Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 8: Justiça

 

 

O clima ficou mórbido, deixando claro o que a senhora queria dizer com aquilo, mas Arthur não sabia muito bem como se portar ou o que dizer para confortá-la, só conseguia olhar com melancolia e ficar em silêncio até ela recompor seus sentidos que pareciam ter ficado embriagados com as memórias.

Não demorou muito para ela retornar seu olhar para o rapaz, ele não conseguia decifrar o que aquele sorriso estranho que ela começou a mostrar para ele, queria dizer.

― O que foi? ― perguntou, um pouco incomodado com a atitude estranha dela.

― Você não é muito bom em ler as pessoas, não é?

― Não mesmo! ―  Laís diz, de forma direta, antes que Arthur pudesse responder, ficando com uma cara que não conseguia dizer se era deboche ou pena.

Apesar de se sentir embaraçado com ser frequentemente associado a um ignorante que pouco conhece do mundo, tinha que admitir sua dificuldade de compreensão com as variáveis da psique humana.

― Eu só não consigo compreender como se sente.

― E nem pode ― respondeu à mulher que voltou a se sentar com um olhar de quem mostrava a sabedoria advinda da experiência.

― Entendo… ― desistiu o rapaz de tentar argumentar.

A mulher fez um gesto com a cabeça o convidando para se sentar e encheu sua xícara com chocolate quente, o fazendo relaxar um pouco. Quando comeu os biscoitos que lhe foram oferecidos, caiu em deleite.

Percebendo a satisfação do rapaz com o lanche, sabendo que estava mais à vontade agora, decidiu falar:

― Você quer saber o que aconteceu com eles? ― encarava a foto dos seus familiares com carinho e pesar.

Ele se sentiu surpreso com a pergunta repentina, já que havia desistido do assunto, mas como não conseguiu compreender a situação muito bem anteriormente, sentiu que conhecer um pouco da sua história o ajudaria a ler melhor o ambiente futuramente, e balançou a cabeça com força em resposta à pergunta dela.

Lucy sorriu com um olhar que transmitia compreensão, mostrando que estava longe de ser só uma senhora boca suja.

― Já estudou sobre a guerra de dez anos atrás?

― A provocada pelo reino de Olirion?

Laís, que estava limpando a boca da menina que comia os biscoitos como se fosse um prisioneiro no corredor da morte, saboreando sua última refeição, mostrou desconforto ao escutar o assunto em pauta, sendo notada por Lucy, que somente estreitou os olhos perspicazes e continuou.

― Eu me alistei e lutei pelo futuro do reino de Elion.

Arthur ficou embasbacado, não conseguia imaginar essa senhora na casa dos sessenta, indo ao fronte de uma guerra, ainda mais, uma da magnitude que foi aquela.

― As pessoas envelhecem, jovem. ― falou a mulher como se estivesse lendo a mente dele.

― Enfim, achei que lutava por nosso povo, e o futuro de nossas crianças ― ela entoava essas palavras com força, lembrando-se do seu eu, do passado, mas logo seu semblante esvaece e um ar de melancolia tomou conta. ― Mas descobri que só era um peão sem importância no tabuleiro dos poderosos.

― O que a senhora quer dizer, foi uma heroína, imagine o que passaríamos com aqueles fascistas, morreríamos de fome!

― Hahaha!

Arthur, inesperadamente, foi pego pela gargalhada profunda da senhora, com um deboche que não conseguia compreender.

― Porque está rindo?

― Porque foi exatamente assim que eles morreram ― disse a mulher enquanto limpava os olhos, que apesar do sorriso que tomava seus lábios, tinha um olhar morto, de alguém que já tinha perdido fé na vida.

O rapaz tinha um olhar confuso, não conseguia  ligar as palavras da mulher, com a história que contará, havia lido e escutado muito sobre essa guerra, escutou milhares de vezes sobre os demônios que governavam Olirion, e “o que ela queria dizer com seus familiares morrerem assim?” pensou.

Ao ver a confusão que tomou conta do rapaz, Lucy suspirou profundamente e com um olhar cansado decidiu explicar de maneira mais concisa.

Com uma longa conversa, contou com detalhes como voltou da guerra. Descobriu que sua família, da qual ficou longe por muito tempo durante a guerra, morreu por inanição, pois, logo após os problemas de saúde da sua neta, gastaram todo o dinheiro que tinham de reserva, para pagar as despesas médicas, com a esperança de ser auxiliado pelo governo depois ou a volta dela para os ajudar.

O rapaz saiu de uma expressão de curiosidade, para o completo choque e desamparo, não conseguia encarar de maneira adequada, pois sentia vergonha do que disse antes, parecia até uma piada de mal gosto.

― Porque não os ajudaram...

― Porque somos pobres, o que eles iriam ganhar com isso?

― Mas você era uma brava heroína lutando na guerra!

― Não garoto, era um soldado, um peão para ser sacrificado no tabuleiro ― respondeu com um ar que esbanjava as dores do passado. ― Eu também teria morrido de fome, se não fosse o bardo que foi meu superior no exército.

― Um bardo? ― A menção deste homem, trouxe um sentimento de antecipação no rapaz, mas antes que pudesse continuar a conversa, pancadas fortes que pareciam que iriam colocar o muro da loja abaixo, ressoam e uma voz truculenta que gritava com autoridade pôde ser escutada.

― AQUI É A GUARDA, ABRA A PORTA FAVELADO!

Laís foi quem reagiu primeiro, que olhou para a senhora enquanto pegava a menina em seu colo, a mulher que parecia ter compreendido a situação, apontou para um dos quartos e logo chamou Arthur para acompanhá-la até a porta e pegar seu uniforme que não secará ainda.

Ele ficou sem saber como reagir por um momento, mas vendo as duas se escondendo no cômodo proposto, sentiu que não tinha escolha a não ser obedecer a senhora.

As batidas se tornavam cada vez mais violentas, deixando claro que iriam arrombar a porta se não fossem atendidos de imediato, fazendo o rapaz se irritar com tal agressividade, já que todas às vezes que esteve em contato com a guarda, sempre foram muito educados com ele e sua família.

Ele sabia que estavam escondendo a possível ladra procurada por eles, mas não tinha como saberem que ela estava ali.

Quando finalmente abriram a porta, revelou quatro homens encharcados pela chuva que claramente não estavam nada satisfeitos de terem sido colocados naquele trabalho, fazendo-os se tornarem ainda menos calorosos.

― Que demora dos infernos foi essa? ― disse aquele que parecia ser o superior no comando, enquanto entrava sem pedir permissão com seus subalternos. Um deles segurava uma corda que carregava uma sacola enorme, que ainda estava na chuva.

― Me desculpe, estava com um cliente importante ― falou Lucy enquanto encarava Arthur, que foi pego desprevenido, já que não combinaram nenhuma história previamente.

O homem analisou o rapaz de cima para baixo, especialmente em suas roupas simples que contrastavam com o uniforme encharcado em suas mãos e sua cara de burguês.

― O que um rapaz como você, veio fazer nessa área?

― Um amigo me recomendou essa doceria uma vez e fiquei fascinado com tamanho talento gastronômico ― respondeu com um pensamento rápido, parecia a melhor explicação que poderia dar naquele momento.

― Na periferia? ― o homem parecia estranhar a ideia de um jovem rico querer comer na parte pobre da cidade.

― Sim, o sabor dos seus doces são sublimes, os biscoitos parecem ter sido adoçados pelos deuses ― falava como se fosse um nobre excêntrico que era fascinado por comida.

― Entendo… mas que amigo foi esse?

Arthur não pode deixar de ficar irritado com as constantes perguntas, porque ele só não aceitava a história e o deixava quieto, era difícil mentir sem pensar previamente.

― Um rapaz que trabalhou servindo em meu aniversário.

― E decidiu vir para cá, devido ao que um garçom favelado te disse? ― ele parecia ter clara dificuldade em acreditar nas palavras do rapaz, apesar disso, levou a mão na testa como se não tivesse muita paciência e, decidiu ignorar o assunto, não tinha paciência para lidar com as excentricidades de um pequeno burguês, estava cansado e com frio.

― Enfim, estamos procurando uma pequena ladra, você viu alguma garota passar por essas ruas? ― perguntou para Lucy em tom de ordem.

A mulher teve seus olhos se estreitando enquanto levava uma mão ao queixo de maneira pensativa, deixando o rapaz preocupado com o que ela poderia estar pensando, será que ela os entregaria e desistiria de ajudar, o que deveria fazer então, não sabia o porquê estavam caçando-a exatamente.

Ao perceber que não sabia o que exatamente a menina tinha pego, achou que deveria perguntar, porque por mais que ela estivesse com fome, o que teria roubado para estarem a procurando com tanto afinco.

― Me desculpe por me intrometer ― decidiu tentar angariar informações, deixando a senhora intrigada com a ação repentina do rapaz. ― Mas o que foi exatamente roubado, quem sabe, poderíamos rastreá-la a partir disso.

― Impossível, aquela rata devorou antes que pudéssemos recuperar ― respondeu à autoridade com claro nojo em sua face, mostrando como sentia repulsa só de mencionar a criança.

― Como assim? ― estava claramente confuso com o que foi dito.

― A pirralha enfiou todo o pão na boca, antes que tivéssemos chance de recuperar.

Arthur ficou chocado, tudo isso devido a um pão, deve ter compreendido errado, não poderia acreditar que movimentaram a guarda só por isso.

O homem que notou a mudança de expressão do jovem, disse de maneira convincente como se fosse um emissário da justiça: ― Não se preocupe, estávamos dando uma lição nela, para que esses ratos não se proliferem e sirvam de exemplo, mas tivemos problemas com uma carniça que tentou livrá-la.

― Carniça? ― perguntou quase de maneira involuntária, pois seus punhos já tinham se cerrado completamente e, a lembrança da menina completamente surrada, se tornou ponto focal em sua mente.

― Sim, aquele moleque que se intitula Robin Hood das favelas, tentou salvá-la e tivemos que lidar com aquele filho da puta, mas já demos cabo nele.

― E onde ele está?

O homem apontou para o lado de fora, onde estava aquela sacola, trazendo compreensão para o rapaz do que seria o objeto que não tinha dado atenção anteriormente.

― Não se preocupe, fizemos questão de quebrar seus braços e pernas, ele não é uma ameaça e, logo a criança vai se juntar a ele.

Sua mente obscureceu, ele sentiu uma raiva e decepção que não lembra ter sentido anteriormente, mas, ao mesmo tempo, parecia já ter vivido em um momento que não podia se lembrar.

― Entrarei para dar uma olhada pela casa, só para conferir.

― Não vão ― disse o rapaz se colocando na frente deles, com uma voz que nem parecia a sua, fazendo não só os guardas estranhassem a ação dele, mas até Lucy ficou sem reação com aquele som que parecia ter saído da boca do diabo.

A mente de Arthur era um caos, nem ele entendia direito o que estava acontecendo consigo, só sentia todas as fibras pelo seu corpo se apertarem em preparação ao conflito, e uma voz familiar de seus sonhos, reverberar em sua mente e tudo o que ela dizia era que eles não mereciam perdão.

A voz estava carregada de rancor, um que apesar de não conseguir compreender de onde vinha, tomava o seu consciente e o fazia clamar por violência.

― Se continuar interferindo, serei obrigado a lhe prender por desacato ― o homem que, apesar da surpresa com tal atitude, já não tinha muita paciência e só queria terminar o dia, se mostrou ainda mais irritado ao ver que o rapaz não mexeu um músculo, com um gesto a um dos seus subalternos, ordenou para retirarem o empecilho do caminho.

O guarda caminhou até Arthur, puxando algemas da cintura, deu um último aviso ao rapaz: ― Não irá sair?

A resposta surpreendeu a todos. O olhar de Arthur se voltou para o guarda sem nenhuma resposta aparente, sua íris era um vermelho diabólico, como se tivesse tingido por sangue, mas foi sua próxima ação que tirou o fôlego de todos.

Ele desferiu um golpe certeiro ao estômago do guarda que se preparava para prendê-lo, seu punho estava cheio de sua energia sombria e atravessou o corpo do homem, com uma facilidade assustadora, deixando um buraco do diâmetro do seu punho no lugar. O homem que tinha sido pego de surpresa, só conseguiu olhar para seu abdômen com verdadeiro terror em sua face, antes de cair como um boneco de pano que teve seus fios cortados.

O superior, que não teve reação imediata, lançou suas palavras para o assassino de seu companheiro: ― Ficou louco, planeja ficar contra a justiça?

Uma voz que parecia ter vindo das profundezas do inferno veio como resposta.

― Justiça para quem?

 


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Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.

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