Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 5: Órfão Distinto

 

 

A luz do sol inundava a prestigiosa academia de Valinde, criando um clima de alegria e movimento. Alguns alunos corriam para não perder as aulas, enquanto tentavam convencer os inspetores de que tinham uma boa desculpa. Outros aproveitavam o calor e a brisa nas áreas verdes do campus.

Enquanto isso, o som do farfalhar das árvores, fazia contraste com os ruídos advindos das salas que estavam em aula, em uma turma de terceiro ano, a sala de aula era um espetáculo de arte e cultura, com pinturas famosas e diplomas adornando as paredes.

As cadeiras de couro se erguiam em arquibancadas, dando aos alunos uma visão privilegiada do púlpito de mármore. Ali, o professor se destacava como um rei, com um leão esculpido e uma coroa brilhando à sua frente. Um lustre de cristal refletia a luz do sol que penetrava pelas janelas.

Perto do fundo da sala, um rapaz de cabelos negros dorme profundamente em sua cadeira, alheio à pompa e ao rigor da sala de aula. Sua respiração pesada contrastava com o silêncio respeitoso dos demais alunos, claramente não dormiu direito na noite passada.

Uma garota de cabelos castanhos cacheados e pele morena, estava sentada logo atrás de sua mesa, ela se inclinou de maneira suave não querendo chamar atenção dos demais no ambiente, e assoprou com delicadeza no ouvido do rapaz, o fazendo acordar de maneira letárgica, parecendo um bicho preguiça.

― Não dormiu de novo? ― falou com um sorriso de deboche, claramente querendo provocá-lo.

― Tive um bocado de insônia novamente ― respondeu com uma enorme preguiça, parecia que iria fechar os olhos a qualquer momento.

― Foi aquele homem dos seus sonhos?

― Sim, dessa vez ele estava em um tanque, submerso em água, e não parava de balbuciar as mesmas palavras.

― Quais?

Não podemos fugir!

Só isso? ― Ela claramente não conseguia ver sentido naquelas palavras.

― É..., ele parecia querer me alertar sobre algo.

Arthur se espreguiçou na cadeira para tentar se livrar daquele sono persistente que ainda o açoitava, e após alguns bocejos, olhou para Laís que estava refletindo ainda sobre o sonho que contou.

Se sentia estranhamente preso aos olhos dela, quase hipnotizado, era como se cada pequena ação e mudança em suas feições, fosse uma grande peça que não conseguia perder o interesse.

Quando ele começou a frequentar a escola pela primeira vez, tinha grande dificuldade para se socializar, era acostumado com a solidão, pois se sentia deslocado das outras crianças, já que foi adotado quando era muito novo e mesmo na família Umbra, recebia preconceito por não ser “puro”.

Só foi parcialmente aceito pelos familiares quando demonstrou certa aptidão para dominar as sombras como os outros.

Todavia, diferente dos outros, quando ele estava se sentindo completamente sozinho naquela selva chamada escola, cercado por um bando de garotos de alta classe, a garota popular de intercâmbio, parecendo notar sua solidão, se aproximou e se apresentou para ele.

Ele não conseguia compreender ao certo, porque ela quis conversar com um garoto “normal” como ele, mas sabia que era muito grato por ter o notado e trouxe cores para sua vida, que estava cada vez mais cinza. Apesar de sua mãe e tio tentarem o fazer se sentir acolhido, só conseguia perceber, naquela época, o quão distante ele estava das outras crianças.

Quando ainda estava imerso em seus próprios pensamentos, viu que Laís notou seu olhar fixo nela, e logo seus lábios se curvaram divertidamente para ele, o fazendo pensar por impulso, seu sorriso é realmente lindo.

― Se ficar me encarando assim, pensarei que se apaixonou pela sua melhor amiga.

Arthur não conseguiu conter a vergonha, ficando completamente vermelho com a ideia. Ele não conseguia nem responder ela, ficando com um rosto corado e estoico, buscando a melhor resposta possível.

Mas antes que pudesse emitir qualquer som, escutou uma batida forte soar pela sala.

BAM!

Se virando para o púlpito da sala, surpreso, viu o professor de história antiga os encarar de maneira claramente irritada. Com todos na sala cochichando e debatendo entre si, enquanto encarava os dois.

Senhorita Imperium, vejo que possui algo muito mais relevante que a minha aula, para debater, poderia dizer para todos aqui presentes, o que seria isso?  

Ainda um pouco surpreso com a chamada do homem, observou a garota que parecia buscar palavras para responder.

― Me desculpe professor, ela não tem culpa, eu tinha algumas dúvidas sobre o assunto e a distrai com minhas perguntas ― Ele não podia deixá-la tomar toda culpa sozinha e pensou rápido na resposta.

― Não lembro de ter me dirigido a você, como é mesmo seu nome órfão?

― Arthur…, e eu não sou órfão.

― Se contenha em responder aquilo que foi requisitado ― disse o homem com claro desprezo em seu tom, era como se ele fosse um estorvo pela sua simples existência.

― Me desculpe…

Ele achava melhor não criar mais problemas e conter sua raiva por aquele tratamento que o fazia se sentir tão humilhado.

Parecendo perceber que o rapaz não continuaria a rebater, o homem no púlpito falou:

― Pois bem, já que quer tanto protagonizar e tomar a responsabilidade, lhe darei uma chance, responda isso e deixarei o assunto morrer, mas se falhar, saberá sua punição por seus pais.

Ele viu o professor se virar para o quadro atrás dele, e começar a escrever sobre a história antiga deste mundo, e como foi amplamente influenciado pela chegada de homens de outro mundo.

Após alguns momentos, ele parou de rabiscar o quadro e apontou para a direção de Arthur.

― Consegue responder quais são as maiores mudanças que ocorreram em nosso mundo, após a chegada daqueles que ficaram conhecidos como viajantes?

Apesar de saber que o professor queria usar ele como um chamariz para sua aula, o usando como exemplo para outros e ainda conseguindo dar continuidade ao assunto que estava em pauta. Mas o que o homem não esperava, era o gosto particular que ele tinha na antiguidade.

― Antes da chegada deles, tínhamos uma sociedade pouco capaz no âmbito social e tecnológico, tendo tido uma grande impulsão tecnológica e política para tornar possível a sociedade que conhecemos.

O homem no púlpito encarou Arthur com uma expressão séria, analisando a resposta que ele acabara de dar. Por um instante, o rapaz sentiu um frio na barriga, temendo ter dito algo errado. Então, o professor relaxou os ombros e esboçou um leve sorriso. Ele acenou com a cabeça, reconhecendo o mérito da resposta de Arthur. Sua voz se tornou mais amigável e menos autoritária.

― Você é o garoto adotado da família Umbra, correto?  ― Inquiriu o professor, deixando todos no ambiente em dúvida com a mudança repentina de atitude.

Apesar de não saber o que exatamente significava aquela mudança brusca de atitude, Arthur decidiu seguir o ritmo.

― Sim.

― Compreendo, fique após a aula, quero conversar com você depois.

― Certo…

Apesar da aparente mudança de postura que o professor apresentou, Arthur não se sentiu aliviado. Ele ainda esperava algum tipo de esporro ou punição do professor, que era conhecido por ser rigoroso e exigente. 

Laís, que se manteve quieta diante de toda dinâmica que ocorreu, aparentemente não conseguia mais se manter distante do imbróglio que se formou.

Levantou a mão chamando a atenção de todos no recinto e se direcionou ao professor: ― Não é justo ele ser responsabilizado sozinho.

O rapaz podia jurar ter visto uma veia saltar da testa do docente, claramente consternado com a situação, ter sua autoridade sendo testada consecutivamente, com certeza não era nada agradável.

Ele sentiu o olhar furioso do docente sobre ele, como se uma veia fosse explodir na sua testa. Ele sabia que tinha desafiado a autoridade do homem mais de uma vez, e que isso não era nada agradável para ele. Também percebeu que o ar no ambiente se tornou mais pesado, como se refletisse o seu nervosismo.

Mas, para sua surpresa, a tempestade repentina se dissipou, e o humor do homem no púlpito voltou ao normal. Ele respirou tranquilo, esperando que o pior tivesse acontecido.

― Não planejo cometer injustiças, senhorita, mas acredito que seja qual for a minha decisão, não lhe diz respeito ― disse o docente, com uma voz firme e séria.

Ele se virou para a lousa, ignorando totalmente a Laís e deixando claro que queria retomar a aula.

Arthur interrompeu a Imperium com uma mão em seu ombro e sussurrou: ― Não agrave o problema que não pode ser solucionado.

Ela olhou para ele com uma expressão irritada, mas se calou e se sentou. Ele suspirou aliviado ao ver que ela o escutou, apesar do claro descontentamento. Sabia que o máximo que poderiam conseguir daquele embate era uma punição ainda maior, seja lá qual fosse a que ele iria receber.

Tudo o que restava era aguardar até o fim da aula e descobrir o que lhe esperava. O tempo passava devagar para ele, apesar de gostar bastante de história antiga, a aula não prendia sua atenção. Ele já tinha lido diversos livros sobre esse assunto na biblioteca de sua família, e estava mais do que familiarizado com o tema que estava sendo abordado.

O relógio na parede da sala se tornou seu maior passatempo, observando ansiosamente o tempo passar, até que finalmente a hora chegou e viu o professor dispensar sua turma. Todos estavam saindo animados por finalmente poderem ir para casa, mas ele permaneceu sentado, aguardando o momento em que seria chamado.

Laís ainda tinha um semblante irritado, e parecia sem vontade de deixá-lo sozinho na sala. Ao perceber o conflito que estava mantendo-a ali, ele decidiu tranquilizá-la: ― Não se preocupe, vou te contar tudo depois. Vou até mesmo te comprar aquele picolé que você adora.

― …

― Pode ir, ficarei bem.

Finalmente, cedendo ao pedido dele, ela se levantou e caminhou até a saída, mas não pôde deixar de lançar um olhar desafiador para o professor, fazendo Arthur rir daquela personalidade forte que ela tinha.

Após todos os alunos terem saído, viu o professor olhar para ele de forma séria, e calmamente o chamando.

Sentiu um pouco de receio com o que lhe esperava, não queria dar mais pauta para os familiares que o desprezava, os fazendo ter o que apontar para ele.

― Rapaz, não tenho interesse em dificultar sua vida.

Arthur ficou um tanto surpreso com aquelas palavras, já estava esperando um sermão e ofensas.

― Você precisa compreender que não é como os outros e não pode agir de maneira displicente.

― Eu não tenho feito isso deliberadamente, e... não sou inferior a ninguém aqui…

O professor respirou fundo com as palavras dele e continuou: ― Eu não estou aqui para rebaixá-lo, garoto, mas tenho experiência nisso.

― O que você quer dizer?

― Que assim como você, fui um órfão que deu sorte de ganhar uma nova família.

Arthur ficou um pouco surpreso com as palavras dele, apesar de não ser um grande fã da sua aula, por sentir que estava só repetindo o que já sabia, conhecia os méritos do docente, e como ele era amplamente respeitado não só por seu domínio intelectual, mas também marcial. Mas nunca imaginou que ele teria uma origem semelhante à sua.

O homem que tinha um olhar amigável agora, realizava um claro contraste com a persona dura que presenciara anteriormente. Deixando-o curioso com suas próximas palavras.

― Enfim, só quero que você demonstre mais comprometimento com seu futuro a partir de agora, pois as pessoas vão duvidar e tripudiar por lhe enxergarem como inferior, entende?

― Sim ― ele com toda certeza entendia, já que sempre sofreu bullying dos outros garotos por não ser considerado um nobre de verdade.

Ele finalmente recebeu a permissão do docente para se retirar da sala de aula. Suspirou aliviado, sentindo um peso sair dos seus ombros.

Saiu apressado, ansioso para encontrar Laís e contar-lhe como foi a conversa, mas não viu nem vestígios dela naqueles amplos corredores. Ele olhou ao redor, procurando por seus cabelos cacheados castanhos e seu sorriso cativante, mas não a viu em nenhum dos corredores iluminados pelo sol da tarde. Será que ela já tinha ido almoçar? Ele sentiu uma pontada de fome e decidiu ir até o refeitório, na esperança de encontrá-la lá.

Seguiu pelo caminho mais curto, passando pelo banheiro masculino, onde alguns rapazes saiam rindo de alguma piada. Ele ignorou-os, concentrado em seu objetivo. Mas, antes que pudesse virar o corredor, uma voz o fez parar no meio do passo.

― Veja só, se não é um órfão distinto…

― Droga! ― Ele reconheceu aquela voz na hora. Era ele.

 


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Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.

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