Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 9: Espelho Cruel

 

 

Na movimentada metrópole, as calçadas estavam lotadas de transeuntes que com passos rápidos, se apressaram para seus compromissos, e o badalar do sino da majestosa catedral que compunha aquele cenário caótico ressoava pelo ambiente e acordava Arthur de seu estupor.

 Se assustando com um carro que freou bruscamente para não o atropelar, ignorou os xingamentos proferidos e olhou ao seu redor, buscando compreender onde estava, quem era e o que fazia ali, mas não conseguia se recordar.

Sentiu uma mão quente puxar seu braço em direção a calçada e, por puro reflexo, a seguiu sem contestar.

Quando finalmente tentou descobrir quem era a pessoa, viu uma mulher de cabelos cacheados que o encarava com preocupação, ele sabia quem era, mas não conseguia recordar seu nome, por mais importante que sentia que ela fosse.

― Está louco, quer morrer?

― Me desculpe, estou meio perdido ― respondeu com insegurança, ainda não compreendendo o que estava acontecendo.

Ao focar seu olhar em seus olhos castanhos, uma tristeza devastadora tomou o seu ser, mesmo que não pudesse entender o porquê daquilo, só teve o impulso de abraçá-la com força e carinho.

― Você está bem? ― ela perguntou com um semblante que denotava como estava perdida com a atitude inesperada. ― Vai dar tudo certo, é só uma consulta, tenho certeza que seus exames foram bons.

       Era estranho para ele, por mais que não compreendesse com exatidão o que estava acontecendo, sabia vagamente do que ela estava falando, o fazendo buscar com todas as suas forças, as memórias que pareciam soterradas em sua mente.

Enquanto olhava ao redor, focou sua atenção em um prédio enorme próximo a eles, que sua estrutura funcionava como uma tela que passava imagens como uma TV, e nele estava passando notícias de mais um episódio da guerra religiosa em outro continente, onde mostrava pessoas correndo, cobertas de fuligem, enquanto fugiam da morte certa.

― O homem é o lobo do próprio homem... ― disse a mulher com pesar, enquanto encarava a tela. ― Não se preocupe, você já cumpriu seu serviço.

Aproximando seu corpo do dele, ela entrelaçou seus braços em seu corpo e se aproximou para o beijar, e apesar de não conseguir nem dizer qual era o nome dela, seu corpo ansiava para beijá-la.

Quando seus lábios se tocaram, fechou os olhos e sentiu uma onda de calor espalhar por todo o seu corpo o fazendo se deleitar com um prazer que nem sabia que poderia sentir, mas logo sentiu seu corpo se resfriar e um sentimento estranho de ondas fracas que batiam pelo seu corpo tomar conta.

Abriu os olhos e um sentimento de desespero tomou conta, todo o cenário que se encontrava antes sumiu, e agora estava dentro de um tanque de água com uma máscara de oxigênio em seu rosto e a única coisa que conseguia ver com exatidão era seu próprio reflexo.

Um homem de cabelos longos e corpo bem definido o encarava de volta, apesar de saber que era ele mesmo, não parecia muito com a imagem que se lembrava de si mesmo, parecia mais velho e desgastado, com cicatrizes que permeiam todo o seu corpo bem torneado.

Em meio a sua auto avaliação, não teve tempo para continuar a reparar as diferenças, pois uma porta se abriu e enviou um pouco de luz para o ambiente que revelou um homem que se aproximava calmamente dele.

Trajava roupas simples, com um jaleco branco por cima e seus olhos azuis como o mar, encarava o homem no tanque com sentimentos que ele não conseguia compreender de tão complexos que pareciam.

― Não se preocupe meu amigo, vou fazer mais do que te salvar.

Ele estava confuso, não podia ligar de maneira clara as falas do homem com a situação, queria perguntar, mas não conseguia na forma que se encontrava, tudo que podia fazer era encarar ele, na esperança que pudesse compreender as perguntas que tentava fazer.

Observou o homem ir até o computador próximo a eles e digitar uma série de comandos que não conseguia compreender.

Foi como se um raio tivesse o acertado, com uma dor profunda que o fez apertar os dentes e fechar os olhos de forma involuntária, uma percepção da realidade o atravessou, aquele não era o mundo em que vive, o cenário que viu antes, a catedral e as ruas movimentadas eram muito semelhantes das histórias que tinha lido dos viajantes.

Percebendo que estava navegando em uma realidade que não existia mais, pensou em buscar respostas com o homem, tentou abrir seus olhos.

Quando finalmente conseguiu, olhou ao redor e reparou que a cena tinha mudado novamente, mas diferente das outras vezes, sentiu que era um fantasma no ambiente e não passava de um observador.

O lugar era um caos, um campo de batalha bizarro que tinha corpos espalhados por toda sua extensão, membros decepados podiam ser vistos misturados pelas fuligens que cobriam todo o lugar.

Era um cenário caótico difícil de compreender, pois em meio aos corpos humanos que estavam jogados pelo ambiente, reparou em um soldado específico que tinha seu corpo dividido ao meio, mas não era feito de carne, e sim de metal, com um líquido azul caindo de sua carcaça.

Buscando no conhecimento que tinha previamente do mundo dos viajantes, percebeu que eram os seres chamados de andróides.

Antes que pudesse sequer começar a desvendar o enigma daquele ser, um estrondo colossal rasgou o ar. Uma explosão de magnitude inimaginável irrompeu, desencadeando uma força tão devastadora que poderia reduzir uma cidade inteira a escombros. O céu foi consumido por um cogumelo de fumaça e fogo, uma coluna gigantesca que se erguia como um monstro despertado.

O impacto reverberou com uma força brutal, uma onda de choque invisível que varria tudo em seu caminho. Edifícios tremiam até os alicerces, vidraças estilhaçaram-se em milhares de fragmentos cintilantes e o chão tremia como se a própria terra estivesse com medo.

E no centro de tudo isso, um ser permanecia imóvel, como se o caos ao seu redor fosse apenas um sussurro distante.

Algo dentro de Arthur o dizia para ir até aquele ser, o fazendo caminhar até aquele homem que se encontrava onde tinha sido o centro do impacto e, permanecia intacto como se nada pudesse o abalar.

Quando chegou em uma distância que pudesse olhar com exatidão a fisionomia dele, viu homens caírem dos céus em volta dele e começaram atacá-lo.

A batalha era de verdadeiros monstros, cada golpe trocado entre eles, criavam rachaduras por todo o chão, e um simples soco cortava o ar e abria crateras pelo solo já castigado.

Mas não foi a demonstração de poder em uma escala quase inimaginável que capturou a atenção de Arthur. Não foi o fato de que o homem havia suportado o impacto de uma explosão tão devastadora sem mostrar sinais de desgaste. O que realmente prendeu o olhar de Arthur, o que realmente o fez parar e prestar atenção, eram as feições do homem.

Ele tinha longos cabelos negros que caíam livremente sobre os ombros, e olhos castanhos que pareciam guardar segredos insondáveis. Mas era a semelhança com Arthur que era verdadeiramente impressionante. O homem parecia uma versão mais velha dele mesmo, como se estivesse olhando para um espelho que mostrava não apenas seu reflexo, mas também seu futuro.

Era essa imagem, essa versão mais velha de si mesmo, que assombrava os sonhos de Arthur quase todas as noites. Era como se estivesse sendo perseguido por uma sombra do que poderia vir a ser, uma sombra que agora estava diante dele em carne e osso.

O homem estava em uma dança louca enquanto batalhava com aquele grupo de homens, desviando de todos os seus golpes com extrema facilidade, parecia até que estava somente brincando com eles e com o intuito de humilhá-los com sua superioridade.

Foi em meio ao caos da batalha que ele notou a aproximação de Arthur. Seus olhos se fixaram no jovem, um brilho estranho dançando em suas íris vermelhas como sangue, enquanto um sorriso enigmático se formava em seus lábios. Com uma determinação silenciosa, ele plantou o pé no chão com uma força que fez a terra tremer.

Em resposta ao seu comando, espinhos de pedra irromperam do solo. Eles surgiram como serpentes, torcendo e girando com uma velocidade vertiginosa. Em um piscar de olhos, os espinhos perfuraram os corpos de seus oponentes, atravessando armaduras e carne com igual facilidade.

O campo de batalha ficou em silêncio, a poeira se assentando lentamente enquanto os espinhos de pedra permaneciam imóveis, agora manchados pelo sangue dos caídos. A batalha havia terminado.

O homem, então, ergueu as mãos para o céu. Chamas dançaram em suas palmas, um fogo ardente que parecia ter vida própria. Com um movimento fluido, ele lançou as chamas sobre os corpos de seus adversários. O fogo consumiu tudo em seu caminho, transformando carne e osso em cinzas que se dispersam ao vento.

Com um estalar de dedos, um vendaval surgiu do nada. Era uma tempestade selvagem que varria o campo de batalha, levando consigo qualquer vestígio dos homens que haviam caído ali. Quando a tempestade se acalmou, nada restava além do homem e do silêncio.

Um sorriso estranho brincava em seus lábios enquanto ele observava o rapaz à distância. Com um gesto convidativo, ele chamou o rapaz para se aproximar. Então, com um aceno de mão, ele conjurou uma mesa de pedra sólida e duas cadeiras robustas do chão. Sem dizer uma palavra, ele se sentou, o convite silencioso pendurado no ar entre eles.

Ele aceitou o convite e sentou-se frente ao homem que foi o primeiro a falar: ― Não fique assim, estávamos em nosso auge nessa época.

― O que?

― Hahaha, eu sou você, sei o que está pensando.

Arthur ficou estranhamente calmo apesar da revelação, por mais bizarro que fosse tudo isso, algo dentro de si, já dizia isso para ele.

― O que foi tudo isso que vi?

― Depende, pode ser seu passado renegado ou destino irremediável.

― O que quer dizer?

― Quem sabe? ― o homem só deu de ombros com o sorriso de deboche pendurado em seu rosto. ― Faça a pergunta correta.

O rapaz entendeu mais ou menos o que ele queria dizer, deveria ir por partes para descobrir o que estava acontecendo.

― Você é realmente uma versão minha do passado?

O homem revirou os olhos, deixando claro que a pergunta o decepcionou e respondeu com ar de sarcasmo: ― Não, sou um demônio que se apossou de seu corpo e quer corromper sua alma.

― Sério?

― Você está me tirando, moleque?

Ele sabia que o homem estava brincando, mas não queria aceitar que aquilo um dia foi ele.

― Eu sou um viajante?

― Sim e não ― respondeu rapidamente o homem.

― Nossa, esclareceu todas as minhas dúvidas ― disse Arthur enquanto revirava os olhos com sarcasmo, até se tocar que o outro fez algo parecido anteriormente e se sentir mal com a semelhança.

― Todas as pessoas possuem um eu passado?

― Não sei, somos diferentes dos demais, frutos de uma busca para ir contra os deuses e ao destino de ser extintos.

 A explicação que lhe foi dada, só deixou sua mente ainda mais em conflito, não consegui entender o significado oculto de suas palavras.

― Porque minhas memórias estão trancadas dessa forma?

Pela primeira vez o semblante do homem mudou, mostrando o que provavelmente era sua verdadeira face, um homem cansado e triste que parecia uma figura solitária que não tinha mais sabor pela vida.

― Para termos a chance de recomeçar e termos um destino que se difere do anterior.

― Então eu não queria me lembrar, mas não conseguia apagar minhas memórias?

― Errado.

― Então o que? ―  perguntou o rapaz sem paciência. ― Qual o sentido disso, quem ou o que eu sou?

O sorriso retornou ao rosto da versão mais velha de Arthur, um sorriso que parecia ter o poder de mover mundos. E, como se o próprio universo estivesse sintonizado com seu humor, o chão começou a tremer sob seus pés. Era um tremor suave, quase imperceptível, mas suficiente para fazer Arthur perceber que algo estava mudando.

Então, a voz familiar de sua amiga ecoou pelo ambiente, uma melodia doce que cortava o silêncio como uma lâmina afiada. A voz o chamava, puxando-o de volta à realidade, lembrando-o do que havia acontecido antes de embarcar nessa jornada surreal.

As memórias inundaram sua mente, trazendo consigo uma sensação de urgência. Ele podia sentir que estava à beira de acordar, à beira de deixar esse mundo estranho para trás. E enquanto o chão tremia e a voz de sua amiga ressoava em seus ouvidos, Arthur se preparava para o inevitável despertar

― Me diga! ― Pediu antes que aquele mundo ruísse.

― Caos ― escutou aquelas palavras ressoarem antes daquele mundo afundar em sombras.

 


Caro leitor,

Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.

Além disso, se houver alguma teoria intrigante, ou se quiser discutir possíveis desdobramentos da trama, estou ansioso para ouvir suas ideias brilhantes. Sua participação é vital para o progresso desta história épica!

Agradeço imensamente por dedicar seu tempo a ler minha obra. Seus comentários e apoio são a verdadeira força motriz por trás deste projeto. Mal posso esperar para compartilhar o próximo capítulo com você em breve!

Me siga no instagram e fale comigo pessoalmente se preferir.



Comentários