Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 7: Hospitalidade Inesperada

 

 

Andando pelas estreitas vielas da conhecida parte baixa de Valinde, o cheiro pútrido permeia pelo ambiente e enchiam as narinas de Arthur, que não conseguia suportar o fedor que parecia tão comum para os transeuntes pelo qual passava.

Os esgotos ao céu aberto e as casas coladas uma na outra, que ele não conseguia dizer se poderiam suportar uma única tempestade, não era o tipo de local em que estava acostumado a frequentar, as histórias que escutou sobre o lugar, o mantinham alerta para um perigo iminente que ainda não havia encontrado.

Aprendeu desde pequeno a não frequentar lugares como aquele, pois pessoas como ele, seriam presas fáceis por ali. Usados para conseguir algum tipo de trocado, todavia, seu tio Daniel, sempre tentou mostrar uma visão que se diferenciava dos outros.

Dizia que não tinham culpa do lugar que nasceram, riqueza e pobreza poderiam ser separadas, pela simples sorte e o azar, não deveriam segregar as pessoas pelo que tem, e sim pelo que mostram.

Apesar disso, seguia atento ao seu redor, era um território desconhecido e com um ambiente nada convidativo. As  chuvas que se formavam acima de suas cabeças, o deixava ainda mais tenso.

― Se continuar agindo assim, te deixo aqui ― Disse Laís com um olhar de reprovação

― Já esteve aqui antes?

― É… conheci alguém que me mostrou um pouco do mundo real ― Ela se mostrava pouco disposta a adentrar no assunto.

― Eu o conheço?

― Não, mas vai.

Antes que Arthur continuasse o assunto, viu uma criança de no máximo dez anos, com roupas esfarrapadas se aproximar, ela tinha machucados por todo seu corpo, mostrando que foi claramente espancada e enfurecendo-o por isso, “quem teria coragem de fazer isso com uma criança?”.

Para surpresa dele, a garotinha parou frente a eles, e, com um corpo que não parava de tremer, fixou seu olhar em Laís.

― Coelhinha, o que aconteceu, porque está assim? ― ela perguntou enquanto se abaixava frente a pequena, trazendo-a para mais perto de si e a abraçando.

A menina não respondeu, mas começou a chorar copiosamente, em estado de choque, não sabendo como reagir aquela cena, Arthur olhou ao redor, notando que o fluxo que saía da direção do centro da cidade para aquele lugar, era imenso, fazendo-o refletir porque não lembra de ter conhecidos dali.

Ao retornar seu olhar para as duas, percebeu que a pequena se acalmou um pouco, mas ainda mantinha sua cabeça descansando no peito de Laís que o chamava para sair da multidão.

Já um pouco afastados daquele fluxo intenso, escutou a voz da Imperium soar.

―  O que aconteceu?

― Eu estava com fome, tia… ― disse a criança com voz chorosa.

― Tudo bem, meu amor, mas conta para mim porque você está assim.

― Sei que é errado, mas minha barriga doía.

Arthur olhou com pesar para criança, entendendo o significado daquelas palavras, apesar de não conseguir compreender essa dor com exatidão, mas para ele, alguém que a despeito das dificuldades para ser aceito por outros familiares, jamais lhe faltou nada, muito menos algo tão básico como alimento, observou sua amiga que parecia entender a situação com um olhar que transpirava tensão e voltou a questionar.

― Você pegou o que não era seu?

― Me desculpa ― disse a pequena com os olhos já transbordando, como se a comporta de uma barragem tivesse se aberto.

Ele viu o olhar de Laís tremer, quase acompanhando o choro da menina, a abraçou com força, como se quisesse acolher os tormentos do mundo. Diante daquela cena, não sabia o que dizer ou fazer, só podia ficar quieto ao lado, protegendo-as de um perigo que nem sabia se existia.       

            Após algum tempo daquela forma, a menina finalmente se acalmou e adormeceu nos braços dela, ele aproveitou para se aproximar e sondar a situação.

            ― Devemos buscar as autoridades?

Ela respirou fundo, deixando claro uma certa decepção que não conseguia compreender e nem sequer o respondeu, só pegou a menina em seu colo e continuou a caminhar mais adentro.

― O que eu fiz? ― questionou com clara indignação em seu olhar, enquanto a seguia.

― Você não fez nada, só mostrou ser ignorante demais.

― Quê?

Não entendendo onde ela queria chegar, a viu cessar seus passos bruscamente e fixar seus olhos nele, como se estivesse com vontade de bater nele.

― Você acha mesmo que vão se importar?

― Com uma criança?

― Hehe, você não conhece o mundo mesmo ― riu Laís, com puro deboche.

― Porque ao invés de tirar onda comigo, não explica?

― Porque é simplesmente ridículo ser tão ingênuo, já pensou que pode ter sido as autoridades que bateram nela?

― Por que uma criança furtou? 

― Porque ela é pobre ― ela falou de maneira seca e dura, com um olhar que transmitia frieza e desprezo.

Ele sabia que esses sentimentos não foram direcionados para si, mas não pode deixar de se sentir perturbado ao ver aquele semblante frio que nada se assemelhava com a mulher doce e com um sorriso que iluminava o seu mundo.

Fazendo-o se sentir culpado por sua própria ignorância, e decidindo acompanhá-la sem falar mais nada.

Parecendo perceber que não continuaria a discutir, a viu se virar e manter seu caminho anterior, após algum tempo de caminhada, a chuva que estava dando indícios até então, finalmente caiu, todavia, ela não mostrou intenção de parar.

Com o passar do tempo, a tempestade começou a piorar, criando raios que desenhavam o céu e traziam estrondos que ressoavam por todo lugar.

Brrr buuum!

Ele, que estava cabisbaixo por todo o caminho e mesmo encharcado, não reclamou em momento algum e só continuou escoltá-las, viu Laís parar seus passos e apontar para uma marquise de uma loja próxima a eles.

As ruas já estavam quase completamente vazias, e só restavam aqueles que provavelmente estavam correndo para suas casas, esse era o melhor abrigo que teriam no momento.

Quando chegaram na cobertura, observou a Imperium que ainda mantinha a criança dormindo em seus braços, criar uma chama em suas mãos com a intenção de aquecê-las.

Os dois estavam encharcados e se sentaram um pouco distantes um do outro, tendo a porta do estabelecimento dividindo os dois, Arthur estava tremendo da cabeça aos pés, mas não mostrou indício algum de se aproximar delas, deixando claro seu receio.

Ela o observou com um olhar suave, mostrando que já tinha se acalmado um pouco, e o chamou para se aproximar para se aquecer com elas, Arthur já estava congelando, e só não se aproximou antes, por achar que ainda havia tensão entre eles.

― Me desculpe ― ressoou sua voz cansada, enquanto buscava regular a temperatura de sua chama.

― Está tudo bem, deve ser irritante mesmo ― respondeu se acomodando no lugar para conseguir se aquecer.

― Não, eu deveria entender que não pode compreender.

Ele se sentiu um tanto desamparado com aquelas palavras, apesar de saber que ela não tinha a intenção de ofender, não pode deixar de ter seu corpo completamente tomado por um desconforto com o lugar que estava sentado, parecia ter um formigueiro onde estava, que não o deixava quieto.

― Eu não sou burro, se me explicar posso entender ― falou com uma voz quase inaudível para ouvidos desatentos.

Ela o observou com olhos compassivos, avaliando seu semblante por alguns instantes e resolveu responder.

― Você precisa viver.

Não entendendo como ele conseguiria isso, considerou questionar por mais detalhes, todavia, a porta da loja escancarou com força, assustando os dois e acordando a menina. A sombra de alguém surgiu por detrás dela, deixando-o ansioso e atento para o que estava por vir.

― Que caralhos estão fazendo aqui, moleques ― a voz de uma velha rouca que deveria fumar uma carteira de cigarros em um dia ressoou.

Arthur ficou sem reação, a velhinha com uma bengala, era pequena e de cabelos brancos como nuvens. Seria uma vó fofa, se não parecesse uma bruxa velha que estava pronta para trucidá-lo no local, o fazendo gaguejar ao tentar se explicar.

― Nó… nós s… só q… que ― Antes que pudesse terminar sua prosa travada, escutou a voz irritada da senhora tocar.

― Que merda é essa, é gago? ― o olhar dela parecia ter visto algum animal bizarro ― P           orra, fala direito ou enfio essa bengala no teu rabo para aprender a falar!

 Embasbacado como a mulher conseguia falar tanto palavrão em sequência, não se surpreenderia se montasse sua bengala e saísse voando por aí.

Logo a senhora observou a criança que estava com eles, parecia pronta para chorar a qualquer segundo, e após bater sua bengala no chão com força, os deixando alerta, falou.

― Entrem!

Os dois se entreolharam com a mudança repentina de eventos, não sabendo se deveriam só fazer o que a mulher disse.

― São surdos, caralho, querem que eu mude de ideia?

Mesmo que o tom dela fosse ríspido e sua boca bem suja, Arthur não sentia malícia nela, balançou a cabeça para as meninas, e tomando a frente da situação se dirigiu para dentro do recinto.

Após atravessarem o ambiente da pequena loja, que era composta por prateleiras que mantinham os mais variados tipos de doces e bolos com todos os sabores.

Ele não pode deixar de se sentir surpreso que uma velha como ela, poderia ser dona de uma doceria, pensou que venderia cigarros ou vassouras que servissem de veículo para suas amigas.

Quando chegaram a uma porta por trás do balcão da loja, viram a senhora cessar seus passos e se virar para eles.

― Esperem aqui! ― falou com claro tom de ameaça. ― Não sou palhaça para deixar sujar minha casa inteira.

Ao olhar pelo chão que percorreram, percebeu as pegadas sujas que deixaram por todo lugar, o deixando sem saber como se desculpar, e já estava quase começando a entoar suas tentativas de explicação quando a velha o parou.

― Nem começa gaguinho, só espera calado que já volto ― ela sumiu pela porta, os deixando esperando.

Finalmente, após algum tempo, retornou com algumas mudas de roupas em suas mãos e as jogou para eles.

― Tem um banheiro à esquerda, troquem-se e entrem ― disse para os jovens em tom de ordem, voltando para dentro sem dizer mais nada.

Arthur olhou para Laís que já não estava com a menina em seu colo, mas estava segurando sua mão enquanto ela ficava escondendo parte de seu corpo atrás dela.

― Vamos nos trocar lá, se troque aqui mesmo enquanto isso ― ela só puxou a menina enquanto deixava essas palavras para trás.

Ssghnn… “às vezes ela parece minha mãe”, pensou enquanto se preparava para colocar as roupas secas que lhe foi entregue, o fazendo questionar como ela tinha roupas para eles assim, só conseguiu imaginar que deveria ser de netos ou algo do tipo, o surpreendendo novamente, já que só conseguia imaginar uma casa cheia de gatos.

Após colocar as roupas novas, viu as duas saírem do banheiro prontas também e juntos entraram na casa.

A casa da senhora era grande, mas simples. Arthur a seguiu pelo corredor, admirando os detalhes que revelavam a personalidade dela. Havia vasos de flores, quadros de familiares, livros empilhados. A casa era aconchegante, mas também misteriosa.

Arthur se aproximou de um dos quadros, reparando nos jovens que ali estavam, alegres e risonhos enquanto brincavam com a senhora que carregava uma menina em seu colo. Pareciam uma família feliz.

― O gago é curioso pelo jeito ― chegou à senhora com uma bandeja com biscoitos e xícaras de chocolate quente, colocando em uma mesa próxima a eles.

― Meu nome é Arthur!

― E o meu é Lucy, agora se sente para comerem.

Ele ficou surpreso com a hospitalidade e até sentiu vergonha dos pensamentos hostis que teve até agora, a mulher só tinha os ajudado sem nem perguntar nada até agora.

Após todos se apresentarem, começaram a comer juntos, mas não conseguia tirar a foto de sua cabeça, o fazendo olhar para ela na parede com curiosidade, já que não via mais nada que pudesse mostrar a existência deles pelo ambiente.

Lucy, notando seu olhar fixo na parede e depois observando ao redor da casa, o questionou.

― Tem algo que queira perguntar pirralho?

― Seus parentes, onde estão?

A mulher, com um olhar vazio, se levantou do sofá onde estavam comendo e andou com um olhar vidrado na mesma imagem que tinha capturado a atenção do rapaz.

― Não sei, céu, inferno, quem sabe.

 


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Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.

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