Volume 1
Capitulo 3: O Dilema do Corvo
A chuva caía sem parar, como se o céu chorasse pela tristeza do mundo. Arbus caminhava pelas ruas lamacentas de Wadun, a pequena cidade ao sul de Olirion. Ele estava encharcado até os ossos, mas não podia se dar ao luxo de demorar. Tinha coisas mais importantes com que se preocupar.
Ele havia acabado de voltar de uma missão perigosa, onde ele e seu companheiro descobriram um esquema de corrupção envolvendo o ministro e diversos servos da corte. Conseguiu escapar sozinho por pouco, mas não sem deixar rastros. Sabia que logo seria perseguido pelos guardas do rei, que não hesitaria em matá-lo.
Arbus precisava se encontrar com seu mandante na taberna, onde eles combinaram de se reunir depois da missão. Precisava relatar as informações que obteve, e como seu companheiro faleceu.
O príncipe Bryan era seu mestre e seu velho amigo, que o acolheu e treinado em diversas ciências, como seu braço direito desde a infância. Arbus devia tudo ao ele, que era o único que acreditava que se importava consigo e lhe dava um sentido à sua vida. Seria leal ao príncipe acima de tudo, mesmo sabendo que não era um homem bom ou justo.
Logo chegou à taberna e empurrou a porta com força, querendo fugir rapidamente daquela tempestade.
Slam! Blam!
Um estrondo ecoou pelo salão, chamando a atenção de todos os presentes. A taberna era um reduto de alegria e diversão naquela cidade pacata. Músicos tocavam suas melodias animadas, enquanto os clientes bebiam e conversavam sem se importar com o mundo lá fora.
Sentiu o contraste entre o clima festivo da taberna e o seu próprio estado de espírito. Estava cansado, faminto e preocupado com o futuro. Olhou para o relógio na parede e suspirou. “Estou atrasado…”.
Não tinha tempo para se divertir ou relaxar. Sabia que Bryan o esperava em uma mesa afastada do burburinho, como sempre fazia, quando se reuniam.
Olhando ao redor, logo o encontrou, um homem por volta dos seus trinta anos, que facilmente se destacava em meio à multidão, com seus olhos e cabelos vermelhos como fogo, sentado em uma mesa de madeira rústica sem polimento, distante das outras.
Caminhou até lá, desprezando os olhares temerosos e intrigados que lhe lançavam. Ele sabia que sua aparência causava medo e repulsa nas pessoas, mas não se importava. Ele tinha orgulho das suas cicatrizes, pois eram marcas de sua lealdade e coragem.
A mais notável delas era a que ficava em seu olho esquerdo, que ele perdeu em uma missão anterior. Arbus havia conseguido matar o ministro, mas um imprevisto causou uma ferida profundo no rosto. O corte tinha se infectado e se transformado em uma cicatriz grotesca, que lhe custou a visão de um olho.
Arbus não se arrependia de ter matado o ministro, pois ele era um traidor e um inimigo do seu benfeitor. Mas ele também não sentia orgulho ou satisfação pelo seu feito. Ele apenas cumpria as ordens do príncipe, que era seu mestre e amigos desde a infância.
Se sentou ao lado do homem de cabelos e olhos rubros como chamas, que o observava com calma. Ele era um dos vários príncipes daquele reino que estava em constante turbulência devido à instabilidade política advinda da doença do rei. Ele tinha uma aparência nobre e imponente, que contrastava com sua bebida simples: um copo de chocolate quente.
O homem sorriu ao avistar o corvo, seu sorriso passava um ar de confiança para ele, o fazendo parecer um homem simpático e bondoso, mas quem o conhecia profundamente, sabia que não se tratava de uma figura simples.
― Perdão pelo atraso ― Arbus falou com uma voz rouca e cansada.
― Vejo que teve problemas na viagem, Arbus ― disse o príncipe sorrindo.
― Antes de prosseguirmos, eu prometi à bela garçonete que esperaria você chegar para fazer o pedido.
Ele apontou para uma moça bonita, com longos cabelos trançados, que se aproximava deles com um sorriso sedutor.
― Um peixe grelhado cairia bem ― respondeu, sem hesitar.
Ele estava com fome, não comia decentemente a aproximadamente um mês, desde o ataque ao palácio.
― Ótima escolha. Dois peixes grelhados, por favor ― requisitou o príncipe à garçonete, que anotou o pedido em um bloquinho.
Arbus observou a garçonete se afastar com um suspiro e voltou-se para o príncipe. A taberna estava lotada de clientes, mas eles estavam em um canto reservado, longe dos olhares curiosos. O aroma de temperos e carnes assadas enchia o ar, mas mesmo sentindo fome, ele tinha algo mais importante em mente.
― Antes de discutirmos o que ocorreu no palácio, preciso falar sobre o assassino de Sige ― sugeriu, com um tom sério.
O príncipe demonstrou completa indiferença ao escutar o nome do corvo, como se a morte dele não significasse nada. Ele mexia na borda do copo de chocolate quente, que borbulhava e soltava fumaça, mostrando que a temperatura estava nas alturas. Ele tomou o chocolate calmamente e alinhou os talheres na mesa.
― Arbus, desde quando você tem ousadia para decidir a prioridade dos assuntos na minha presença? ― perguntou, com um olhar glacial.
Arbus baixou a cabeça em silêncio, sentindo-se repreendido. Ele sabia que o príncipe não gostava de ser contrariado ou questionado, e que ele podia puni-lo severamente se quisesse. Havia visto o príncipe fazer coisas terríveis com seus inimigos e até mesmo com seus aliados, quando eles não atendiam às suas expectativas. Ele tinha medo do príncipe, mas também o respeitava e admirava. Ele era o único que podia dar um sentido à sua vida vazia e sem propósito.
― Você começará pelo relatório ― ordenou o príncipe, ajeitando as mangas e colocando um guardanapo no colo.
A garçonete voltou da cozinha com dois pratos fumegantes e os colocou na mesa.
― Oh, parece delicioso ― Bryan se preparou para comer, mas sem tirar os olhos do homem à sua frente, atento ao que falaria.
― Descobrimos um esquema de desvio de verbas ― disse Arbus pegando o garfo e a faca.
Ele começou a contar ao príncipe tudo o que descobriu no palácio, sobre as irregularidades nas finanças e os desvios constantes de diversos setores do reino. Ele sabia que o príncipe estava interessado nesses assuntos, pois tinha planos de alcançar o trono e se tornar o novo rei.
Estava disposto a fazer qualquer coisa para ajudá-lo a alcançar seu objetivo, mesmo que isso significasse trair sua própria família e seu próprio povo. Era fiel ao príncipe acima de tudo, mesmo sabendo quem ele era.
― Isso não é novidade, considerando os rumores que circulavam pela corte sobre as irregularidades nas finanças e a ganância insaciável dele. Você sabe para quem ele repassava o dinheiro? ― perguntou Bryan, cortando o peixe sem tirar os olhos do prato.
― Para diversos membros executivos da corte e homens com grande influência ou até mesmo do baixo escalão. Ele tinha uma rede complexa de corrupção e chantagem, que envolvia desde ministros até guardas ― Respondeu Arbus, mordendo um pedaço de peixe.
― Descobriu o que ele buscava com isso?
― Sim, ele estava em conluio com algum príncipe, para dar um golpe de estado e arrematar a coroa ― afirmou Arbus com um pouco de receio.
O corvo observou o príncipe finalmente parar de comer, limpar pacientemente sua boca e após limpar os talheres com o guardanapo, colocar eles alinhados ao prato.
― Ah! Família… que coisa complicada, não é mesmo? ― falou em um tom de desgosto.
― Pois bem, já que entramos no tema família, agora pode me contar como o... ― Bryan buscava a todo custo em sua memória o nome.
― Sige…
― Isso! Esse mesmo, Sige. Como ele morreu?
― Foi o maldito Umbra! ― Arbus proferiu seu nome com um ódio palpável, deixando claro o rancor criado.
― Hahaha, compreendo, então foi tudo como o esperado.
O corvo se sentiu estarrecido com aquelas palavras, a animação do homem a sua frente era a última coisa que esperaria, era como se estivesse comemorando a morte de seu parceiro, não pode deixar de pensar que escutou erroneamente.
― Me desculpe, senhor?
― Francamente, pensei ter te ensinado bem o suficiente para ler o óbvio.
Ele não conseguiu compreender o que Sua Alteza Real estava dizendo, se sentindo confuso e traído com tal demonstração de indiferença, era como se uma simples ferramenta tivesse servido seu propósito com cruel perfeição.
― Como assim, senhor? ― Perguntou, com um nó na garganta.
Parecendo perceber a confusão mental de seu servo, Bryan suspirou fundo com pesar e estendendo a mão para alcançar o ombro dele, disse com profunda emoção na voz.
― Não compreenda erradamente, todos temos um propósito neste mundo e fiquei feliz que ele pode cumprir seu papel importantíssimo para este reino.
Arbus sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Aquelas palavras soavam falsas e vazias. Ele não podia acreditar que Sige seria descartado de forma tão casual, por mais que fosse de um ramo distante da família principal. Se perguntou se ele também seria descartado quando fosse considerado adequado.
― Como disse Sun Tzu, “Portanto, o que é de suprema importância na guerra é atacar a estratégia do inimigo; o próximo melhor é atacar suas alianças; o próximo melhor, depois disso, é atacar seu exército. O pior é atacar suas cidades. Quando você cerca uma cidade, você perde a força.” ― disse o príncipe com um olhar divertido.
― Esse trecho sugere que a melhor forma de usar seus recursos é evitar o confronto direto e focar em minar a moral do inimigo ― continuou Bryan.
O corvo não conseguiu compreender onde ele queria chegar com aquilo, demonstrando clara confusão em seu semblante. Parecendo notar a confusão dele, o príncipe falou.
― Para construir, precisamos destruir primeiramente, sabe qual é a melhor forma de fazer isso sem sangrarmos?
― …
― Guerra!
O corvo ficou sem palavras diante da resposta do príncipe. Ele não podia acreditar que ele estava disposto a iniciar uma guerra por um capricho, sem se importar com as consequências. Estava disposto a destruir todo um reino para melhor solidificar seu poder e dominância.
― Bem, chega de conversa fiada, Arbus. Temos que ir ― falou levantando-se da mesa e pegando o seu casaco.
― Sim, senhor ― respondeu o corvo, com uma voz fraca e resignada. Ele se levantou e seguiu o príncipe até a porta.
― Ah, e mais uma coisa ― o príncipe, parou na porta e olhou para a taverna animada, com um sorriso malicioso ― Não podemos deixar que ninguém saiba o que conversamos aqui. Seria uma pena se alguma informação vazasse para os nossos inimigos.
― O que o senhor quer dizer?
De repente, uma chama vermelha surgiu de sua palma e se espalhou pelo restaurante, atingindo as cortinas, as mesas, as cadeiras e os pratos. Um grito de pânico e dor ecoou pelo local, enquanto as pessoas tentavam fugir do fogo.
― Elimine qualquer possível fugitivo, não deixe ninguém vivo.
O fogo se alastrava rapidamente pela taverna, consumindo tudo em seu caminho. As pessoas gritavam e corriam em pânico, buscando uma saída. Mas não havia escapatória. O príncipe Bryan bloqueou todas as portas e janelas com suas chamas, criando uma armadilha mortal. Ele observava a cena com um sorriso cruel, parecia se divertir com o sofrimento alheio.
Arbus obedeceu ao seu mestre, com uma expressão vazia e sem vida. Ele nada sentia ao matar aquelas pessoas inocentes. Empunhava a sua espada e cortava qualquer um que se aproximasse dele. Ele não se importava com quem eram ou o que faziam.
Ele viu uma mulher grávida tentando se arrastar pelo chão, tossindo pela fumaça. Ela implorava por ajuda, por misericórdia. Mas não hesitou. Ele levantou a sua espada e desceu-a com força. Um grito agudo e um jorro de sangue foram as últimas coisas que ele ouviu e viu dela.
Um homem idoso tentando proteger uma criança, abraçando-a com força. Ele rogava por piedade, por compaixão. Mas não vacilou. Cortou a cabeça do homem com um golpe rápido, fazendo-a rolar pelo chão. Ele viu o terror nos olhos da criança, que chorava sem parar e logo a silenciou também.
Ele matou todos que encontrou pelo caminho, sem piedade ou compaixão. Não deixou nenhum sobrevivente. Cumpriu a sua missão com perfeição.
Ele saiu da taverna em chamas, coberto de sangue e cinzas. Ele se juntou ao príncipe Bryan, que o esperava na carruagem.
― Muito bem, Arbus. Você fez um ótimo trabalho ― disse o príncipe, elogiando-o.
― Obrigado, senhor
― Vamos, Arbus. Temos muito trabalho pela frente ― disse o príncipe, partindo com a carruagem.
Ele sabia o que estava fazendo. Estava matando sua alma, renunciando a ideia de questionar. Se entregando ao seu salvador, seguindo-o cegamente. Era um soldado.
Caro leitor,
Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.
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