Volume 1
Capítulo 10: Minha Escolha
Respondendo aos chamados desesperados de sua amiga, Arthur despertou em um estado de confusão. Ele não estava mais na casa de Lucy, mas nas ruas alagadas da favela. A falta de saneamento básico transformou as ruas em canais semelhantes aos de Veneza, embora infestados de ratos em vez de gôndolas elegantes.
Seu corpo parecia pesado, como se estivesse preso por correntes invisíveis. Sua respiração era pesada e arrastada e, ele mal conseguia suportar o próprio peso. Enquanto lutava para recuperar o foco na realidade ao seu redor, sentiu uma estranha maciez sobre si.
Ele estava ajoelhado em uma das pernas, com o braço submerso no rio formado pelos esgotos. Segurava a cabeça de um homem cujo rosto não conseguia ver, pois estava de costas para ele. Mas notou o uniforme que o homem usava, era o mesmo dos guardas que tinha visto anteriormente.
A realidade da situação começou a se infiltrar em sua consciência confusa. Ele estava no meio da favela, segurando a cabeça de um guarda morto submerso nas águas sujas do esgoto. E tudo o que podia fazer era tentar entender como tinha chegado ali.
A compreensão atingiu Arthur como um raio. Ele havia matado alguém. As memórias do que tinha feito até chegar àquela situação inundaram sua mente, ele percebeu que essa não era a primeira vítima, mas a segunda.
Não tinha controle dele mesmo, era como se uma entidade tivesse se apossado de seu corpo, lembrou-se que não passava de uma versão de si mesmo e, por mais que quisesse culpar outro por seus atos, no fim era ele mesmo.
Ele nunca havia matado alguém antes, a sensação do sangue quente alheio em seu corpo começou a assombrar sua mente com as lembranças de como matou os dois homens. A brutalidade de seus atos pesava sobre ele como uma pedra, um lembrete sombrio do que ele havia se tornado.
Foi então que ele notou a presença daquela que o havia acordado de seu estupor. Laís o encarava com emoções distantes em seu rosto. Ao ver aquele que jamais tinha observado antes em sua amiga, olhou para aquelas águas sujas que refletiam sua imagem como um espelho sujo e viu uma imagem de si mesmo que não queria aceitar, completamente banhado no sangue daquele homem, cujo estômago havia sido perfurado.
“Eu sou um monstro.” foi tudo o que ele conseguiu pensar.
A chuva se tornou torrencial enquanto ele parecia hipnotizado com sua própria visão, o fazendo ignorar completamente os dois homens que sobraram.
― Filho da puta, psicótico, você vai pagar por isso ― disse aquele que tinha se mostrado como o líder anteriormente, enquanto avançava com fúria empunhando sua espada e dividindo as águas à sua frente com um vento que mais parecia uma lâmina dividindo seu caminho.
Antes que pudesse alcançar o rapaz, o caminho à sua frente começou a borbulhar e a água a sua frente evaporou com a chegada de uma figura de que ficou escondida pela fumaça criada e fez o homem recuar.
― Afaste-se, eu não quero lutar ― falou Laís em tom de aviso, deixando claro o fim que teria, caso não fosse escutada.
O homem com um olhar sedento e claramente embebido por ódio, não mostrou nenhum sinal de se acalmar.
― Acha mesmo que vai acabar assim? ― falou com clara exasperação e descontrole. ― ELE MATOU MEU CUNHADO, O IRMÃO COM O QUAL CRESCI!
Aquelas palavras não causaram um grande impacto na mulher, mas deixaram Arthur ainda mais desnorteado e sem um rumo para suas ações. Ele não conseguia entender por que fez aquilo; sentia raiva de como ele tratava aquela menininha, mas isso não lhe dava poder para ser juiz da vida ou morte para alguém, era o que achava.
Com esforço, ele se levantou e tentou se afastar do corpo, mas estava cansado demais para se mover com perfeição e acabou tropeçando e caindo ao lado dele, que estava boiando com metade do rosto para fora.
A imagem do rosto cheio de horror jamais seria esquecida por Arthur e um flash de memória de pouco tempo atrás tomou conta de sua mente.
Ele se lembrou de quando, sem piedade, conseguiu vantagem na batalha, quebrou as pernas e braços do homem e começou a afundar sua cabeça para afogá-lo. O homem implorava para viver, tentou ganhar sua piedade ao falar que tinha uma filha.
A imagem de si mesmo naquela cena fez seu estômago embrulhar. Ele pensou no fato de ter deixado uma filha sem pai e começou a vomitar.
― Está escutando seu monstro, você não vai escapar ― falava o guarda com um profundo ódio em sua voz e avançou novamente, deixando claro seu intuito de atravessar e rasgará Laís ao meio se fosse necessário. ― Saia da frente, ou tirarei a força.
Apesar da intenção sanguinária que irradiava do homem, ela não mostrou um pingo de medo e manteve-se firme em sua posição: ― Você não me deixa escolha.
Ela estalou os dedos e fez uma barreira de chamas surgir e circular em volta dos homens, fechando o caminho para eles e criando uma neblina por todo o ambiente, tornando até a visão um grande empecilho naquela batalha.
― Você acha que pode me parar só com isso? ― Exclamou o homem que cortou as chamas usando sua lâmina de vento e entrou na neblina que foi criada pelas chamas.
― E quem disse que esse era meu intuito? ― respondeu a garota que surgiu próximo a ele com um movimento rápido e segurando algo que não podia ser visto com exatidão, devido à forte neblina.
O homem por puro reflexo, colocou a espada em posição de defesa para proteger a lateral do seu corpo, mas o golpe que recebeu estava acima de qualquer imaginação que poderia ter.
Um enorme martelo de pedra imbuído de energia primordial, com uma força avassaladora o arremessou para longe, limpando até mesmo a neblina e fogo à sua volta, o fazendo voar acima de todas as casas da favela, caindo em cima de uma delas.
Ela olhou para o homem que sobrou com clara intenção de aviso, apesar de ele ter tremido só com o olhar dela, falou com dificuldade: ― Pre..pre...te...ten...de fi...car co....con..tra a lei?
― E se eu ficar? ― respondeu dando as costas para ele e caminhando em direção ao seu amigo.
O rapaz notou a aproximação de Laís e sentimento de tensão fez seu coração palpitar, ele não conseguia olhar diretamente em seus olhos, tinha medo do que ela pensaria sobre ele, e sentia que não estava preparado para suportar algum sentimento de repulsa advindo dela.
Ao perceber que ela estava a um passo de suas costas, seu olhar vazio e amedrontado se inundou de lágrimas que denotavam seu desespero.
― Me perdoa, eu não queria isso ― Implorava enquanto se debulhava em lágrimas.
Todavia, diferente de palavras frias ou qualquer frieza e repulsa que esperava, sentiu o calor em suas costas e viu os braços delas se entrelaçam em seu corpo, como uma mãe que buscava acalmar seu filho.
― Quem disse que precisa se desculpar, você não é um monstro ― a voz dela acalmava o coração de Arthur e estabilizava seus sentimentos.
― Mas eu os matei.
― Eu sei, você estava nos protegendo.
Ele sabia que não era tão simples, mas nem ele conseguia compreender direito que tipo de sentimentos eram aqueles que o levaram até aquele momento, só conseguia se lembrar das visões de sua vida passada e o homem que era uma versão mais velha de si.
Sabia que era aquela figura poderosa que não passava de uma versão sua, que tinha tomado sua mente. Não sabia como explicar, então escolheu receber aquele calor que era tão importante para si naquele instante.
Acordando um pouco de sua confusão, lembrou-se da menina e da senhora que os ajudou, percebendo que não as via e nem se lembrava o que aconteceu com elas.
― Lucy e a menina, o que aconteceu com elas?
― Quando escutei os estrondos do combate que se iniciou, saí pouco depois para entender o que aconteceu, vi a senhora cuidando de Robin e ela me contou sobre você.
― Conhece ele? ― perguntou ao estranhar como ela sabia dessa alcunha.
Com um sorriso triste respondeu: ― Era ele que queria te apresentar, mas parece que saiu tudo dos trilhos né.
― É... ah! E a menina?
― Deixei no quarto e depois avisei a senhora para cuidar dela.
― Ela viu... ― Arthur teve dificuldades para continuar a frase, engasgado com as palavras.
― O corpo no chão?
― Sim...
― Não, eu a deixei no quarto e acho que Lucy também não acha uma boa visão para crianças.
― Nem para ninguém... ― o sentimento de melancolia tomava conta dele e logo a garota notou.
― Vai ficar tudo bem, vamos dar um jeito, vamos escapar ― disse Laís, tentando confortá-lo.
― Eles sabem os nossos rostos ― ele respondeu preocupado.
― Mas não sabem nossos nomes.
Arthur respirou fundo em busca de uma saída, olhando ao redor, vendo as casas e percebeu as pessoas nas janelas que tinham observado todos os acontecimentos em silêncio. Sentindo ainda mais vergonha de suas ações.
Um homem em uma das janelas que mantinha um olhar com emoções que ele não conseguia compreender, notou seu olhar focado nele e ao invés de se esconder, colocou seu corpo na beira da janela e gritou na direção dos dois.
― MATE ELES!
Arthur se assustou com aquilo, entendeu que queriam eles mortos e que realmente era um monstro em suas visões.
― MATE OS RATOS DO GOVERNO, TERMINE COM ELES ― gritou novamente o homem na janela.
A nova compreensão das falas do homem, foram completamente diferentes do que esperava. Antes que pudesse pensar de maneira racional, escutou um levante desta chamada entoar por todos que estavam assistindo em suas janelas, criando um verdadeiro cenário de caos.
“para eles, nós somos a justiça?” tentava compreender o rapaz, que já não conseguia dizer o que era o certo e o errado, pois tudo aquilo que conhecia, o mundo da forma que tinha visto até então, parecia só um conto de fadas, de um garoto que foi protegido do mundo real e acreditava que a justiça era fácil de compreender.
E agora, não conseguia dizer quem era o herói ou vilão naquela situação, só conseguia ver o caos do cinza.
― Quero te fazer um pedido ― disse o rapaz em direção ao guarda remanescente, que tinha ficado cansado e só agora buscava se levantar, aparentemente assustado com a revolta popular.
O homem que olhava para todos os lados e claramente assustado com aquele ambiente de ódio que pediam sua sentença de morte, direcionou um semblante confuso para Arthur em resposta: ― O que você quer?
― Uma saída ― Arthur mostrava a seriedade de sua proposta, mostrando que tinha finalmente recuperado o controle sob suas emoções.
― Você matou dois oficiais, está louco?
― Quer ser a próxima vítima?
O guarda sentindo o perigo iminente que aquelas palavras significavam, aceitou escutar: ― O que espera que eu faça, não posso deixar você livre, eu responderia por prevaricação.
― Eu não, ela e a senhora que estava conosco ― respondeu Arthur enquanto apontava para Laís.
― Espera, como assim? ― perguntou Laís assustada com o significado da proposta.
Arthur somente ignorou a garota e continuou: ― Me chamo Arthur Umbra, sabe o que significa certo?
― Umbra, uma das famílias do conselho? ― o homem perguntou incrédulo.
― Certo, minha família pode lhe recompensar se fizer o que te pedir agora.
O guarda ficou claramente perdido com a nova informação, não esperava que estavam em conflito com uma criança de uma das famílias do conselho, isso mudava totalmente o curso futuro.
― E aí? O que vai ser? Quer arriscar ir até a morte ou levar o único e verdadeiro culpado?
Arthur viu o superior do guarda surgir em cima de uma das casas e descer aparentemente tonto do golpe que recebeu anteriormente, mas com sua face ainda encharcada de ódio, mostrando que não tinha intenção de parar e ignorando os clamores da multidão.
― Senhor, espere ― o guarda se levantou com dificuldade, caminhou até o seu superior e contou a proposta que recebeu.
Arthur, o que você está fazendo? ― perguntou Laís, claramente com dificuldades para aceitar o que estava propondo.
― Só quero mitigar os danos e causar o menor dano na vida de quem amo ― disse enquanto encarava ela.
― Mas...
― Essa é a minha escolha ― interrompeu Arthur.
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Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.
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