Destino Elementar Brasileira

Autor(a): Rose Kethen


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 1: Interior de Enir

Com a minha espécie distante agora, o Jubão e eu... Droga, é mais difícil do que parece parar de chamar assim. Repetindo... Ragnar e eu estávamos indo ver o pequeno exército que veio inspecionar o que tá rolando dentro de Enir.

Embora esteja fazendo isso para proteger a minha família e também ver o que tem além das Terras Gélidas, acabei virando uma ponte para a tal “Aliança” com os Tigres Amba...

Heh. Isso vai ser muito divertido.

Eles parecem ter nos notado. Me pergunto qual a reação deles de ver o Ragnar acompanhado de um filhote de Tigre Amba... Oh! Levantaram a guarda.

— RAGNAAAARRRR! — Antes de sequer chegarmos perto, o Anão segurando um martelo enorme não só berrou, mas quase me deixou surdo. — Que desgraça foi aquela?! Por que diabos saiu da batalha com aquela aberração!?

Que merda que essa sirene ambulante tá gritando?! Estamos longe e já dói minhas orelhas!

— Esse que gritou é o Kasmet, filhote. Líder dos Anões Trovejantes... — Ragnar com certo desgosto sobre quem gritou. — O escuro é o Amon, líder dos Demônios Negros e o de cabelo prata é o Sha’l, líder dos Elfos Prateados. Grave isso.

Não tive tempo para responder, ele começou acelerar o passo.

Nos aproximamos mais, mas o Jubão me parou um pouco antes. Esquece, vou ficar chamando ele de Jubão e Ragnar. Tô nem aí. Será que tem medo que os outros tentem fazer algo contra mim?

— Acredito que todos viram o que esse filhote fez no meio da batalha, não é? Então não preciso me alongar sobre esse assunto. — Ele olhou nos olhos de todos, parando no Sha’l que estava com a mão cerrada e tremendo. — Não tenho ideia como ele fez isso... Melhor, isso não importa agora. Uma coisa é certa... Por causa dele, essa batalha foi interrompida e poderemos ir até o interior de Enir sem qualquer outro conflito.

Então, eu não queria dizer isso muito tarde, mas... EU NÃO CONSIGO ENTENDER NADA DO QUE TÃO DIZENDO! Eu só entendo se alguém fala na Língua Bestial!

O Anão — no caso, o tal “Kasmet” — que, graças a Jeanne, ficou quieto, coçou seu queixo, no meio de toda aquela barba seca, e pareceu estar reflexivo sobre algo.

— Ragnar... Como é que teve tanta certeza que esse filhote seria útil? E nem venha com a velha história de instinto! — falou com um tom sério, fora daquele escandaloso.

Nesse momento, eu tinha que entender o que tava acontecendo, me aproximei mais e perguntei: — Ragnar-han, problemas?

O Elfo olhou direto para mim, como se entendesse algo. Mas a resposta veio da boca do Ragnar, que não parou de encarar os outros.

— Estão me perguntando o motivo de ter saído da batalha por sua causa.

Então, como um quadro negro sendo arranhado, a voz do Demônio preto, Amon, soou: — Por sua causa, perdi a chance de estraçalhar aquele tigre velho. Leãozinho, acredito que você me deve uma boa explicação...

Eu senti o ar ficar pesado, e a expressão do Jubão ficou tensa. Que porra esse Demônio de voz aguda disse?

— Amon, não envolva sua ambição própria nessa discussão. Eu sei que a minha saída resultou em perdas, no entanto, vejam por si só o resultado futuro.

Ele tocou na minha cabeça. Não preciso comentar que é óbvio que estou na forma de tigre ainda. AFINAL, É FRIO DEMAIS PRA EU FICAR PELADO AQUI!

— Por causa dele, não teremos que lutar mais contra essas bestas. Vimos em primeira mão o que elas são capazes de fazer agora. Se a batalha não fosse interrompida, nossos números abaixariam muito mais do que só eu sair do campo de batalha. Se os Tigres Amba conseguiram alcançar isso, as outras raças também foram. — Terminando até aí, fechou uma mão em um punho e socou a palma da outra, conforme finalizava: — Precisamos urgentemente chegar ao interior e acabar com o ovo.

Finalmente, o último calado, Sha’l, o Elfo bonitão, se aproximou do Jubão e falou: — Viemos com pouco pessoal, e eu entendo a sua razão, Ragnar. Eu sei plenamente que ele pode ser o nosso passaporte e, talvez, muito além, mas precisa lembrar. — Apertou o ombro do Ragnar, com uma expressão de aflição. — Nosso ódio nunca sumirá! Depois que irmos no interior de Enir, ainda vamos nos odiar!

Ragnar tocou na mão que o apertava no ombro e, após um suspiro, respondeu: — Pequeno Sha’l, acha que não sei que os Elfos Prateados e os Tigres Amba continuarão se odiando? — Sha’l, além de tirar a mão, se afastou e podia notar que estava cerrando os dentes forte. — Esse pequeno aqui não era nem nascido quando perdeu os dois. Não o culpe por causa dos seus ancestrais.

SÉRIO! EU QUERO SABER O QUE TÁ ROLANDO! Eu tô no meio de uma novela estrangeira que parece muito interessante, mas não entendo nada!

— Ragnar-han, prata, Elfo, o que, falar? — Não me segurei, então interrompi a discussão.

Os olhos dele brilharam rapidamente e me falou com um sorriso pequeno: — Filhote, o Elfo Prateado a sua frente se chama Sha’l. Ele perdeu pessoas queridas para a sua raça. Na verdade, todos os Elfos Prateados perderam também.

Oh... Então é por isso... Agora entendo melhor o motivo dos... “Elfos Prateados” guardarem rancores também. Eu sei bem o sentimento de perder alguém que ama...

— Ragnar-han, passar, palavras?

Sha’l expressou um pouco mais de reação quando me ouviu falar isso. Será que ele entende a Língua Bestial?

O Jubão ficou surpreso e assentiu.

Seguinte, não vou fingir aqui... Além de simpatizar com o Sha’l... A real é que eu achei todo mundo aqui foda para caralho! Eu quero estar de bons termos com todos. Problemas e dificuldades, já tive demais para um ano.

Cara, até os Anões ali, com as suas armas soltando faíscas, são do caralho!

É hora de tentar fazer amizades!

— Filhote, pedir desculpa. Raça, enganada, Dragão Negro, horda... Raça, perder, muitos. Perdão, Elfo.

Sha’l e o Ragnar me olharam com rostos complicados.

— Sha’l, você entendeu um pouco, não é? Se até ele, que é só um filhote, percebe que os Tigres Amba foram enganados pelo Dragão Negro, você também deve abrir um pouco mais os olhos. Não precisa perdoar a raça, mas ao menos esse filhote você não deve culpar.

Para mim, o Sha’l, além de parecer um galã bonitão, me passa o sentimento de um pai. Por fora parece estar puto, mas dava para ver o ranger dos dentes por causa das suas emoções mistas. Quase certeza que, por eu ser um filhote — lindo e inocente — ele tá cedendo para mim. Caia pelo meu encanto!

Enfim, por lógica, não faz sentido ele me odiar também. Não fiz nada contra ele... E seguindo o que eu sei sobre Elfos — que pode nem fazer sentido, porque no meu mundo não tinha Elfos — eles devem respeitar a vida e a natureza muito mais do que carregar ódio e ressentimentos.

Com um longo suspiro, ele falou com mais paciência: — Ragnar-han, eu não culpo o filhote. Porém não é por causa do pedido de perdão dele que deixaremos de lado o ódio pelo restante da raça... Só o peça para que não fique nessa forma perto de mim e dos outros da minha aldeia.

Com um grande sorriso, Ragnar começou a esfregar animado o meu pelo com suas mãos ásperas e pesadas. — Parece que ele gostou de ti. Só precisa ficar na outra forma que ele não vai insistir no assunto.

As sobrancelhas do Sha’l tremeram quando ouviu “ele gostou de ti”.

Mas, sério, Sha’l! Aqui é MUITO FRIO! Não quero sofrer toda hora. Já entendi! É a sua vingança, né seu safado?! Esse rostinho bonito nunca me enganou! Você quer que eu morra de frio!

Além disso... Vamos ter que voltar pelo caminho dos Tigres Amba... E eu vou ter que me transformar em tigre de novo?! Não! Eu não vou metamorfosear de novo só para passar por um lugar!

Hah... Já tô vendo que vou sofrer muito... Pelo menos uma roupa tenho que pedir.

— Ragnar-han... Frio, muito. Filhote, faltar, pelos. — Não vou falar de roupas, porque um tigre não tem como saber o que são roupas. Se eles já estão desconfiados em mim agora, imagina se eu demonstrar muitos conhecimentos que não faz sentido.

Nessa hora, Jubão ergueu as sobrancelhas e bateu as mãos, percebendo onde eu queria chegar. — Kasmet, nas carroças tem mais conjuntos de roupas? O filhote vai ficar pelado na neve quando entrar na outra forma.

O Anão de barba suja piscou os olhos algumas vezes e entendeu o que o Ragnar quis dizer. E gritou para os Anões de trás: — CAMBADA! PUXEM AS VIGOROSAS PARA CÁ!

Instintivamente, abaixei as orelhas, para evitar ficar surdo.

Eu vi um monte de Anões indo para mais longe. Acho que o Ragnar pediu roupas, e eles foram buscar...

Então, Kasmet entrou em outro tópico. — Ragnar, enquanto vão buscar as roupas para essa aberraçãozinha, é melhor esclarecer algumas coisas. — Ele se aproximou mais do Jubão e começou a cutucar o abdome dele. — Qual foi o trato que tu conseguiu com os Tigres Amba? Duvido muito que só tenha pensado até o interior. Nos entregue as peças.

Ragnar tirou a mão do Anão e depois assentiu sério.

— Os Tigres Amba permitiram que só nós quatro passemos.

Depois disso, o Amon deu um grande sorriso e comentou: — Eles estão com tanto medo de nós assim? Kehehe... Diga logo que você não concordou com essa imbecilidade desses animais. — Com os olhos negros, encarando a séria expressão de Ragnar, o sorriso dele abaixou em velocidade incrível. Seu descontentamento começou a surgir enquanto dizia: — Não... Você não concordou com isso. ESTÁ MAIS DO QUE NA CARA QUE ELES QUEREM NOS ATACAR QUANDO ESTAMOS SOZINHOS! TODA ESSA SUA RAÇA É ESTÚPIDA E SÓ CONSEGUE PENSAR COM OS MÚSCULOS?!

Na hora que o Demônio gritou, Ragnar se colocou na minha frente. Só a aura dele quase me fez desmaiar aqui! Que porra foi essa?! Por que ele tá surtando do nada?!

Ragnar apertou o punho tão forte que deu para ouvir o som dos estalos, e replicou ainda mais pesado: — Amon, por acaso está tentando me testar aqui mesmo? Você deveria ser o primeiro a perceber que o nosso pequeno exército vai ser um empecilho na hora de irmos ao interior. — Dando um passo, se aproximando do Demônio Negro, Ragnar questionou com olhos cheios de fúria: — E desde quando você se importa tanto com a nossa vida?

O Amon caminhou o suficiente para ficar próximo do Ragnar. Eu pude notar que, se não fosse por ser um pouco corcunda, esse maldito alcançava a mesma altura do que o Ragnar.

Não nego... estou todo cagado de medo. A colisão deles pode me matar! SERÁ QUE VÃO LUTAR AQUI? NA MINHA FRENTE?! JEANNE!

Sha’l e o Kasmet, que também estavam perto, firmaram o aperto em suas armas. Fodeu! Os outros dois vão se meter também! Amon levou a sua mão até o pescoço de Ragnar, que permitiu isso.

JUBÃO!

Porém, o barulho de carroças sendo puxadas foi escutado, interrompendo tudo. Eram os próprios Anões que puxavam as carroças.

— Líder, estão aqui — comentou um dos Anões.

Olhei de volta para o Amon, que estava sério ainda, com a mão ainda no pescoço do Ragnar. Sua expressão vazia, além de não poder ver nada além de círculos vermelhos onde tinha os olhos, trazia um sentimento estranho.

Então, como se nada tivesse acontecido, dentes brancos e brilhantes apareceram em seu velho e aterrorizante enorme sorriso.

KEHAHAHA! O Leãozinho me conhece tão bem. — Ele retirou a mão do pescoço do Ragnar. — Mas... espero que possa explicar mais sobre o que conversou com aqueles animais.

— Falaremos disso depois de terminar o que temos para fazer. Todos de acordo? — Ragnar coçou o pescoço depois de falar isso.

Todos, menos o Amon, assentiram. Kasmet foi direto para uma das carroças e começou a atirar algumas caixas de dentro pra fora. Estavam tão cheias que, quando caíam na neve, afundavam mais da metade.

Tão carregando o que dentro disso?! Ou será que é o material da caixa que é pesado?!

Depois de alguns Anões as tirarem da neve, começaram a abri-las. Kasmet foi vasculhar algumas, lançando o que estava dentro para fora.

Eram roupas. Mas não pareciam de Anões... Será que ele tá procurando algo para o meu tamanho?

Quando encontrou a caixa com roupas do tamanho dos outros Anões, que eram pequenas e largas, falou com incômodo: — Manda a esquisitice se transformar. — E atirou um conjunto para o Ragnar.

Não preciso entender a língua para imaginar o que ele disse... Óbvio que ele escolheu a dedo um bom par de roupas e pediu com carinho que eu me metamorfoseasse. Não preciso citar que o nojo era perceptível no rosto dele, né?

Hora de voltar para a minha forma de Homem-Fera.

 

 

Droga, será que algum dia isso vai parar de doer?!

Sério? Precisam ficar me encarando toda vez que eu mudar de forma? É, parece muito surpreendente para eles isso. O pior nem é a surpresa, mas ter um monte de marmanjo me olhando quando estou pelado!

Rapidamente coloquei o conjunto de roupas “oferecido” pelo Kasmet. Percebi na hora que a camiseta ficava larga demais em mim, parecendo como se eu estivesse usando um vestido sujo. Sem contar a calça, que era folgada demais.

Aproveitando que as minhas unhas ainda continuam bem afiadas e pontudas, rasguei um pouco da camiseta para fazer uma tira para prender a calça na minha cintura. É, serve como cinto... Aproveitei e retirei o excesso de tecido da calça, que iria atrapalhar os meus pés.

Aê! Vestido como um ser humano! Hehehe!

Saindo da minha animação e euforia, percebi a reação do pessoal que viu meu processo como futuro estilista. Ah, merda... Será que me destaquei demais...? Qual foi, eu sou inteligente o suficiente para perceber que vocês usam cinto também!

— Ragnar-han, algo? — perguntei fingindo não ter entendido a expressão das pessoas. Hora de ser ingênuo.

Antes, eu não tinha tido tempo para notar, mas como é bom ser capaz de produzir outros sons como antigamente! Por mais que a minha voz fofa não seja algo para se orgulhar... JÁ TINHA ESQUECIDO COMO É FALAR! A minha mandíbula dá um choquezinho quando mexo muito a boca. Hehehe... Que saudades!

Jubão pareceu acordar de um sonho e pigarreou. — Nada. Só é impressionante como você é... inteligente. — Assim que falou isso, continuou em outro idioma, que não entendi: — Até demais...

Parece que foi muito para eles. Certo, vou tentar evitar mais disso no futuro.

Olhei para baixo, vendo os meus pequenos pés na neve. Era muito frio, mas o que mais incomodava era o vento frio, que direto na pele machucava.

Seguinte, eu tô com muita vontade de algo... Posso? Será que posso? Não resisti e dei um salto no ar! Faz tanto tempo que não andava e pulava como um bípede! Finalmente posso voltar a treinar o Si Zhang!

O pessoal não sabia como reagir, mas não liguei. Estou muito animado.

Ragnar viu a minha alegria, mas, como um belo estraga prazeres, falou: — Filhote, temos que ir logo.

Hah... Beleza... Vamos resolver essa parada.

Virou seu olhar para os outros líderes e comentou: — Os Tigres Amba possivelmente vão discutir algo quando nos verem, então peço para que vocês não falem algo que incomode eles. Entendido, Amon?

Amon só sorriu depois de ouvir isso.

Sha’l e o Kasmet pareciam um pouco céticos ainda. Afinal, ninguém confiaria nos inimigos do mesmo dia. Porém, não podiam pensar muito, queriam resolver isso logo.

Me virei e tomei a frente. Sigam o mestre!

Só fiz isso para eles ficassem mais apreensivos. Hehe.

Minha Jeanne! Como é bom andar sobre duas pat... Pernas! Não ligo muito do frio que sinto nos pés, porque o sentimento é bom demais!

Finalmente aqueles instintos primitivos, de querer ficar próximo dos meus semelhantes, sumiram! Não sinto mais como se estivesse preso a minha raça. Antes, parecia que eu devia ouvir tudo o que os mais velhos diziam, como se fosse o sentido da minha vida. Horrível!

Só pude ficar ciente desses sentimentos após trocar de natureza. Acho que o corpo mexe demais com a mente... Tenho que prestar atenção nisso daqui pra frente.

Após uma boa caminhada na neve fria, chegamos no campo de batalha, que ainda tinha cheiro de sangue e corpos pelo lugar. Não é um bom lugar para uma conversa...

No entanto, assim que pensei isso, Kei e alguns outros adultos surgiram em um grande salto. Os líderes responderam rapidamente, segurando suas armas. Apenas Ragnar ficou de braços cruzados.

— Ragnar, espero que respeite nosso acordo. Esta será a única vez que isso acontecerá — exclamou Kei, com todo o seu tamanho e aura.

— Não se preocupe, líder dos Tigres Amba. Temos o objetivo de arrancar o mal pela raiz. Contudo... — Ragnar, que sempre demonstrou expressão de confiança e certeza, dessa vez pareceu ter muitos pensamentos diferentes. — Caso não sejamos capazes, peço que permita que a Aliança também defenda nesse território. O futuro carrega incertezas demais.

Não ser capaz? Sério que mesmo esses quatro não teriam total capacidade de acabar com o ovo de um Dragão? Quão perigoso é esse mundo que eu tô?!

Os outros Tigres Amba adultos começaram a grunhir e reclamar. Era óbvio que não queriam que as aldeias se metessem dentro das Terras Gélidas. Principalmente os Elfos Prateados, que já tinham problema.

ROAR!

Kei rugiu, calando todos os barulhos. Ele olhou para mim, que estava na forma de Homem-Fera, e respondeu: — Desde que não se envolvam na mesma área que nós...

Ele aceitou o pedido. O que tá acontecendo? Como que ele aceitou que os inimigos ficassem aqui?!

Olhei para a expressão dos outros líderes, para ver se entenderam o que aconteceu. Mas, além do desconforto de estar na frente de tantos Tigres Amba, só o Amon estava sorrindo para a situação.

Por sinal, assim que viu que o encarei, o diabo me olhou nos olhos e abriu ainda mais a boca em um sorriso assustador! SAI DAQUI, CAPETA!

Kei saiu da frente dos líderes e os outros tigres também abriram espaço.

Assim que atravessamos, a voz profunda soou: — Cuide-o com a sua vida, Ragnar, raça desgraçada. Do contrário, não terá motivo para sair do interior de Enir.

— Não precisa dizer. — Ragnar respondeu, puxando-me para mais perto.

Vovô! Obrigado pela preocupação! Eu também tô com medo! Nem sei porque eles tão me levando para esse lugar maldito!

Assim que observei as montanhas ao redor, notei um tigre laranja no alto. Mãe? Parece que ela não quer me ver com esse pessoal.

Não se preocupe, mamãe... Seu filho não é um rebelde!

Além disso... Com todo esse papo incerto do Jubão, tem muita coisa oculta rolando...

 

 

Aqui estamos nós. Terminando de trilhar a cordilheira enorme. Ragnar tem me protegido do vento gélido que atravessa as montanhas. É muito mais frio e forte do que acontece em lugares abertos.

Por mais que as minhas pernas não estejam doendo de tanto caminhar, porque não paramos um minuto sequer, sinto que logo vou alcançar algum limite de resistência. Estou perdendo o fôlego demais. Se não fosse pela parede de músculos, acho que esse corpo já teria colapsado.

Será que é a falta no atributo de resistência que tá me afetando tanto isso?

Por mais que tenha sido complicado, é muito bom andar em duas pernas.

Além disso, é muito impressionante o quão grande são as Terras Gélidas. E é muito animador ir além do que eu já tinha visto...

Finalmente, contornando a última montanha, a neve constante começou a mostrar alguma mudança. Achei que era uma miragem, já que por um ano inteiro só vi neve e a cor branca.

Mais ao longe era possível ver finalmente um novo ecossistema... Uma enorme e triste tundra... Que maravilha, mais outro território enorme e com poucos detalhes... Jeanne, o pessoal que criou esse continente só podia estar de preguiça.

Não nego que é maravilhoso ver um pouco mais de verde aqui e ali, mas ainda tem bastante neve por aqui...

— Chegamos na primeira camada. — Ragnar falou enquanto olhava para o céu, que estava entardecido.

A tundra era fácil definir como cheia de pequenos morros cobertos de vegetação e neve baixa. Porém, tinha mais vegetação que as Terras Gélidas.

Depois de termos chegado aqui, senti a aura dos líderes ser disparada para fora do corpo. O que eles tão querendo fazer?

— Filhote, suba nas minhas costas. Aqui é o pior lugar para ficarmos em uma noite. — O Jubão se abaixou e esperou que eu subisse.

Não vou ficar questionando o motivo. Se eles estão tão preocupados com esse lugar, é melhor irmos adiante.

Subi nas costas do Ragnar, e ressaltou em tom sério: — Segure-se firme e nunca se solte de mim. A partir de agora não posso permitir que você fique sozinho. Precisamos chegar na terceira camada.

Depois de eu ter agarrado firme, nem tive tempo para reagir. Um vento forte bateu contra o meu rosto e a paisagem estava passando rapidamente pelos os meus olhos. Os líderes estavam correndo com muita pressa.

Eu não tive muito o que analisar. Era difícil acompanhar com os olhos, mas conforme mais fundo íamos na tundra, muitas figuras apareciam ao longe.

Após uma hora de corrida emocionante, a tundra começou a ficar distante e um deserto negro começou a surgir. Não tinha vegetação que eu pudesse perceber. Parecia que o chão era feito de carvão. Não era areia... apenas terra... queimada?

Quando chegamos nesse território totalmente negro e sem vida, notei algo muito mais perturbador a distância.

— Filhote, estamos perto da terceira camada. O interior de Enir...

Era um... não tem uma palavra que classifique o tamanho absurdo do que estou vendo. Era um buraco colossal! Isso que estávamos bem longe dele!

Qual o tamanho dessa desgraça?!

Ragnar estalou os dedos de leve, bons metros antes de chegar perto do buraco, e todos pararam a investida.

— Temos que decidir o que faremos.

Kasmet assentiu e logo deu sugestão: — A horda deve estar longe. A vibração no solo existe, mas não vem de baixo...

— Então essa é a nossa melhor chance. Só temos que ser furtivos. — Sha’l complementou.

— Amon, você sabe onde o ovo está localizado? Você quem nos contou antes.

Amon estava quieto, mas depois da pergunta, não teve como se manter assim.

— Se fosse tão fácil, eu mesmo teria vindo aqui sozinho me livrar do ovo. Nem a besta que eu retirei essa memória sabia onde o ovo estava.

Por que sinto que informações importantes estão sendo ditas? É horrível não entender eles!

Sha’l assentiu e finalizou: — Temos que descer o mais rápido possível, sem alertar as Bestas Mágicas lá embaixo. Quando entrarmos no interior, o Amon terá que ir o mais fundo possível, enquanto nós procuramos nas passagens próximas. Todos de acordo?

Amon sorriu e os outros assentiram.

Ragnar, de repente, disse algumas palavras para mim: — Esteja preparado para fechar os olhos e ser forte. O que o Dragão Negro e as hordas fazem para ter poder, pode te amedrontar daqui para frente.

Engoli seco. O que é esse climão todo? Firmei o aperto nas roupas do Ragnar. Não quero cair das costas desse maluco aqui, não!

Sem dizer mais nada, ouvi aquele zunido de novo, do ar passando em alta velocidade pelas minhas orelhas. O Ragnar simplesmente investiu muito mais rápido do que antes para o buraco.

Olhando finalmente de perto, não consegui segurar o susto do tamanho do negócio.

Se a montanha onde treinei era grande, quero que saibam que esse buraco, no mínimo, é dez vezes ou mais vezes maior que a montanha inteira!

Agora fazia todo o sentido o nome de “interior de Enir”... PORQUE É O FUNDO DE ENIR!

Sem me dar chance de pedir para ficar para trás, os líderes saltaram para dentro do abismo. NÃO TEM FUNDO?! Era tudo escuro e não parecia ter fim!

Olhei para os lados e todos estavam usando métodos diferentes para diminuir a velocidade da queda.

Sha’l era tão leve e veloz que conseguia correr pela parede para baixo, como se o sentido do espaço tivesse mudado! Que porra é essa?!

Já o Ragnar, estava constantemente controlando a queda com minúsculas explosões vindas de baixo. Não fazia sequer um barulho.

O pior foi a cena que Amon e Kasmet estavam me entregando.

Na maior cara de pau, o Anão estava segurando nas pernas do Amon, que planava com as asas abertas! É UM SEM-VERGONHA MESMO!

A descida do Ragnar levou alguns minutos, mesmo que estivesse diminuindo a velocidade, era fundo demais.

O céu já estava mais escuro, perto da noite, então a iluminação era mínima no fundo.

Acredito que todos aqui tenham capacidade de lidar com a escuridão sem precisar usar magia, né?

Como os meus olhos ainda se mantiveram quase como os de um Tigre Amba, o escuro não era um problema.

No entanto, esse mundo maldito não parava de me surpreender. Bem no fundo do interior de Enir, era possível ver uma enorme passagem, quase como a boca do inferno. Deve ter mais de dez metro isso...

Com a voz baixa, Ragnar falou: — É hora de irmos rápido. Amon, vá na frente.

Todos assentiram e foram em direção da entrada gigante, sem fazer um barulho sequer.

Não preciso comentar que tô tomando cuidado com a minha respiração para não soar alta.

Eu já tinha notado quando alcançamos o fundo, mas dava para ouvir grunhidos ressoando pela caverna. E, conforme mais perto da passagem estávamos, mais perceptível era.

O rosto de todos estava dizendo que não queriam estar ali. Só o Diabo mantinha algum sorriso.

Assim que passamos pela entrada, Amon desapareceu da minha visão, como se tivesse virado pó! Essa é uma Habilidade dele?

Olhei para os lados e notei muitas outras passagens. Algumas pequenas, outras grandes. Para onde leva e por que tem tantos sons soando por elas?

No entanto, percebi o motivo do desgosto no rosto do pessoal... Assim que passamos perto de uma das passagens menor, eu vi... E o aviso do Ragnar para fechar os olhos passou na minha cabeça na hora...

Eram fêmeas sendo abusadas. Não só isso, o cheiro pungente de sangue e fezes estava misturado.

Por que estão fazendo isso? Para que isso?!

Eu só pude ficar com nojo enorme desses desgraçados. Senti arrepio por todo o meu corpo, como se quisesse estraçalhar o que estivesse fazendo isso tudo.

Ragnar me avisou antes do que a horda e o Dragão Negro eram capazes de fazer pelo poder... Estão sequestrando fêmeas para procriar aqui e aumentar o exército.

Mas... O quão grande é a horda para fazer esses quatros líderes não arriscarem aqui dentro?!

Parecia interminável esse túnel principal. Era como se atravessasse o continente inteiro, porque não via o final mais à frente.

Sha’l, que estava mais a frente, mudou de direção, fazendo o Ragnar e o Kasmet mudarem também. O que foi que viram?

Assim que pararam atrás de uma parede, eu tentei ver o que estavam evitando, mas o Jubão colocou a mão no meu rosto.

— Não olhe. — Ragnar me repreendeu. Ele estava suando um pouco... Talvez de nervosismo.

— É um Legiante... — Kasmet parecia que queria gritar, mas se controlou ao máximo. — Se tem um aqui no início, o maldito deve ter criado mais.

O que diabos tão falando! O que é que não posso olhar?!

Sha’l veio com um pensamento: — Se ele não se moveu, significa que está dormindo... Senão o Amon teria sido descoberto.

— Vamos ter que arriscar. Se estiver dormindo de fato, não teremos problema. — Ragnar decidiu e falou comigo em seguida: — Filhote, nunca procure olhar para um Legiante. Principalmente esses que só podem ser sentidos.

Legiante... É isso que estão evitando então. Mas por que não posso olhar? Será que só pode ser encontrado com a emissão de Chi ou Mana ao redor?

Vou evitar de testar, vai que inicio um monte de problemas para eles.

Ragnar se revestiu com Mana e começou a correr para mais fundo.

Pelo visto aquilo que estavam com medo não acordou. Fomos muito mais longe e evitamos outras Bestas Mágicas no caminho, mas parecia sem fim.

Assim que eu já estava me duvidando do fato de existir o ovo, círculos vermelhos surgiram do nada, no meio da escuridão, e um grande sorriso branco apareceu.

Os líderes pararam no caminho e perguntaram: — Encontrou?

— Sim. Entretanto, há um grande problema... Leãozinho, você realmente acha que temos poder suficiente para acabar com isso agora?

— O que você quer dizer com isso, Amon? — Ragnar parecia duvidoso e desconfiado da pergunta.

— Eu não passei além para confirmar, mas sem dúvidas é o único lugar onde pode estar guardado. Só na entrada já tem um Legiante protegendo. Um Sem-Nome. — Amon parecia incomodado.

Todos tremeram quando ouviram o que ele disse.

— Ele está dormindo também? Não tem como você ter voltado aqui se não fosse por isso. Aquela criatura não o deixaria em paz.

Amon não respondeu. Mas os líderes parecem ter pensado da mesma forma.

— Vamos ter que passar por ele para saber se somos capazes ou não de lidar com o que está por vir. Se for apenas o Legiante, poderemos fugir... Mas se tiver mais alguma coisa lá dentro, é provável que nós sejamos mortos se tentarmos fazer algo. — Ragnar concluiu o que estava pensando.

Kasmet respirou fundo e parecia estar pronto para a futura batalha.

— É agora ou deixaremos para o nascimento. Tu sabe disso, Ragnar. Lutar com o nosso máximo ou juntar o máximo e lutar. — Kasmet seguiu na frente, mais convicto que todos.

— Sim, Kasmet. — Ragnar pela primeira vez pareceu demonstrar algum respeito pelo velho Anão.

Com os gritos recorrentes, seguimos para onde o Amon estava nos levando. Depois de diversas múltiplas entradas e passagens, encontramos outra passagem imensa. Não tão grande quanto a entrada, mas era comparável.

Próximo da entrada, ao lado, estava uma enorme pedra com uma coisa seca presa. Parecia ter o formato de alguma coisa que assemelhava a algo humanoide. Parecia um desenho de gosma na pedra. Era tão magra que seus membros e corpo se assemelhavam a galhos. Sua cabeça não tinha rosto, era toda negra.

Parece aqueles desenhos de criança... Boneco Palito! É um boneco palito versão macabra!

Eu, com toda a certeza, podia jurar de pés juntos que essa desgraça estava morta. Mas, ela está respirando! Como ela respira!

Me arrepiei inteiro.

Jubão, eu posso olhar para isso?! Não tem problema? Eu já quero fechar os olhos e não olhar nunca mais!

Os líderes não usaram um pingo sequer de magia para passar por isso. Apenas evitaram olhar para ela e caminharam lentamente para além da passagem.

Era possível notar uma mínima iluminação dentro. Estava longe, porém era óbvio que tinha algo mais ao fundo.

Depois de ter passado por aquela coisa escrota na pedra, todos cobriram seus corpos com Mana e começaram a correr sem barulho algum.

Assim que finalmente entramos na caverna que tinha iluminação, o corpo do Ragnar ficou tenso. Como eu estava em contato direto com ele, senti plenamente a Mana dele ficar densa ao ponto de me sufocar.

Não só ele parou abruptamente, mas os outros também.

A respiração deles estavam pesadas. Mesmo depois de atravessar diversos biomas e lutar no mesmo dia, esses malditos não estavam tão cansados! O que tá rolando? Por que só eles sentiram alguma presença?

Como tinha me assustado com a Mana do Ragnar, quase me botando para dormir, não notei que tinha um pedestal no centro do lugar, próximo de um fogo roxo flutuante, que iluminava o espaço ao redor.

Não só isso, mas iluminava outras coisas... Quatro outras coisas...

Sério?! É por isso que vocês pararam?!

No centro do pedestal estava o que parecia com um ovo... Só que azul e coberto de algo que parecia com escamas...  E, ao lado dele, estavam algumas Bestas Mágicas...

Jubão... Não querendo dizer nada aqui... Mas não era para você fazer algo agora?!

No alto, estava uma imensa ave cinza, com as suas penas refletindo a luz, como se fosse metal puro. Do lado direito estava um lagarto vermelho absurdo de largo. E tinha também um urso com pelo verde mais ao fundo da sala.

Assim que expirei outra vez, notei que eles nos olhavam. Eles nos viram chegar... mas não se moveram...

Nessa hora, olhei com cuidado e notei algo ainda mais próximo de nós... Quase literalmente na nossa frente.

Tinha um lobo, de cor negra, camuflado na escuridão... Eu não tinha percebido até que ele bufou.

Tremendo a cabeça, olhei com dificuldade o rosto dos líderes. Eles estão aterrorizados. Até o Amon estava com cara feia...

Sentindo que a minha vida estava em perigo, vi o movimento devagar e trêmulo do Ragnar.

Rígido, ele firmou os pés no chão, seus músculos estavam prestes a estourar o tecido das roupas. Posicionou os dois punhos para trás e os rotacionou.

— DEVASTAÇÃO CELESTE!

A explosão foi direta contra o lobo negro que estava na nossa frente. O lagarto e o urso se colocaram na frente do ovo.

Em contrapartida, a explosão foi o impulso que precisávamos para vazar de lá!

Antes tínhamos sido cuidadosos em todos passos, mas agora parecia impossível sair dessa forma.

— ELE JÁ ESPERAVA POR NÓS! — Kasmet não suportou mais e berrou.

A velocidade era incomparável agora. Tínhamos que sair de lá o mais rápido. E pior! Alertamos todos nesse fim de mundo! Todos são inimigos aqui!

Antes, as passagens que iriamos seguir corretamente, agora estavam sendo destruídas com as explosões e golpes dos líderes. Tudo estava desmoronando atrás de nós, para evitar uma perseguição.

Assim que estávamos naquele caminho reto, que levava direto para fora do interior de Enir, incontáveis criaturas estavam esperando por nós.

Ragnar não perdeu tempo e começou a soltar mais e mais explosões por trás de nós, voando como uma bala para frente. Ele começou a torcer o corpo para acompanhar a aceleração.

Eu vou acabar vomitando... Ugh...!

Senti sangue espirrar em mim. As explosões estão tão fortes que, conforme atravessamos as bestas, elas são atingidas pelo impacto e massacradas!

Boom!

Ragnar bateu contra a parede com os pés. No último momento, que iriamos bater com tudo, ele conseguiu enviar uma explosão por baixo, fazendo-o girar o corpo em outra direção. O impacto foi tão grande que senti meus órgãos revirarem. Mas, pelo menos, estávamos no início do interior de Enir...

Assim que a tontura passou, olhei aquele mar de Bestas Mágicas vindo em direção da entrada. A lua iluminava do topo. Vai dar para fugir!

Quando pensei nisso, olhei para cima.

Você só pode tá de brincadeira comigo...

Tinha uma horda retornando para o interior.

Não bastava já ter uma horda infinita aqui dentro, tinha que ter outra voltando!

Jeanne! Por que me colocou num mundo tão difícil?!



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