreas feridas, estabilizando a dor e o incômodo.

Quando finalmente saímos pela boca do Interior de Enir, vi o caos que estava lá em cima.

— ABALO TROVEJANTE! ABALO TROVEJANTE! ABALO TROVEJANTE! — Os berros eram tão altos que, mesmo quase surdo, eu ainda escutava.

Para a minha surpresa, realmente era absurdo o que estava acontecendo — o céu estava aberto, sem um sinal de nuvens, e, mesmo assim, de lugar algum, relâmpagos surgiam, atingindo uma área especifica.

Mas essas porras de clarões machucam os olhos ainda.

O luar e as Bestas Mágicas que estavam queimando iluminavam a cena do Anão, no meio de uma cratera escura, acertando dezenas de feras e avançando. O Amon estava planando alguns metros do Kasmet, parecendo estar ocupado com outra coisa.

Como estávamos acima de todos agora, finalmente pude ver a quantidade e como é a horda. Não era comparável pela quantidade infinita que estava dentro das cavernas no Interior, mas podia sentir a aura de dezenas de criaturas poderosas.

Havia bestas enormes, voadoras, quadrúpedes... Não há como negar que o Dragão Negro está variando bastante no exército.

O que mais me incomoda aqui é: Se os líderes conseguem alcançar tantos absurdos de poder, por que o lado inimigo também não poderia?

Sinceramente... espero que para esse caso os perigosos tenham ficado presos no Interior e não estejam aqui.

Sem contar que o Jubão parecia cansado agora.

Mesmo depois de tantos ataques em área do Kasmet, ainda restava para caralho da horda.

Será que não é melhor só fugirmos por cima deles? pensei na hora, afinal, parecia que tinha menos criaturas voadoras na horda.

Então, a voz aguda e irritante anunciou: — Esfera Negra!

Amon abriu a mão, e algo como uma bola preta flutuante saiu dela. Ele mirou a mão em direção do Kasmet, que estava um pouco longe naquele momento.

— AMON! — O Anão berrou em pavor, correndo em passos largos para frente, balançando o seu enorme martelo para matar as criaturas em sua frente. — SEU MALDITO DE PREGAS SOLTAS!

Ragnar avançou para longe, evitando ir em direção daquela bola escura, como se também não quisesse estar perto.

Até ia me questionar o que viria, mas sabia que em breve veria o estrago. E, sério... Já basta o Ragnar ter tentado me matar. Prefiro manter distância também.

Assim que a bola alcançou o chão, senti uma força invisível me puxar em direção daquilo. Não era muito forte, mas o Jubão continuava a avançar sem parar com as explosões, e já estávamos bem longe.

Nem fodendo... Isso é... um buraco negro?!

Eu estava duvidando no início, mas vi a primeira vítima daquela merda. Na hora que a esfera alcançou o chão, começou a crescer de tamanho, puxando sem parar as Bestas Mágicas da horda. Vi a pele e os ossos rasgarem em um segundo; era tão rápido que nem o efeito espaguete podia ser notado. No momento que era puxado para ela, você literalmente era consumido até sobrar nada.

Até o chão tá sendo comido!

Estava ficando maior a cada criatura que engolia... A horda deve se distanciar e perder a formação rapidamente por causa disso.

Eu não sei se sinto pena ou rio do Kasmet, que ainda corria desengonçado para fugir do alcance do buraco negro. Pelo menos a horda tá mais concentrada em fugir também.

Então, do nada, na área que era a retaguarda da horda, vi um furacão se erguer, tão enorme que podia ser colocado como categoria cinco facilmente no meu mundo antigo.

Se o Amon e o Kasmet estão aqui ainda... É o Sha’l...?

Como confirmação ao meu pensamento, Ragnar falou baixo: — Não temos tempo para salvá-las, Pequeno Sha’l...

Salvar? Agora estou ainda mais curioso.

Amon finalmente parou de ser um cuzão completo e foi em direção do Kasmet. Pelo menos vai ajudar nessa situação!

Já o Jubão, não estava perdendo tempo, e já estávamos perto daquele furacão do caralho.

— Sha’l! Temos que ir! — gritou ele.

Estávamos mantendo distância do furacão que avançava pelas bordas da horda, matando sem parar as feras. Sha’l, que estava no meio de uma pilha de cadáveres partidos e coberto de sangue, parecia desfocado, olhando para baixo.

Ele está imerso nos pensamentos...

Assim que refleti, notei que próximo dos cadáveres amontoados, tinha algumas Bestas Mágicas vivas, porém presas a algum tipo de corrente ou corda brilhante, se debatendo.

Espera... Por que elas tão presas? Demorei um pouco para relacionar uma coisa com a outra. Eles estão sequestrando mais fêmeas...

Sha’l empunhou sua lança com firmeza e atacou as criaturas presas.

Quando pensei que ia matá-las, na verdade, apenas atingiu o que as prendiam com a ponta da sua lança.

Sem nem demonstrar gratidão, aqueles que estavam presos começaram a fugir para longe da batalha. Ele tá salvando enquanto pode. O Bonitão subiu no meu conceito.

— Vamos indo, Ragnar-han. — Sha’l sequer se virou enquanto dizia isso. — Estamos sem tempo já.

No entanto, quando a nossa fuga estava prestes a ocorrer sem problemas, um berro nos fez virar.

— O LEGIANTE TÁ SAINDO! — Kasmet, segurando os pés do Demônio, gritava para nós de longe.

Ragnar se virou para a boca do Interior de Enir. O corpo dele tremia, parecia estar relutante no que fazer.

Mas, como um entendimento mútuo, a aura de todos os outros líderes sumiu. Ragnar e eu começamos a cair em queda livre, porque as explosões dele sumiram. E o Amon com o Kasmet estavam planando em direção ao chão.

Quê? Por que esconderam a aura? E que merda é essa de Legiante que faz até vocês quatro cagarem de medo!

Sha’l e o Jubão começaram a correr para longe, enquanto os outros dois estavam tentando sair do alcance da horda. Ninguém dizia nem uma palavra, totalmente sérios.

Olhando para trás, já que estava sendo segurado pelo Ragnar, não consegui ver direito o que estava saindo da entrada, mas parecia que toda a horda estava fugindo de lá, como se não quisesse ficar perto.

QUE MERDA É ESSA! Mesmo com a visão um pouco prejudicada, ainda consegui ver a porra que chamavam de Legiante — aquela gosma preta que parecia um boneco palito na pedra — se erguendo para fora da cratera do Interior.

Diferente de antes que parecia apenas um desenho feito de gosma, agora parecia como um verme se mexendo, simulando os movimentos de andar. E, diferente de antes, que não tinha rosto, agora estava claro que a cabeça inteira era uma boca, vazando algum tipo de líquido.

Blergh! Senti o gorfo subir pela garganta, vendo aquela porra se mexer. Para piorar, essa desgraça se contorceu rapidamente para os cadáveres jogados no chão, até que começou a engolir um por um. E PARA PIORAR, ELA TÁ COMENDO MUITO RÁPIDO! ELA DEVOROU UM CADÁVER MAIOR QUE O RAGNAR!

Enquanto eu estava perplexo vendo o Legiante comer os cadáveres dos membros da horda, vindo em nossa direção conforme se alimenta, Amon finalmente alcançou a nossa corrida.

Sem nem olhar para trás, o Jubão questionou: — Amon, consegue atrasar o Sem-Nome?

— Aquilo não pode mais ser atrasado. Agora que despertou e sabe que fomos nós que invadimos o seu território, só resta fugir ou morrer... — O Demônio estava sorrindo enquanto dizia isso.

— Que morrer o quê, Amon! — Kasmet se meteu na discussão, com a cara indignada. — Se tivermos que morrer, prefiro deixar tu para trás para termos mais tempo!

— Ainda irritado pela brincadeira, Anão...? — respondeu em tom de zombaria. — Sabe que era preciso para fugirmos.

Kasmet só estalou a língua.

Sha’l, que estava um pouco mais a frente, respondeu gritando: — Ainda temos como sair da sua área de fome! Só temos que correr!

Como se todos esperassem por isso, começaram a correr ainda mais rápido.

Galera... eu ainda não entendo vocês.

 

 

O tempo passou, comigo olhando para trás, vendo aquela abominação, devagar, vindo em nossa direção. Como se fosse impossível nos perder de vista.

Finalmente, algo compreensivo soou depois de trinta minutos de corrida constante.

— Filhote... Fuh... — Ragnar estava dando cada expirada de ar que o espaço parecia tremer. — Hah... Não podemos emitir nem uma mínima oscilação mágica enquanto o Sem-Nome está atrás de nós. Fuh... Ela se alimenta de Mana...

Eu já estava acostumado a ouvir a respiração dele nessa corrida, então me foquei no que ele quis dizer para mim.

Então é por isso que comeu aqueles cadáveres ainda. E esse é o nome dessa merda então...

Eu ia perguntar o que era, mas lembrei que todos estavam concentrados em manter suas energias para a corrida.

Certo... É melhor eu focar em estabilizar os meus machucados também...

 

 

Uma hora se passou, até que finalmente os líderes pararam e olharam para trás.

— KEHAHA! — Amon riu animado.

— POR XENAR! VOLTE PRO RABO QUE SAIU! — gritou Kasmet quando viu o Sem-Nome mudando de direção.

Sha’l, que parecia tão cansado quanto Ragnar, sentou no chão e começou a falar baixo: — Temos... que enviar tropas... Se deixarmos continuar os raptos, não há futuro para pensarmos...

— Quando vim com Há’sha e o Amon da última vez, não estavam tão desesperados quanto agora... Fuh... Mas... — O Jubão parecia querer falar algo mais, mas acabou deixando de lado.

Eles ficaram quietos, concentrados em recuperar algum fôlego. Assim que eu voltei a sentir a aura dos quatro, notei que a expressão de Kasmet estava diferente.

— Ragnar, cuidado! — gritou ele.

Assim que ouvi o grito dele, como um raio de luz prateado, algo passou pelos meus olhos, desaparecendo no mesmo instante.

Huh...? Por que tô caindo?

Eu parei de sentir que estava sendo carregado. Na realidade, já estava para cair de bunda no chão!

Não doeu tanto quanto entrar dentro de uma “montanha” de rochas na base da porrada.

Quando estava prestes a levantar, escutei os líderes agitados.

— CADÊ OS OUTROS?!

— Como ela chegou até aqui sem percebermos?

— Kehaha! Será que o Leãozinho aguenta ainda mais uma? Kehahaha!

Eu não estava entendendo nada, então comecei a olhar em volta para ver se encontrava o Ragnar; para a minha surpresa, assim que encarei o céu, vi uma ave prateada enorme voando em alta velocidade, como se estivesse lutando com algo em pleno ar.

Espera...! Esse pássaro não era um daqueles que estava perto do ovo do Dragão Negro?!

E, como esperava, ela estava brigando com Ragnar no ar. Explosões começaram a ocorrer naquele combate aéreo. Eu mal podia acompanhar a velocidade do Jubão antes, mas essa ave parecia muito mais ágil que ele!

Nesse momento, tão alto quanto o Kasmet berrando, uma gargalhada soou pelo cenário; animada e grossa.

Por que ele tá rindo...

Kasmet colocou a mão no rosto e começou a rir também, até dando alguns tapas na própria coxa. — Pffft! BUHAHAHA! Como é que ela vem sozinha até nós?!

Amon e Sha’l estavam quietos, sem reação.

Até que o Demônio Negro não suportou e gargalhou junto. — KEHAHAHA! LEÃOZINHO, PRECISA DE UMA AJUDA NOSSA?! — Ele gritou para o céu, dando um grande sorriso macabro.

Hã?! Não era eles que estavam correndo das criaturas que estavam lá no Interior de Enir?

E, do nada, o céu se iluminou em chamas, e uma bola de fogo voou em nossa direção, aterrissando contra o solo e fazendo uma puta de uma cratera perto de nós.

— Quem diria que existia outra Besta Mágica além daquela tigresa e o Lobo Umbra tão audaciosa que pensa que consegue me vencer em um combate de Magia... — De dentro da cratera, o som de estalos altos era soado.

Uma mão laranja soltando vapor forçou para fora e o corpo marombeiro, que eu já estava acostumado a ver, saiu de dentro.

QUE PORRA É ESSA! ELE TÁ BRILHANDO LARANJA!

Eu já estou começando suar só de ficar perto dele. Que calor absurdo.

— Acho que essa galinha pensa demais sobre si... Só porque é rápida. — Kasmet conseguiu suportar a vontade de rir.

— Então, companheiros, fazemos como ela espera que seja, ou acabamos com um inimigo poderoso agora mesmo? — O Jubão deu um soco em sua palma e estalou os dedos.

Não nego, só de ver esse velho musculoso aguentando uma luta no ar me faz querer ser capaz de fazer o mesmo.

Mas ainda me pergunto por que estão confiantes agora, quando antes estavam mortos de medo...

A aura de todos explodiu, quase me fazendo desmaiar.

— Que a Mãe Natureza a receba em um abraço.

— Sha’l, não venha com essa de Mãe Natureza, quero é fazer uma canja com ela!

— KEHAHAHA! Que me convide para isso então, Anão.

— Nem se eu encontrasse a Urna de Xenar amanhã!

Eu não sabia o que dizer, mas a determinação dos quatros me dizia que essa ave ia se dar muito mal por algum motivo.

Em um lampejo, a ave já tinha alcançado Ragnar novamente, batendo de frente. Com apenas força do próprio físico, ele encarou a investida feroz, sendo empurrado para dezenas de metros, como se fosse nada.

Após o ter lançado para longe, fez um giro no ar e voou em direção dos outros três.

Ela tá tentando separar dos líderes?

Não adianta eu ficar mais sentado nesse canto, preciso meter o pé daqui.

Ugh... As costelas tão doendo ainda. Com dificuldade, levantei e comecei a tentar andar rápido, mas parecia mais como uma velha de 90 anos com dor nas costas.

— ANÃO E ELFO, PRESTEM ATENÇÃO, SEUS IMBECIS! ESSA MALDITA AVE ACHA! ACHA! ACHA! QUE PODE NOS MATAR! ENTÃO VAMOS FAZÊ-LA SE AFOGAR NO PRÓPRIO SANGUE, ENQUANTO A MATAMOS DEVAGAR E COM AGONIA!

Amon surtou, gritando sem parar, abriu suas asas e alçou voo, com diversas luzes roxas saindo de seu corpo.

— ELFO, SELE ESSA MERDINHA PARA QUE NÃO FUJA DAQUI! — ordenou enquanto reunia dezenas de luzes em volta do corpo.

— Sha’l, escute o Amon dessa vez. — Kasmet comentou. — Se ela fugir, não teremos outra chance tão boa.

O Elfo concordou e começou a desenhar no ar alguma coisa com seu dedo.

O rasante era impossível de acompanhar. Quando notei, a ave bateu de frente contra Amon, reverberando um som abafado. Ela havia batido em algo invisível, fazendo-a perder o voo.

E barulho de explosões vinham de longe.

Ele já tá voltando...

— Pássaro imbecil! COMO OUSA SEQUER IMAGINAR QUE PODE ME TOCAR! EU! — Como extensão da própria mão, o movimento das luzes seguiu o braço de Amon, que estava descendo em direção da ave.

As luzes tocaram as penas cinzentas, como se fosse algum tipo de fogo, e começou a queimá-las. Nessa hora, a ave prateada, pareceu ter acordado de um sonho, se estabilizou em queda livre e fez outra manobra no ar, fugindo de perto de Amon.

Já eu... tô escondidinho atrás de um morro... Espero que ninguém note...

Amon estava com uma cara amedrontadora, no entanto, do nada, um grande sorriso surgiu; largo e que mostrava bem seus dentes.

Kasmet estava rodopiando seu martelo no chão, esperando a chance perfeita. A aura dele era a mais grave no meio dos quatro nesse ponto. Não era agressiva ou feroz como a do Amon e o Ragnar, mas muito singular e profunda...

— Leãozinho, você já pode descer. — Amon falou confiante.

— DEVASTAÇÃO CELESTE! — Retumbou a voz vinda acima das nuvens.

Eu vi, como uma estrela cadente, aquele corpo pegando fogo descer em direção a ave. Por estar concentrada no Amon, o pássaro mal teve tempo de reação para esquivar, mas ainda conseguiu evitar que fosse atingida nas costas.

Ela desceu junto com Ragnar, porque havia acertado sua asa, prendendo-a em seu chute. E, como um ataque combinado, Kasmet estava segurando seu martelo com as duas mãos, esperando a queda.

— ESTAVA ESPERANDO, RAGGGGNNNNAARRRRR!

O acerto do martelo e o chute do Ragnar no mesmo lugar casou uma onda gigantesca de impacto, me jogando para trás em cambalhotas.

ELES CONSEGUIRAM?! Me ergui desconfortável e tentei olhar de novo.

Assim que consegui voltar no ponto perfeito para ficar observando essa batalha, não encontrei a cena que esperava.

Na verdade, a ave estava onde foi acertada, mas diferente de antes. E não havia sinal do Kasmet e o Ragnar estarem ali.

As penas dela estão mais volumosas?

Era como se estivesse inteira com as penas eriçadas, mas também parecia uma estranha armadura que a cobria inteira, mal dando espaço para ter espaço para os olhos.

— Moleque, sai da frente.

Me virei na hora e vi Kasmet coberto de sujeira atrás de mim.

— O que, acontecer? — Tentei me comunicar por causa da descrença da situação, mas lembrei que ele não falava a Língua Bestial.

— Vou ter que usar isso também...

Enquanto passava por mim, notei a mão e o rosto dele começar a ficar cinza e soltar faíscas. Hã? O QUE É ISSO!? O ANÃO É UM ROBÔ POR ACASO?!

Eu já tava cansado de tantas dúvidas que se criaram nesse dia, então só aceitei. Afinal, o Ragnar estava brilhando laranja!

Ele saltou em um grande pulo, suficiente para cobrir metade do caminho até a ave.

— Terminei — disse o Elfo. — E, pelo visto, ela não consegue voar nessa forma também... Ainda melhor.

Sha’l começou a avançar com a sua lança para frente.

Aonde o Ragnar foi parar?

— Dessa vez não vai ser tão fácil, Argenis.  — Kasmet conseguiu chegar até a batalha. — Amon, você e o Sha’l precisam aproveitar a chance que ela estiver ocupada comigo. Ragnar deve estar se preparando já.

— Anão, poupe-me de tanta merda.

— Que seja, Demônio maldito.

Eu vi aquele corpo pequeno se aproximar da criatura com dez metros de envergadura — parecia até uma cena mitológica.

Agora que paro para pensar, essa forma da ave parece um ouriço, com seus espinhos...

— Argenis, já tivemos outros encontros antes... só que, dessa vez, eu prometo em meu nome que vou usar todo esse seu corpo para forjar as próximas armaduras da minha coleção. ENTÃO, VEM! — Kasmet estava com uma atitude totalmente diferente dessa vez; desafiando a ave de frente.

A emissão de energia dos dois saltou um degrau.

Kasmet lançou o seu martelo em direção da ave. Antes que pudesse chegar nela, uma das penas saltou e bateu de frente contra a cabeça do martelo, desviando sua direção.

Não parando por aí, algumas outras penas saíram, como se tivessem vida própria, e começaram a voar em direção do Anão. A velocidade era difícil de acompanhar.

Mas não amedrontou o Kasmet, que até continuou a avançar devagar para pegar o martelo de volta. Assim que as penas o alcançaram, um relâmpago atingiu o corpo dele, transformando-as em pó.

Penas continuavam a ser lançadas, com um curto tempo de diferença, mas nem chegavam perto do Kasmet. Relâmpagos contínuos saíam, acabando com cada tentativa de acertá-lo.

Ele agarrou o cabo do martelo, poucos metros de distância da ave. — Vai ser isso? Está se borrando por causa dos outros líderes? Pelo menos é um pouco esperta ainda. — Sem se virar, gritou para os dois de trás: — Sha’l! Amon! Não vamos nem a arranhar assim. Essas penas são mais cascudas que a armadura que fiz para o pai do Ragnar. Precisamos que ela mude de forma ou use ainda mais penas!

— Pronto, Elfo? — Amon perguntou ao Sha’l, que já estava esperando abaixo dele.

— E o que você fará para conter ela?

O Demônio só sorriu. — Se ela gosta tanto de voar, farei com que o céu a castigue. — Ergueu sua mão e, repentinamente, o céu começou a despedaçar.

Ele tá quebrando o espaço agora? Porra! Desse jeito eu fico com vergonha de só pegar fogo!

Em resposta, as penas da ave começaram a reluzir, cada vez mais cinza, igual metal... ESPERA! ESSA AVE É DO ELEMENTO METAL INTEIRA?! E É MAIS RÁPIDA QUE OS LÍDERES!

Penas saíram constantemente em direção do Amon, o qual estava partindo o céu por algum motivo.

Kasmet nem sequer se preocupou em tentar pará-las. Assim que chegaram perto do corpo do Demônio, encontraram uma dificuldade, como se estivessem sendo empurradas pelo ar.

— Não precisa me proteger, Elfo...

— Eu sei, só estou me protegendo de ti, Amon.

O Demônio gargalhou, mas não pude prestar atenção nisso, afinal, ESTAVA CAINDO UM FODENDO TETO NEGRO DO CÉU! TÃO GRANDE QUE PODE AMASSAR UMAS CINCO DESSAS AVES JUNTAS!

— Anão! Faça-a usar mais penas! Elfo, o feitiço! Temos três segundos!

Sha’l, sem demora, desenhou algo rapidamente no ar e esse “algo” começou a tomar um tipo de brilho, formando um círculo verde que emitia uma enorme quantidade de Mana.

E, depois de todo esse combate, pude ver a ave mostrar alguma tentativa de se mover dali, como se não quisesse ser pega. Do círculo brilhante que Sha’l havia desenhado, linhas verdes se esticavam em direção dela, prendendo-a.

Kasmet partiu para a porradaria, lançando relâmpagos de seu martelo em direção do inimigo. Ela tentava evitar os ataques com penas atrás de penas, mas parecia que queria guardar o máximo que podia para aguentar o ataque dos três juntos.

Ela tá fazendo algo...

Como estava mais longe, notei que algumas das penas estavam indo por baixo, cavando a terra.

Quer acertar eles por baixo? Um ataque furtivo.

Quando aquele fodendo teto preto estava para alcançar a ave, dezenas de penas se levantaram e atingiram os líderes por trás.

Kasmet rugiu, enquanto as penas acertavam-no por trás, e começou a atacar sem parar a cabeça da ave com o seu martelo, achatando as penas, que a protegiam, para baixo. Só parou quando aquele teto acertou ela, esmagando-a pouco a pouco.

O choque do teto contra a ave reverberou, soltando raios de luzes negros no contato; parecia até o fim do mundo.

— Tá mais que presa agora, Ragnar... — disse Kasmet, dando uma cuspida de sangue. — Mostre mais uma vez aquela Magia que tanto se orgulhava.

De uma montanha distante, pude ver um contínuo raio de luz amarelo atravessar o horizonte e a própria ave, errando o Kasmet por alguns centímetros.

Ela... morreu. Senti que a presença dela se esvair depois daquilo.

Sha’l estava com uma das pernas feridas pelas penas surpresas. Já Amon estava com uma cravada em sua cauda.

Os três se sentaram no chão, com sorrisos nos rostos.

E, sem esperar muito, algumas explosões baixas soaram pelo ambiente. Ragnar estava vindo de longe.

Bem... Já que tudo está terminado, acho que é bom voltar para perto deles, né?

Me levantei e comecei a andar devagar, já que a adrenalina que eu produzi já tinha passado há muito tempo. Espero que até amanhã eu já esteja melhor...

Assim que eu cheguei, Ragnar também já estava perto. Ele veio direto em mim, avaliando como estava.

— Mesmo velho, ainda continua com uma boa mira... — Kasmet zombou.

— Pelo menos não tive uma pena perfurando a bunda, Kasmet.

O Anão só estalou a língua e passou a mão na bunda, onde tinha sido acertado.

Já eu, estava olhando para aquele pássaro enorme que morreu em pé. Vi que aquele raio amarelo atravessou das costas e saiu pelo peito dela. O que será que o Ragnar usou?

Kasmet começou a mexer nas penas dela, arrancando uma por uma. O que me fez lembrar algo muito importante...

Eu tenho a Habilidade Predador... Se comer a Gema de Energia dessa ave, não vou ficar SUPERFORTE?!

Animado, perguntei para o Jubão, que estava pior que um trapo sujo: — Ragnar-han, Gema de Energia, filhote, comer!

Ragnar parecia meio chocado com isso e falou em tom sério: — Você quer comer a Gema de Energia?

Enquanto perguntava isso, o Kasmet estava cantarolando, pilhando o corpo da ave. — Larari, larara... Que belo Metal de Mana ela nos ofereceu! E sem contar na Gema de Energia! BUHAHAHA!

Assim que o Jubão ouviu isso, falou para o, literalmente, saqueadorzinho: — Ei, Kasmet, o filhote disse que quer a Gema para ele.

— Hããã?! E desde quando essa aberraçãozinha pode exigir algo? Ele deve estar achando que a Gema de Energia é brinquedo!

— Então, por que você quer ela? — Ragnar me olhou.

Como é que eu explico que eu sei que tenho uma Habilidade que comendo me deixa mais forte sem soar estranho para eles...

— Filhote, comer, sentir, forte.

O Jubão parecia reflexivo, imaginando o que eu poderia estar me referindo.

Kasmet se meteu no meio de nós dois e mostrou uma Gema de Energia prateada, ainda gosmenta de sangue.

— Explique para ele que se tentar comer isso aqui, possivelmente vai explodir de dentro para fora. Além disso, se ele quer tanto algum brinquedo, diga que eu forjarei algo para ele com essa Gema de Classificação S-.

Ragnar traduziu as palavras dele: — O Kasmet quer a Gema, já que ajudou a matar a Besta Mágica, mas prometeu que vai te dar alguma coisa com a essência dessa Gema de Classificação S-...

Eu nem precisava escutar o resto. HÃ?! S-?! PORRA ANÃO, LARGA DE MÃO DE SER MIXURUCA! ME DÁ! Comecei a dar alguns saltos, tentando alcançar a Gema na mão do Kasmet. A oportunidade de ter tanto poder em um curto espaço de tempo me fez perder a cabeça.

— ... você pode acabar explodindo se comer ela.

Mas ela voltou rapidinho quando ouvi isso. É... melhor evitar... Mas quero ouvir a explicação sobre isso depois. Minha cabeça já tá cansada de ter tantas perguntas.

Além disso, o que ele quis dizer com “alguma coisa com a essência da Gema”? Porra... Dá para fazer outras coisas além de comer?

Já que eu não fiz nada além de esconder, não tinha como argumentar sobre ter a Gema. Então só restou aceitar.

Antes de seguir o caminho de volta, demos uma leve descansada, afinal, os líderes estavam exaustos e eu todo quebrado.

 

 

Assim que chegamos no território dos Tigres Amba, falei para o Jubão: — Ragnar-han, esperar? Filhote, despedir. — Afinal, eu queria dar tchau para meus irmãos e a mamãe.

Os outros três líderes nem pararam, continuando o retorno ao pequeno exército.

— Estarei esperando ali — disse Ragnar, apontando para um canto isolado. — Dê a sua despedida e se prepare para irmos à aldeia dos Homens-Fera. — Finalizou com um leve sorriso cansado.

Eu assenti e comecei a farejar, afinal, tinha que encontrar o cheiro da minha mãe.

Continuei até encontrar uma grande toca, bem próxima da montanha principal da cordilheira. Lá estava ela, na borda da toca, com o meu avô Kei. No fundo, dava para notar os meus irmãos brincando.

Ver essa cena me doeu o coração. Embora não sejamos mais da mesma raça, cresci com eles, vivi com a mamãe; e vê-los brincando felizes ainda... Depois de saber o que acontecia no Interior de Enir...

Cerrei forte as mãos e caminhei até eles. Meus irmãos saíram da toca, com os pelos eriçados, sibilando para mim. Não pude deixar de rir disso. Nem parecia que havia dois outros enormes para protegê-los.

Mas, logo depois disso, pararam, como se tivessem sentindo algum cheiro familiar exalando de mim.

Eu olhei para cima, nos olhos da mamãe. — Mãe-han, filhote, ir... — Meus olhos começaram a escorrer lágrimas.

— Filhote ir, mas, voltar. — Ela veio e me deu uma lambida, que fez ficar coberto de saliva.

Sim. Eu ainda posso visitá-los, como o Jubão disse.

Porém, eu sabia que se não me esforçasse, tudo isso seria queimado junto com a futura guerra que estava se formando. Eu preciso entender tudo. Eles precisam de mim.

— Filhote, não abaixe a cabeça ninguém, seja essas aldeias ou nós. Se acredita que isso trará a paz no fim, continue trilhando esse caminho. Quando estiver certo que é a hora, que está verdadeiramente forte, volte e nos diga o nome que escolheu.

Meu avô, me olhava imponente como sempre, mas com pitada de relutância em seus olhos. Ver esse enorme tigre, que me ajudou a treinar e melhorar, percebi quão sensacional era a minha origem nesse mundo. Não só uma ótima raça, mas uma família fantástica.

— Avô-han, obrigado! Filhote, treinar, muito! Obrigado!

Acenei a cabeça, com as lágrimas caindo dos meus olhos, mas sorrindo para a confiança deles em mim.

Merda! Despedidas são meu fraco! Eu não conseguia conter as lágrimas, então só andei em direção dos meus irmãozinhos.

Primeiro abracei forte o Jhon, que estava ainda mais rechonchudo, e falei baixo: — Obrigado, Jhon-in. Cuidar, família.

Depois de soltá-lo, abracei as duas branquinhas juntas, mal dando a volta nos braços, já eram maiores que eu. — Samy-in, Suzy-in, treinar, também. Família, precisar.

Assim que larguei das duas, alguém pulou nas minhas costas, me jogando na neve, e começou a lamber a minha cabeça por trás.

Me virei e notei que era Marie, que mesmo sendo uma tigresa, estava com os olhos marejados. Minha irmãzinha! Você é a que vai mais sentir saudade do mano?!

Não aguentei e abracei aquela bola de pelos laranja.

— Marie-in, irmão, voltar, prometer. Esperar, entender?

Esse momento levou alguns minutos, até ela se erguer e voltar para a toca, solitária.

Eu me levantei da neve, não mais chorando.

Dei uma última olhada na minha família e fui em direção onde o Ragnar havia apontado.

Está na hora de aprender sobre esse mundo.



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